“Se não fosse esse disco, eu não estaria aqui conversando contigo.” A afirmação de Wander Wildner a respeito de “Baladas Sangrentas” define a importância do álbum em sua carreira. E os motivos vão além do fato de ser seu primeiro disco solo. Ele foi o responsável por uma reviravolta na vida – e na obra – de Wander, e tudo orquestrado por Tom Capone.
A história começou em 1993, no Rio de Janeiro. Tom era um recém-chegado guitarrista de Brasília (DF), onde ficou conhecido como integrante das bandas Peter Perfeito e Detrito Federal. Wander já havia deixado Porto Alegre (RS) e Os Replicantes e trabalhava com iluminação de espetáculos na capital fluminense.
Os dois se conheceram nos bastidores da primeira temporada de shows da cantora Renata Arruda no Rio. Tom era o guitarrista da banda e Wander, o iluminador. Com preferências e conhecimentos culturais parecidos, o encontro não poderia dar em algo que não fosse uma grande amizade.
Em 1995, Wander já estava de volta à capital gaúcha e fazia os primeiros shows da carreira solo, quando recebeu uma ligação de Tom. “Vamos gravar o seu disco?”, perguntou, com ares de confirmação. Ele pensou ser uma brincadeira, mas a verdade é que amigo realmente estava com um estúdio nas mãos pra tal empreitada, onde começaria a dar os primeiros passos na bem-sucedida carreira como produtor que viria a seguir.
Era o AR Studios, de propriedade de André Rafael Ferreira, e foi ele mesmo que ligou novamente para Wander e o convenceu a ir para o Rio de mala e cuia mais uma vez. Só que a oferta era ainda melhor que a encomenda: além do disco, o músico teria apartamento para morar e todas as despesas por conta da casa. Impossível dizer não. E foi aí que o “Baladas Sangrentas” começou a ser gerado.
As músicas, Wander já tinha, era só uma questão de colocar o projeto para andar. “Tom trouxe toda a sua sabedoria como produtor e como músico, tocando baixo e guitarra, para o disco”, lembra. “Ele via além. Via o potencial do artista e o potencial da música. Algo como ‘onde esse cara pode chegar, onde essa música pode chegar?’”
Foi Tom que percebeu, por exemplo, que umas cordas fariam toda a diferença no disco. “Então, ele chamou o Glauco Fernandes, um músico clássico que conheceu no Rio, para botar os violinos”, lembra Wander. “E tem ainda o baixo brega que ele botava… O Tom sempre gostou muito da cultura mexicana, e eu também. Sempre fui um mariachi, um cantador que pega o violão e vai ganhar a vida tocando. A gente gostava de brega, punk rock, rock, música mexicana…”
Para Wander, o disco não é apenas dele. “É do Wander Wildner y Sus Comancheros, algo que o Tom criou também, em referência aos últimos índios que os americanos dizimaram no Novo México. São os que resistiram, pegaram em armas, usaram rifle”, conta. “Todos que tocavam com a gente eram chamados assim e, em homenagem a ele e ao Mauro Manzolli, que gravou as baterias neste disco e também veio a falecer, eu chamo todos que tocam comigo de comancheros até hoje.”
Wander acredita que, não fosse Tom, sua vida poderia ter tomado outros rumos. “Ele que deu sequência à minha carreira solo. Eu tinha dado início à ela no Sul, mas o convite para gravar o disco fez toda a diferença. E ele ainda me manteve no Rio. Não foi só um disco. Apesar de eu ser bastante insistente nas coisas que faço, poderia ter feito qualquer coisa depois daqueles shows, no antigo Magazine, em Porto Alegre, onde toquei pela primeira vez minhas músicas. Eu poderia ter voltado para a iluminação, ou ter feito qualquer outra coisa, porque minha vida também é inconstante, eu vou de acordo com a maré.”
Fato é que a parceria de Tom e Wander foi mais longe. Juntos, eles criaram o selo Fora da Lei – mesmo nome dado à turma de Tom, da qual Wander fazia parte. E foi por ele que “Baladas Sangrentas” saiu, mas a história ainda é longa.
Com o álbum pronto, era hora do lançamento, e a ideia que surgiu foi a de criar um festival. Batizado Fora da Lei, rolaria no Circo Voador, com a presença de outras bandas, inclusive Os Replicantes, e ainda teria um espaço para que outros selos vendessem seus discos e camisetas e uma área para skatistas mostrarem seu talento sobre as quatro rodas. Tudo perfeito, não fosse a tensão que tomou conta os dias anteriores ao evento.
“Uma semana antes, o Renato Russo morreu. O Rio de Janeiro ficou em luto total. Foi algo inacreditável como a cidade sentiu a morte dele”, lembra Wander. Como se não bastasse, o engenheiro de som Álvaro Alencar, que trabalhava no AR e assinou a mix do álbum, ao lado de Tom e Marcelo Sabóia, teve a brilhante ideia de prensar mil cópias nos Estados Unidos. Só que sua chegada ao Brasil estava marcada para um dia antes do festival, com o detalhe que o disco viria sem capa. Wander que fez, uma a uma, com o xerox da arte criada por Allan Sieber para os shows em Porto Alegre e envelope de plástico.
“Show marcado, e o disco não estava na minha mão. Eu com as capinhas todas prontas, e o disco não existia”, diverte-se (agora) Wander. “Então, descubro que o Álvaro ia ‘tentar’ passar na alfândega com os discos. Ele não pagou imposto das cópias, mas estava trazendo muito equipamento, e tudo regularizado, com nota fiscal. Então, ele trouxe os discos em 10 bobinas de 100 CDs. Trouxe umas oito na mochila e os outros dentro de umas caixas. O Tom só me contou isso dois dias antes do show, rindo e dizendo que era uma aventura. Não era nada, mas para mim… Pensei: meu Deus do céu, esses caras são loucos, com quem fui me meter?”
O bom é que, no fim, deu tudo certo. Álvaro chegou com os discos, Wander ficou horas os embalando e, mesmo com chuva, o festival rolou e “foi muito afudê, foi do caralho”.
Ouça o disco “Baladas Sangrentas” no player abaixo, mas baixe no iTunes.