#BQVNC | Turba anuncia o caos com o peso sujo do seu rock

14/09/2015

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Por: Fabiano Post

Fotos: Divulgação

14/09/2015

Um aglomerado desordenado de gente que sai às ruas reivindicando e causando o caos – Turba – um fenômeno social-urbano-primitivo que também dá nome a irrequieta e indignada banda formada ao acaso em 2013, no underground carioca.

Glauco Caruso, veterano baterista rio-grandino, ex-Júpiter Maça e Defalla, estava à procura de músicos “sangue no olho” para forma a Turba. O baixista Greco Blue ele já conhecia da banda Os Azuis, e fecharam a parceria em uma festa de rock no Rio. O guitarrista João Pedro Bonfá já havia tocado com ele em outra banda chamada Traitors, entrou na Turba e logo após as gravações do disco de estreia da banda abandonou a barca, a formação original estava desfeita. O substituto de JP seria o bluesman Lucian Araújo, que por uma confusão em sua agenda, deu pra trás, e enviou o guitarrista Ciro Augusto no seu lugar, que ficou.

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Então a procura de Glauco acabou. A santa trindade roqueira, baterista, guitarrista e baixista, “sangue no olho”, formou! Demorô!

Lógico que tenho as minhas impressões pessoais sobre a banda, porém o melhor epitáfio sobre ela está em seu próprio domínio, lá em sua bio diz: “A banda é um encontro inconsequente de três artistas que não esperam nada, tem somente sonhos de alegria, liberdade e prazer quanto a um Mundo melhor, sem desigualdades, sem misérias, sem fome e sem medo. E claro, com muita diversão!”. Quando você ouve o som dos caras conclui que Turba é uma alma perturbada e inquieta, uma criatura provocadora, questionadora, deixando de lado o politicamente correto, detona a ordem vigente e instaura o caos em prol de uma nova ordem.

O álbum de estreia foi sendo elaborado em um processo colaborativo no período de um ano, entre os ensaios através de vídeos pela internet para a elaboração das músicas até sessões ao vivo para gravá-las, no estúdio Coletivo Machina, no Rio de Janeiro. Só então a banda lançou em julho desse ano, pelo 180 Selo Fonográfico, Desassossego, nome apropriadíssimo para seu álbum de estreia; e que antes de mais nada é uma homenagem ao escritor Fernando Pessoa. Caruso, explica: “Os poetas portugueses têm grande influência nas coisas que sinto e escrevo”.

Com uma estética sonora clássica, suja, pesada, minimalista e ancestral, Desassossego é portador de certo psicodelismo apocalíptico. Letras que falam de frustações, escatologia, relacionamentos aniquilados, desamor e paradoxos da alma humana em um meio social conturbado, injusto e caótico. Desassossego é basicamente rock, punk 77 e rock garagem. Mas é também música italiana como na versão pauleira de “Ciao Amore”, de Luigi Tenco. Os líricos e o órgão eletrônico, na faixa “Eu Só Quero Paz” por um instante fazem você pensar na Jovem Guarda, já o breve início “flamenco” de “Implodiu Meu Coração” progride para nuances que lembram Mutantes. Em “Tristeza” uma poética nebulosa à la Johnny Cash complementa um jeito de cantar storyteller à la Leonard Cohen. A última faixa “Motorino” é essencialmente um rockabilly. Em “Vigiar e Punir” não tem como não pensar em Titãs, em sua melhor musculatura, no clássico álbum Cabeça Dinossauro. Essa faixa faz alusão ao período que Caruso esteve encarcerado injustamente. O álbum é sem preconceitos e um salseiro de boas influências de diferentes estilos. Os caras se declaram uma banda com pós-conceitos, somente ser desprovido de pré-conceitos não basta. “Bailamos rumba, tango e cha-cha-cha”. Ponto pra eles!

A primeira faixa do álbum, “Para Que Você Me Entenda”, uma homenagem da banda ao guerrilheiro Carlos Marighella, se encaixa perfeitamente nessa linha “pós-conceito”, é uma parceria entre Glauco que compôs a música e, seu conterrâneo, o poeta e rio-grandino Alvedes Aguiar, nela ouvimos Glauco recitando e não cantando o poema de Alvedes. É a gênesis perfeita para Desassossego.

O power trio se reveza nos vocais que vão do punk anárquico e tumultuado como na faixa “Chove no Rio”, ao suave e cadenciado na faixa, romântica fetichista, “Mija em Mim” até a questionadora e socialmente engajada faixa, “Como Pode?”.

É o tipo de álbum para se ouvir no talo, e sem bundamolice. Se você tem estômago fraco e ouvidos sensíveis, não se atreva. Rock barulhento, colérico, contestador, escrachado e divertido, é isso que os caras têm a oferecer. Não se engane pela pauleira, Desassossego tem “um bom recheio”, faz refletir. É um belo exemplar para quem curte rock bem feito, cantado em bom português, sem frescuras, sem mirabolâncias e sem maiores pretensões, indo na contra mão “wanna be” que assola a cena rock & roll brazuca. O disco é um grito de protesto, preso na garganta, por justiça, liberdade e igualdade.

Depois do lançamento do álbum, foi a vez de produzir e lançar o primeiro videoclipe profissa. “Mija em Mim”, oitava faixa do álbum foi escolhida para ser o áudio-retrato da banda. O baixista Greco Blue, quando foi questionado por mim se a escolha da faixa teria sido a melhor, já que eu pessoalmente esperava o clipe vindo de uma faixa mais “violenta”, me respondeu de bate pronto: “Bom, a violência nela vem contra os bons costumes, e social e politicamente, mesmo sendo ela uma declaração de amor…”

O clipe foi produzido pela Bumbá Produções, de Porto Alegre, com direção de Gerson Silva. Não é exagero dizer que é uma ode erótica-romantizada a urolagnia, popularmente conhecida com golden shower. De início o brega, bem pegado, “Sapato Apertado”, é o pano de fundo que dá um clima meio romance low buget! Uma garota, prontíssima pra matar, devidamente montada, e um rapaz sedento, que repousa em uma cama, a espera da realização de seus desejos mais lascivos, são os protagonistas desse curta romântico – erótico – fetichista regado a paixão escatológica, como que saída de um conto bukowskiniano. O love song com o vocal arrastado e enrouquecido de Greco Blue, dá o tom, estilo poética “boca do lixo”, para a jornada sexual dos amantes que se segue, passando pela “chuva dourada” até o brinde que precede o ato de urofagia – beber a urina. O momento clímax do vídeo e de seus protagonistas.

“Mija em Mim quero sentir seu gosto, Mija em Mim abençoa o meu corpo, Mija em Mim o batismo que eu sempre quis…” Por essas e outras, “Mija em Mim” é uma láurea, versão light, para os adoradores da prática.

Como e quando vocês se conheceram e formaram a banda?

Glauco Caruso: Fomos nos conhecendo ao acaso. Havia algum tempo que eu procurava por músicos – sangue no olho – para compor a Turba. Já conhecia os Azuis e soube que o Greco estaria numa das poucas festas de rock do Rio. Fui até lá, conversamos e fechamos em tudo na hora. Quanto ao João, já tocava com ele nos Traitors e acabou vindo junto, mas saindo logo após a gravação do disco (guitarras maravilhosas!). E o Ciro foi através do Lucian Araújo, que iria fazer a tour de lançamento do disco, mas acabou confundindo sua agenda e não iria dar certo. Mandou o Ciro em seu lugar e este então ficou.

Qual o motivo da saída do guitarrista João Pedro Bonfá?

GC: Até hoje não sabemos direto [risos]

Quem compõe as letras para Turba?

GC: Poesias e composições Glauco Caruso.

Por que Desassossego?

GC: Fernando Pessoa. Os poetas portugueses têm grande influência nas coisas que sinto e escrevo.

Como foi a labuta para o processo de produção do álbum até chegar ao produto final?

GC: Num primeiro momento ensaiamos através de vídeos, enviados pela internet (já que o Glauco estava em Porto Alegre na época) e fomos criando e elaborando as músicas e quando ele voltou pro Rio começamos a atacar, uma por uma, em sessões ao vivo no estúdio Coletivo Machina. Depois acertamos alguns detalhes e fizemos alguns overdubs. Pouca coisa foi mexida. Antonio Paoli (Astrovenga) elegantemente gravou três órgãos. Tudo isso em um ano. Depois, o Bernar Gomma e o Glauco deram o toque final. Nos últimos momentos, a artista plástica Ananda Kuhn nos presenteou com uma capa que como epitáfio, traduz o todo. Por conta deste processo peculiar, o álbum tem um som singular.

Temas políticos, sociais, desamor e muita dor de cotovelo pipocam por todo álbum. Seria esse “grito artístico” uma forma de protesto contra o caos em que se encontra a sociedade?

GC: Na verdade, a Turba costuma falar de frustrações, angústias e coisas que oprimem a todos. Resumindo, universo caótico, sociedade caótica, mentes caóticas.

Caruso, você é gaúcho de Rio Grande e viveu parte da tua vida em Curitiba, o sul do país sempre foi efervescente em termos de rock, inclusive do blues; já no Rio de Janeiro o rock sempre esteve em um plano mais underground, sem muito espaço. Com anda a cena carioca hoje em dia?

GC: O Rio de Janeiro anda muito efervescente, mas passo a bola pro Greco que é daqui…
Greco Blue: No Rio tem poucas casas de show e pouca cultura de público, mas não falta banda de muito conteúdo e cada vez mais os artistas estão ocupando as ruas como alternativa. Porém, importante ressaltar que no subúrbio, em todos os bairros têm casa de show e cena ativa de rock.

Alguma recomendação de bandas cariocas que vocês curtem?

Beach Combers, Luiz Lopez, Vulcânicos, Astrovenga, A Batida Que Seu Coração Pulou, Bambino e os Asteróides, Jovens Não, Arco Voltaico, Enio Berlota e a Nóia, Top Vox, Os Fuzzcas, De’la Roque, entre tantas outras…

O espaço do bom e velho rock vem minguando, no Brasil, com o passar dos anos. Existe fôlego, futuro e esperança, ou a luz no fim do túnel é como diz o filosofo esloveno Slavoj Zizek: “é a luz de um outro trem que se aproxima na direção contrária”?

GC: Como sempre conversamos, basta uma pessoa no público para se quebrar tudo. Portanto, sempre haverá bandas surgindo e se reinventando, pois o rock, como o blues e a música clássica já estão eternizados, não são moda e sempre serão ouvidos, tocados, dançados, manipulados e gozados. Música é vício e o coração é ritimado.

O som “sujo” de vocês não é de fácil digestão se comparado ao rock mais “arrumadinho” e pretencioso. Estar fora do modelo padrão e do mainstream incomoda? Ou essa é a ideia?

Ciro Augusto: Não há pretensão alguma, só livre expressão. A indústria musical não sustenta criações diferenciadas do que é vendido por ela, mas seguimos tocando a margem disso. Dane-se.

Por falar em padrões, muitas bandas, nacionais, tem optado pela estética de cantar em inglês, obviamente visando o mercado gringo. Você imaginaria a Turba mandando ver na língua de Shakespeare?

GC: Nunca cantaremos em inglês. Gostamos de ter nossa mensagem compreendida pelo nosso povo. E aliás, hoje em dia, no underground mundial, existe muito interesse em bandas de línguas exóticas e várias gravadoras têm lançado coletâneas turcas, italianas, japonesas, russas e etc… A língua inglesa já não é o referencial.

As plataformas especializadas em música estão abarrotadas de novos artistas, gente saindo pelo ladrão. Como se faz para ser, minimamente, relevante e alavancar algum sucesso, nos dias de hoje?

GC: Não fazemos a menor ideia!!! [risos e mais risos]

Pessoalmente já me disseram que o som de vocês é rock genericão. Quais estigmas pré-conceituais uma banda como vocês sofrem do mercado?

CA: Que mercado? [risos, risos, risos e muito mais risos]

Para quem ouve Desassossego fica óbvio o salseiro de influências da banda: tem punk, rock garagem, rockabilly, musica italiana e até jovem guarda. O que mais tem nessa caixa de Pandora? Turba é sem preconceitos?

GC: Só pós-conceitos. Bailamos tango, rumba e cha-cha-cha.

Projetos paralelos, quem na banda tem?

GC: O Greco esta gravando um disco de macumba eletrônica, mas só para o ano que vem. O Ciro esta gravando um disco solo, Ciro Madd, ainda inacabado. E eu tenho um projeto de músicas latinas revolucionárias pra rua.

Recentemente vi uns cartazes de shows da Turba bem tosqueiras, meio punks e psicodélicos. Quem é o autor desses desenhos?

G: São meus. Desenho desde guri. Muito fiz fanzines na adolescência e gosto muito de fazer cartazes, tipo um Toulousse-Lautrec podrera.

Vem turnê por aí?

G: Acabamos de voltar de uma turnê de lançamento do disco que passou pelo Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e terminou em 11 de setembro no Rio de Janeiro. Estamos tentando desbravar o Norte e Nordeste na próxima empreitada. E estamos arquitetando para meados de 2016 uma European Tour.

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14/09/2015

Gaúcho, de Porto Alegre, vivendo a 15 anos no Rio de Janeiro. Colaborador da Vice Brasil e autor lusófono do portal de mídia cidadã Global Voices.

Fabiano Post