#NoizeMorrostock | Mergulhamos nos portais abertos por Ava Rocha

08/12/2016

Powered by WP Bannerize

Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: Ariel Fagundes

08/12/2016

Por Leonardo Baldessarelli e Ariel Fagundes

A noite já havia tomado conta do sábado quando Ava Rocha chegou à área do camarim armado ao lado do Palco Pachamama do Morrostock. O título do palco principal do festival referenciava à deusa inca que representa a dimensão provedora do planeta Terra, essa Grande Mãe que nutre a humanidade, e o nome não poderia ser mais apropriado para acolher o show dessa cantora.

*

Como nos contou pouco antes de se apresentar no evento, Ava é uma artista que se coloca como um portal poético e musical perante à plateia. Sua performance feita de invenção e reinvenção constante tem um caráter ritualístico e, para ela, a prioridade é se manter aberta para as trocas que são possibilitadas por sua arte. Conversamos com ela sobre o que significa a experiência de tocar, mas também sobre o disco que ela gravou na Colômbia com seu marido Negro Leo e a banda local Los Toscos. Esse álbum deve sair no início do ano que vem, antes do sucessor de Ava Patrya Yndia Yracema (2015), que ela disse que está louca pra gravar. Confira abaixo nosso papo na íntegra.

Estando no Morrostock e vendo que muitos festivais estão surgindo, outros estão crescendo, como você vê o crescimento da cena independente no Brasil?
É importante que esses festivais aconteçam. A cena independente já tem uma força, e ela gera um público interessado. E também acho que essa é a galera que tá fazendo as ocupações, que tá resistindo. Então, acho que é importante, acho que tem uma confluência de energia que é importante. São espaços físicos de encontros, de travessias, que chegam até aqui, nesse lugar especial. Acho que isso é graças à força da cena independente da música, e das pessoas que estão construindo esse momento junto com a música, que estão possibilitando que essa música exista. São essas duas forças juntas possibilitando esses festivais que geram encontros.

Além desse desejo de sobrevivência e integração, você vê uma força política que ajuda isso a crescer?
Acho que o público, as pessoas que frequentam, pelo menos aqui no Morrostock o que eu vejo é isso, são na maioria jovens, com ideias novas, com perspectivas novas. Tá todo mundo nesse movimento de libertar o preconceito, de pensar um Brasil novo, diferente. Acho que é a mesma galera, entendeu? E a música tá nisso também. Porque a galera da música também tá construindo esse espaço político, tá se posicionando, também tá chegando junto. É que é uma coisa que é além da música, é uma questão de vida, da sociedade.

Pensando nesse momento de caos político que andamos vivendo no país, você começou a turnê do Ava Patrya Yndia Yracema quando isso estava começando a rolar e segue tocando ele até hoje. Você observou mudanças na postura do público quanto ao posicionamento político nos shows? De que forma você acha que os artistas estão se relacionando com isso?
Ah, eu acho que o Brasil ficou muito quente e isso reverberou nos shows. Isso reverberou em mim também. Porque eu também tô quente. É isso, [os shows] são espaços onde há essa energia, onde as manifestações surgem, onde as pessoas estão juntas, aglomeradas, e usando esses espaços como espaços de manifestação. Isso atinge tanto as pessoas que vão aos shows, o público, quanto o artista, no meu caso. Eu fiz muitos shows que eu considerava manifestações mesmo. E também em ocupações, toquei, por exemplo, na Ocupa Funarte, e eu fiz do palco uma ocupação. Vieram tocar músicos comigo que nunca tinham tocado, eu convidei vários cantores, o público subiu, a galera fez o show junto comigo. Foram vivências e experiências, nas ocupações escolares, por exemplo, em que eu tive a experiência de inventar e reinventar o show o tempo inteiro para estar ali no ato de cantar. No Canecão eu cantei a capella, fui lá e cantei “Você Não Vai Passar”, cantei várias tudo a capella porque… enfim, fui carregar o canto como uma arma, né? Fiquei vivenciando tudo isso e pra mim foi incrível. Porque você entende muitas coisas da dinâmica do seu devir político dentro do devir artístico e como que essas coisas vão se misturando e como se transformam em instrumentos, armas, componentes pra você tomar voz, pra você poder participar de um jeito que é seu. Isso aconteceu de uma forma coletiva, contagiante, em muitos lugares, com muita gente. Apesar de tudo, de a gente estar nesse momento com tudo que está acontecendo, houve por um lado uma união, um grande encontro entre as pessoas, entre as ideias. Eu acredito que houve, também, isso.

Faz quase dois anos que seu disco saiu. As músicas e as performances mudaram bastante em relação ao que foi gravado durante esse tempo? Houve mutações nas composições no palco
Eu acho que uma coisa é a força das canções e a força de essência, da matéria prima. O disco é como um filme, algo que tá plasmado, que tá eternizado. O ao vivo opera outros tipos de coisas, inclusive em mim, em quem tá ali interpretando aquilo, nos músicos que estão tocando. O show tem uma formação, tem um som mais experimental, as canções têm outra cara, mas elas vivem sofrendo mil mutações. Quando eu faço um show só eu de voz e guitarra, como eu fiz na Colômbia, sou eu tocando, aí elas já ganham um caráter quase primitivo, de como elas são feitas, de uma simplicidade enorme. Eu vou transformando, eu dou esse liberdade pra música, para as canções existirem de forma independente. Como um corpo nu que existe independente das roupas que usa. Você pode vestir as roupas que quiser. As canções têm essa natureza, de um corpo vivo. E, pra gente que tá incorporando esse corpo, é maravilhoso poder estar interpretando e reinterpretando as mesmas músicas de formas diferentes, experimentando coisas a partir delas. Ao invés de só ficar reproduzindo uma coisa que já foi feita.

No Brasil, muito pelo trabalho da Juçara Marçal, do Kiko Dinucci, dessa galera, parece que está havendo uma ligação entre o noise, o drone, com as músicas de terreiro, com os pontos cantados e os sons das religiões de matriz africana de um modo geral. Como você vê a ligação entre esses estilos modernos e um som mais ritualístico?
Difícil, né? Difícil essa pergunta. É que, assim, não tem só isso, né? Digo, tem muitas tendências na música experimental e tem esse ponto de união que você falou. Existem muitas formas de conexão. Existem pessoas que estão trabalhando dentro da música esses caminhos. Acho que a música já tem uma dimensão religiosa, da coisa ritualística, do louvor. No cantar tem isso. Toda música termina criando esses espaços. Então, o que eu sinto é que tem pessoas que estão trabalhando dentro desse viés, pensando o palco como um terreiro mesmo e pensando em como processar essas energias que acontecem. Os momentos de improvisação são muito importantes e muito fortes pra isso. Quem faz e quem pratica isso, que é o meu caso com os meninos, que é o do Metá Metá, que é o do Negro Leo, sinto que caminha muito pra isso. Não sei se eu tô conseguindo responder a pergunta porque é uma pergunta complexa, mas, por exemplo, pra mim a questão do experimental, ou do noise, é justamente que eu tenho essa relação, digamos, na vida, com as coisas. Meu cinema é experimental, minha música sempre foi nesse sentido, do caminho da invenção. Então existe uma espécie de memória esquecida que você só recupera no ato da invenção. Você se coloca muitas vezes como um portal criando esses terreiros inventivos, criando esses espaços. Porque tá tudo aqui. Tudo na verdade é invenção, uma religião, uma… Tem essa ligação da linguagem com que você trabalha, é quase um terreiro de poesia, uma coisa que você tá inventando e reinventando. É que, no meu caso, fico pensando no que eu faço pra conseguir responder essa pergunta, a gente tá nesse momento muito inventivo. E essa tensão é importante, com as tradições, com os ritmos arraigados do Brasil. Como transitar dentro de tudo isso, na verdade, com muita liberdade.

Porque a música, muitas vezes, leva a estados alterados de consciência. Você sente isso na plateia dos seus shows?
Não sei, né? Eu não tenho pretensão de dizer que eu consigo criar uma coisa assim. Mas eu entro totalmente aberta pra ser incrível. Eu entro com uma energia muito positiva, eu entro conectada. Tipo assim, “eu quero me conectar e eu tô conectada”, e acho que isso passa. Acho que tem uma energia legal no show, que conecta, uma coisa bacana. Eu sinto que eu me concentro pra fazer a minha parte nesse sentido. Pra mim, é um momento importante de estar com os outros e estar comigo também. Por isso que eu falo desses portais, é um momento que se tornou cada vez mais um lugar de encontro comigo mesma e com os outros. Um momento de um desafio enorme. Sei lá, eu me sinto de muitas formas, pra mim isso é legal. E a minha performance começou de uma forma muito espontânea e eu fui descobrindo um monte de coisas durante a quantidade de shows que eu fui fazendo. Até um ponto em que eu já tinha um arsenal de coisas imensas, lindas, que eu tinha descoberto na performance. Chega um momento em que você começa a desconstruir isso. Sinto que eu tô nesse momento agora. Porque, em maio, vai fazer dois anos do show e do disco. Enfim gente, são tudo delírios (risos). Tô aqui falando pra caralho!

E, dando continuidade a esse processo, como você está em relação a discos novos, shows novos?
Eu tô louca pra entrar em estúdio porque eu já tenho as canções, ou grande parte delas. Porque, assim, eu tenho as canções, mas, até o momento de estar gravando, outras podem vir. Tô nesse momento porque nesse tempo todo eu venho compondo, experimentando, pensando outras coisas, experimentando outras coisas, observando outras coisas. Tô louca pra entrar em estúdio. Acabei de fazer um disco na Colômbia com o Negro Leo e o Los Toscos, que é uma banda de lá. Eles nos convidaram pra fazer uma residência artística cujo objetivo era gravar um disco. Eu sou metade colombiana, morei em Bogotá muito tempo, então foi uma experiência, além de tudo, muito afetiva. E incrível porque fomos encontrar a cena musical de Bogotá e da Colômbia, que é incrível, tem bandas como Meridian Brothers. Foi maravilhoso, lá eu compus várias músicas em espanhol, que vão estar nesse disco, o Leo também.

Tem previsão de quando sai esse disco da Colômbia?
A gente está nas finalizações, eu quero lançar logo, no começo do ano que vem. Não é pra demorar, não. Acho que está bem legal esse disco. Eu comecei a compor em espanhol, que também é a minha língua. Eu já tinha composto algumas coisas em espanhol, na verdade, mas foi um mergulho bem legal. E a cena colombiana é incrível, a música que eles tão fazendo é incrível.

É interessante essa conversa que você e o Negro Leo tem, de ele ter contribuído em composições tuas do Ava Patrya… e você ter contribuído no Água Batizada. Nesse disco novo que você pretende gravar, as composições serão todas suas ou seguirá esse fluxo?
Não, com certeza vão ter músicas do Leo. Eu tenho algumas escolhidas, mas eu não quero falar muito porque, assim, como tá em processo às vezes sai uma e entra outra. Mas assim, tem algumas parcerias, eu quero agregar! As pessoas têm muitas canções boas, a questão toda é que tem muita gente boa, muitas músicas boas, muitas parcerias, muitas possibilidades. A galera é muito boa e tem muitas coisas muito legais. Nesse momento em que eu tô do disco eu preciso definir as melhores canções pra esse projeto, pra sonoridade que eu quero. Eu posso dizer é que tem várias canções minhas, algumas do Leo, e tem também de outros compositores. Aquela cheia de segredos! (Risos) E cara, esse negócio de disco também já tá muito chato. Eu quero gravar várias músicas, uma atrás da outra.

O disco enquanto formato de obra?
Não, eu adoro o disco. Mas eu digo assim, “vou fazer um disco”, fica às vezes uma coisa… ah, quais são as músicas? Como se fosse uma sentença de morte não gravar alguma música, quando você pode estar gravando muitas músicas. Eu gosto disso.

Tags:, , , , ,

08/12/2016

Revista NOIZE

Revista NOIZE