O instrumental popular do Bixiga 70

15/10/2013

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

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15/10/2013

A música instrumental deixou há tempos de ser um estilo de elite. No Brasil, diversas bandas estão aparecendo com o objetivo de tornar a música instrumental um estilo popular, que todos possam ouvir, dançar e se divertir.

O Bixiga 70 é uma banda paulista que tem um importante papel nesse novo modo de encarar a música instrumental brasileira. O som que sai dos instrumentos dos dez integrantes do grupo tem raízes bem brasileiras, africanas e latinas. O primeiro registro foi em 2011 com o disco homônimo, eleito um dos melhores discos de 2011 por algumas publicações como o jornal O Globo.

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Em setembro de 2013, eles lançaram o segundo disco, também homônimo, que recebeu boas críticas de diversos portais especializados em música. E não é por menos: não tem como ficar parado com o Bixiga 70. O som é envolvente, bem trabalhado e está ainda melhor nesse último disco. Nós conversamos com o trompetista Daniel Gralha, que nos contou sobre a pesquisa por trás das músicas e sobre o novo álbum da banda que toca no palco do Coquetel Molotov nesse sábado, dia 19 de outubro, em Recife.

Como é o processo de composição do Bixiga 70 que mistura as referências dos dez integrantes?

Geralmente, alguém chega com uma ideia e a gente acaba desenvolvendo outros arranjos e a parte B da música. Às vezes, a ideia que se leva é muito embrionária mesmo, muito crua. Tem outras ideias que acabam surgindo. Essas, por enquanto em menor número, são ideias que surgem a partir do momento que todos estão tocando juntos. Temos poucas coisas compostas dessa forma, talvez umas três. Mas via de regra, alguém leva uma idea, a maioria das vezes bastante embrionária, outras vezes mais completa, e a gente então vai descobrindo o som e subvertendo ele, achando outras saídas até que a gente acaba chegando em um resultado final que a gente se dê por satisfeitos.

Existe uma dificuldade maior em compor uma música instrumental, sem ter uma letra pra acompanhar?

Talvez seja um desafio a mais, por que a gente sempre tem que estar girando o argumento e gerando substância por nós mesmos, por não ter uma letra ali fazendo esse papel, fazendo essa ponte com o ouvinte. Sem dúvida é um desafio, mas eu acho que a gente tá há algum tempo trabalhando de maneira exaustiva no nosso estúdio Traquitana, ensaiando seis, oito horas por dia, às vezes quatro dias seguidos na mesma semana. Tá rolando um intensivo muito grande, a gente tá em uma dinâmica de trabalho muito intensa. Então, quando você faz uma coisa com uma certa constância, você passa a ganhar o ritmo da coisa e acaba achando atalhos pra alcançar a saída e ter um resultado satisfatório.

O Bixiga 70 é uma banda relativamente nova, mas todos os integrantes tem mais de dez anos de estrada na música. Isso torna mais fácil o trabalho de vocês?

Os pontos são todos positivos. Uma que todo mundo acaba tendo um background muito grande de muita coisa que sabe que não vai dar certo (risos). Então, você já acaba eliminando um monte de coisas que você já sabe que não vão dar certo. Muito menos em termos sonoros do que em termos humanos e profissionais. É muito interessante essa banda, porque é uma banda que eu tenho certeza que é a mais madura que todos os 10 já trabalharam. A banda já começou com todos tendo mais de dez, quinze anos de estrada na cena paulista. Boa parte dos integrantes já são pais de família, então a relação com a música e com o “ser profissional” acaba tendo uma outra conotação. As coisas acabam sendo mais sólidas, por um ponto de vista. Em termos sonoros, também tem pontos positivos, porque todo mundo tem um certo amadurecimento em relação à sua própria linguagem. Mas o som da banda a gente tá construindo pouco a pouco, a gente tá descobrindo. O que acontece também nesses anos de estrada dos integrantes é que a gente acabou coletando muitos contatos profissionais e conquistando meia dúzia de fãs cada um, que no fim das contas acabam somando nessa empatia direta que a gente tem com o público desde o primeiro show. Isso é fundamental na construção da nossa linguagem, a gente é completamente fruto dessa troca que é bastante intensa e que eu diria que é o grande trunfo do show do Bixiga. Porque músicos bons pela cidade e bandas com um projeto interessante tem bastante e de melhor qualidade do que o Bixiga, mas o Bixiga tem alguma coisa que racionalmente a gente não consegue colocar em palavras mas que tem acontecido e eu desconfio que seja fruto dessa empatia direta que a gente foi conquistando desde o primeiro show.

É comum em uma banda instrumental ter releituras de músicas com letra, mas o Bixiga 70 tem mais músicas autorais do que covers. Por que é interessante trabalhar em músicas próprias?

O interessante de você iniciar uma música do zero e poder arranjar essa música do zero, é que você tem uma liberdade maior de pesquisa, uma liberdade maior de intervenção. De alguma forma você tem mais campo pra que todos possam colocar a sua impressão, a sua colaboração, porque de alguma forma você não tá preso a nenhum conceito pré-instituído, porque você não tem nenhuma bagagem interna daquela música. Em uma releitura de uma música, você acaba tendo um resquício do contato verbal que ecoa dentro de você daquela composição. Quando você começa do zero uma composição, por mais que tenha tido uma letra ou não, por ser uma composição sua você acaba tendo uma independência maior.

entrevista bixiga 702

Onde vocês buscam a influência da música negra que existe no som da banda?

Eu desconfio que dos dez não tenha um que não venha de uma escola de música negra. Por mais que seja o reggae, o soul, o jazz ou a música de terreiro, acho que todos tem no começo do seu percurso musical uma pesquisa cotidiana de música negra. Anterior a isso, por todos sermos brasileiros, todos os dez são apreciadores da música negra. Seja ouvindo Chico Buarque, Tom Jobim, Paralamas do Sucesso ou coisas assim. Tudo é basicamente música negra. No Brasil, sempre se fez e sempre se faz música negra. A não ser que a pessoa teve uma escola erudita e a pesquisa dela foi Villa-Lobos, aí você pode dizer que a pesquisa da pessoa não é diretamente negra. Mas todos nós temos uma pesquisa totalmente negra, como ouvintes e como músicos. Eu pesquiso música negra e africana desde o final dos anos 90 e alguns integrantes já tiveram uma frequência bastante intensa nessa história de candomblé. O próprio Décio [bateria] e o Rômulo [percussão] acompanharam uma cantora africana que é radicada aqui em São Paulo faz um tempo e eu sei que esse tempo que eles ficaram com ela foi fundamental na formatação deles enquanto músicos. Isso tem um reflexo direto na nossa música.

O primeiro disco de vocês recebeu ótimas críticas de portais especializados em música e publicações do Brasil inteiro. Houve uma pressão pra manter e até melhorar a qualidade das músicas no segundo álbum?

A pressão existe, é fato. Quando a gente gravou o primeiro disco, em abril de 2011, a gente tinha dez meses de banda e seis meses após o nosso primeiro shows, então a gente estava verde ainda, pesquisando, engatinhando, tateando no escuro. Seis meses depois do lançamento do primeiro disco, a gente percebeu que estava tocando bem melhor do que no primeiro disco. Então a melhora já era um fato. Agora, a preocupação do que a gente precisaria melhorar, o teor dos temas, o teor melódico, a qualidade dos arranjos, a diversidade rítmica, a sonoridade geral do disco, o conceito geral do disco, os efeitos, as timbragens… isso rolou uma preocupação, sim. Rolou um investimento financeiro pra isso acontecesse. Integrantes comprando instrumentos melhores, a gente investindo em equipamento de gravação pra que saísse uma qualidade melhor de cara, pra que já começássemos um degrau acima. Então rolou uma preocupação, rolou um investimento, rolou um esforço lascado em diversas instâncias.

Vocês fizeram turnês não só pelo Brasil, mas também pela Europa. Há uma diferença na receptividade da música instrumental de vocês aqui e lá fora?

Em outubro de 2012, a gente foi pra Holanda e Bélgica. A receptividade foi maravilhosa, total eu diria. Foi uma entrega e uma doação total da parte deles, foi lindo de ver. Agora em julho de 2013, a gente voltou pra Europa, fizemos seis shows em cinco países: tocamos em Malmö, na Suécia; em Roskilde, na Dinamarca; em Rudolstadt, na Alemanha; descemos pra Holanda, e lá fizemos Amsterdã novamente e Nimegue; descemos pra França e tocamos em Nantes no dia 14 de julho, que é o dia da Queda da Bastilha deles, um feriado nacional, foi o único show do evento e terminado nosso show apagaram as luzes da cidade e rolou uma chuva de fogos de artifício, foi sensacional a noite, foi uma noite inesquecível, a última da turnê. Em todos os lugares da Europa, a receptividade foi total. Eu não posso dizer que é melhor ou pior do que no Brasil. É diferente do Brasil. Mesmo no Brasil, é diferente em cada canto que a gente vá. Em São Paulo a gente tem uma troca fabulosa com o público, a gente tem um carinho imenso pelo público paulista, nós somos fruto dele. As duas vezes que a gente foi tocar em Recife, foram fundamentais na nossa descoberta enquanto show, enquanto postura de palco. Fora do Brasil, é engraçado o choque cultural sonoro, porque eles não estão acostumados a ouvir nada nem parecido com isso. Então o entusiasmo se deve um pouco a isso. Mas eu não posso dizer que um é melhor que o outro.

(Fotos: Nicole Heiniger)

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15/10/2013

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