Bratislava e seu clamor barulhento por silêncio

05/10/2015

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Nicolas Henriques

Por: Nicolas Henriques

Fotos: Victor Petreche e Divulgação

05/10/2015

Bratislava é uma banda de rock. É mesmo? Como definir, de fato, o gênero em que ela se encontra, visto que hoje o rock é algo muito difuso e difícil de ser categorizado?

“É difícil pra gente. Acho que somos uma banda de rock alternativo. Já colocamos como experimental, mas deve ter uns caras que curtem demais Godspeed You! Black Emperor pra falar ‘que experimental o quê’. Mas falar alternativo às vezes nos coloca com outras bandas que não nos identificamos”, diz Victor Meira, vocalista, tecladista e um dos fundadores da banda, junto com seu irmão, o guitarrista Alexandre Meira. Além dos irmãos Meira, a banda conta com o baixista Sandro Cobeleanschi e o baterista Lucas Felipe Franco.

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Em entrevista exclusiva concedida à NOIZE, a banda falou sobre o seu mais recente trabalho, o álbum Um Pouco Mais de Silêncio, lançado hoje em diversas plataformas, com um pequeno detalhe: nenhum formato físico. Além disso, falamos sobre influências pessoais, fazer música no Brasil e bandas com quem o Bratislava gostaria de tocar.

Sobre o lançamento do álbum sem um formato físico, Victor conta o processo de abolir o lançamento em CD. “Quando a gente queria lançar o nosso álbum, o Sandro já tinha uma ideia na cabeça. CD? Pra quê CD? Ninguém mais escuta CD. Galera compra CD porque é brother, vai no show. Mas ele vai escutar mesmo no Youtube, no Spotify, baixar. Aquela mídia não presta mais pra nada, ele falava. A gente pode lançar um vinil e um cartão com um código para fazer download. O vinil você compra pela arte. Pela magia. É algo físico, muito legal. Com essa ideia do vinil, fomos progredindo o que queríamos fazer. Até uma semana antes de lançar o projeto pelo Catarse, a ideia era fazer no vinil. Mas, depois de falar com uma das gestoras do site, vimos que a saída de vinil era muito difícil, cara demais. Pensei que eu mesmo não tenho vitrola e tenho quatro vinis de bandas que gosto muito, mas vou tocar lá na casa do Sandro.”

A opção adotada pela banda foi lançar um zine interativo, com códigos que levam os leitores a sites, clipes e ouvir o álbum em plataformas digitais. “A ideia do zine é legal porque você não precisa de um aparelho para tocar, você não precisa de nada. Ele é um fim em si mesmo. Então a gente quer entregar o que é interessante num produto físico. E isso é o encarte, a arte, aquilo que você pode ler e tocar. Por isso o zine. O encarte de um vinil e um CD é uma arte em si, pode ser ele próprio um livro.”

(Enquanto a entrevista fluía, ouvíamos um pouco do álbum Um Pouco Mais de Silêncio. É um grande álbum. Não tem como não se atentar para a riqueza sonora, com diversas camadas de sintetizadores, baterias e teclados. Sinto que pode configurar entre os grandes do ano de algumas listas aí, muito embora listas sirvam mais para um crítico se sentir curador – confesso, eu mesmo faço isso com tal intenção meio ditatorial – do que para qualificar a banda. Óbvio que é bom para a banda, mas acho estranho sempre ficarmos criando distinções baseadas nos nossos gostos pessoais. Ok, vou parar com a digressão e continuar a entrevista.)

Ao ouvir a primeira música, “Intro”, rápida como um trem-bala, nota-se várias vozes interpostas, dando sinal de algo que não se notava com tanta presença em trabalhos anteriores da banda. “A nossa educação musical vem da igreja. A gente cantava em coral desde moleque.” Diz Victor, no que Alexandre prontamente completa, como um jogral familiar ensaiado, mostrando que a multiplicidade de vozes era algo latente e necessário a banda. “E a gente brisava sempre nessa divisão de vozes. Meu pai tinha um quarteto de vozes, já foi segundo tenor e barítono, ele nos ensinou a fazer divisão de vozes. Ele nos ensinava a procurar vozes em músicas. A gente tem que se segurar para não colocar milhões de vozes, porque é o que a gente mais gosta de fazer. Na intro do disco é a primeira vez que fazemos. Hoje a gente tem um terceiro vocalista, que é o Lucas. A ideia é fazer cada vez mais.”

Sobre algumas das músicas, a banda fala sobre o processo de amadurecimento de letras e arranjos de tempos passados, que apenas agora estiveram prontas para serem lançadas. “Temos músicas, como “Ingestão” e “Deze7 relâmpagos”, que são de 2011, mas amadurecemos o som e mudamos muito ela com o tempo. A presença do Sandro e do Lucas, com suas referências e universos, foi muito importante para as canções ganharem corpo.” De fato, as duas canções, com letras mais nostálgicas e saudosas, carregam em si certo diálogo entre passado e futuro.

As próprias letras do Bratislava são um caso a parte. Victor Meira também se envereda pela poesia, tendo um livro já publicado, Bemóis. O surrealismo onírico de faixas como “Vermelho”, ou o registro imagético e simples do cotidiano por um olhar tangencial, como no caso de “Ruídos”, é sempre digno de parar para prestar atenção.

Voltando a entrevista noto, nas frases e jeito de tentar posicionar a banda sem um posicionamento claro, de não saber se é pop, experimental, alternativo, rock, com todas as divisões de vozes, composições misturadas e camadas musicais, algo de TV On The Radio. No entanto, as influências pessoais dos músicos transitam entre o jazz, o R&B e músicas experimentais. “Hiatus Kayote é algo que ainda não consegui superar. É uma assombração em minha vida. Eles fazem arranjos mais pesados e de rock dentro do R&B. Quando trouxe a influência do som deles para o nosso álbum, o Lucas pirou, porque é o que ele gosta de ouvir. Pra mim foi muito importante também”, diz Victor.

Em certo momento da conversa, entre uma cerveja e outra, quando os laços formais de qualquer entrevista começam a se afrouxar, quis entender melhor como é o processo de fazer música independente hoje em dia, desnudar um pouco a dificuldade de fazer e ganhar uma grana. “Nossa experiência é como a da maioria das outras bandas, que a gente trampa com outras coisas e faz música nas brechas. Tem bandas que conseguem viver disso, que batem no peito e falam vou viver disso, caso do Mel Azul, do Ventre. Essa galera, porra, a gente inveja loucamente porque eles realmente conseguem viver de música o tempo inteiro, aprendendo pra caralho com isso. Mas com a gente não. Eu sou designer, o Xande é advogado; Lucas, economista.” Diz Victor, que já completa de sopetão. “E o mercado aqui ainda é frágil. Tem o hype de bandas que estouram, conseguem um preço legal por show, mas por um ano, no máximo. Depois de dois anos, mesmo com a banda fazendo sucesso, tendo uma base fiel de fãs, seu preço vai ter caído pela metade, um quarto, sei lá. Nós, bandas independentes, estamos começando a participar de um movimento que é para abrir espaço na cotovelada. E tem gente que está sendo inteligentíssima, como os caras da Balaclava, que estão arranjando jeitos de fazer com que a coisa seja interessante. Cem por cento de respeito pela galera deles.”

Ouço “Yorick”, uma canção sobre depressão e a maneira escura de como o demônio do meio-dia pode se portar, linda em rasgar a crueza de um dos sintomas mais atuais de nossa cultura, e percebo, como contraponto, o otimismo da banda. Contraste bonito. “E tem casos como a Lupe de Lupe. Eles fazem muitos shows, e o modus operandi deles é muito maluco. Eles fizeram agora uma turnê nacional, Sem sair na Rolling Stone era o nome, e todas as entrevistas, tudo que eles fizeram foi no peito. Saíram tocando no Brasil inteiro, perguntando pros fãs onde era uma boa casa de show nas cidades que eles queriam tocar e, com a resposta dos fãs, pressionavam o estabelecimento para fazer um show lá. Eles inventaram um jeito que nenhuma banda faz. Tudo na marra, tocando por pouca grana, mas, enfim, foi pé no chão, e realizaram uma história absurda de legal, de tocarem no Brasil inteiro.”

E com quem o Bratislava gostaria de tocar junto? “Gostaria de fazer um show com Quarto Negro e Terno Rei. Mas aí o nome do festival seria, provavelmente, Fluoxetina Fest [diz, caindo na gargalhada, Victor]. No Rio tem a banda Ventre, em Curitiba tem o Lemoskine. Tem muita gente boa aí que eu adoraria tocar junto. Dia 14/10 mesmo nós vamos tocar com o Supercolisor, banda manauara bem legal, lá no Sensorial Discos.”

Ouço o leve som psicodélico abrindo “Dialua”, música mais calma, com um teclado entrando para nos chamar sobre as epifanias que temos em pequenos momentos da vida. Certa solitude necessária a todos os humanos, e entendo que é encarando certos momentos sós que entendemos nossa identidade também, assim como a banda, quando se refere ao próprio amadurecimento entre álbuns. “A identidade antes [a banda lançara, em 2011, o EP Longe do Sono, e, em 2012, o álbum Carne] era ser multifacetada. Agora a gente entende que é legal ter algo mais firme e fechado. […] Afinal, o que é dar certo? Bombar por um ano e tocar no Lollapalooza? Ou ter uma base de fãs pequenos e tocar a vida inteira, sem nunca explodir de fato para o mainstream? Não sei. Acho que é saudável ficar sempre insatisfeito e achar que podemos crescer e melhorar. Ver o Boogarins fazendo turnê na Europa é muito legal. Viajar tocando e fazendo seu som, independente do retorno financeiro, mas conseguindo viver da música apenas é o nosso alvo.”

Quando perguntados sobre os próximos passos da banda, percebi um caminho mais definido e bem traçado, com ambições claras. “A gente tem alvos. Temos lugares que não tocamos e queremos tocar. Com o Carne a gente não conseguiu formar uma base de fãs, um grupo que curta o som e esteja nos acompanhando sempre. Queremos fazer isso com Um Pouco Mais de Silêncio. E também queremos firmar nosso conceito de maneira mais forte, o que era um pouco disperso em Carne.”

Ouvindo as doze músicas que compõe o som (tiro aqui o rock, com certa licença poética e prepotência) experimentalmente alternativo do Bratislava, com evoluções nítidas em cima do trabalho anterior, sinto que não serão tarefas difíceis para a banda. Um Pouco Mais de Silêncio é um álbum bem amarrado, com letras introspectivas e som explosivo, criando um contraste interessante que nos faz querer ouvi-lo várias vezes, cada hora com um ouvido, buscando sempre encontrar pontos ressonantes em nossas próprias vidas. Esse diálogo entre barulho e silêncio, opostos, yin e yang, mostram certa dualidade inerente a todo processo de amadurecimento e reconhecimento de si mesmo. Bratislava agora já sabe quem é. E vem aí com tudo.

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05/10/2015

Sou pesquisador e escrevo resenhas de shows pagando de crítico musical porque gosto muito de música e minha verdadeira intenção era ser multi-instrumentista ou vocalista de alguma banda. O problema é que falta habilidade para tocar até campainhas mais complexas e meu alcance vocálico lembra uma taquara rachada.
Nicolas Henriques

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