Entrevista | Castello Branco, seus sintomas e suas curas

16/03/2018

Powered by WP Bannerize

Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Reprodução

16/03/2018

A tranquilidade que as canções de Castello Branco trazem em seu segundo disco, Sintoma(2017), é resultado da fluidez e da candura com que o artista encara a música. O que é orgânico, o que é leve e o sentimento de “devir” são suas molas artísticas e permeiam seus processos criativos. Castello se conecta a sua pureza de criança para entregar o presente registro, um caminho marcado pela música eletrônica, pelos versos íntimos e pela busca de cura.

Bastante elogiado no ano passado, Sintoma agora está girando os palcos. No dia 17/3, Castello Branco toca em Crato (CE); 18/3, em Iguaçu (CE); 23/3, em Porto Alegre (RS) pela primeira vez; e 24/3, em Itajaí (SC). Em abril, começa sua turnê pela Europa, que já conta com dez shows marcados em Portugal, Espanha e Suíça.

*

Conversamos com o músico sobre a criação de Sintoma e os processos do caos, da leveza e da busca pela cura. Confira abaixo.

Como foi a construção do conceito do disco e a sua produção?
Então, eu vim para São Paulo há dois anos para produzir uma balada de música eletrônica chamada Kubik, que é uma balada itinerante da Alemanha. Aí eu comecei o meu contato com música eletrônica e a entender música eletrônica, entender as pessoas que produziam, entender o que é a música eletrônica de uma forma mais profunda do que sempre me chegava. Então, pode-se dizer que o Sintoma, musicalmente e sonoramente falando, começou a nascer aí. Porque foi um sintoma meu de choque com a música eletrônica e as suas as frequências porque, antes disso, eu já tinha feito um estudos de frequência no Serviço (2013), que tem várias músicas com 432 Hertz, que é uma frequência mais tranquila, das antigas músicas clássicas, enfim, uma viagem. Mas, eu já estava nesse experimento, que tem muito a ver com cura, terapia, com cura através da música, enfim, várias viagens dessas. Só que aonde isso estava me pegando mais forte? Era na música eletrônica, mas não essa música eletrônica mais agressivona, que a gente conhece das pistas. Isso ficou muito forte para mim, e aí eu pude começar a entender aonde que isso batia, o que era isso, profundamente, eu pude começar a construir o Sintoma.

O Sintoma é bem redondinho, as letras e as melodias jogam bastante junto. As letras surgiram antes das melodias ou ao contrário? Como foi essa dinâmica?
É, então, esse meu processo é uma alquimia. Às vezes vem a letra, eu sinto a necessidade e aí faço uma letra, depois vem a melodia, vem o canto. A questão que você sente, que você falou que é muito encaixadinho, isso é justamente o meu processo alquímico da coisa, é como depois que tudo me vem. Eu visualizo o plano e coloco as peças. Isso é um trabalho. Não é nem um serviço, é um trabalho mesmo. Depois que eu tenho as coisas, são como várias pecinhas do lego, eu vou e “tuf” “tuf”, encaixo todas elas certinhas ali, sabe? Às vezes eu tenho que dar uma tolhida, etc. Depois que você já visualizou o que você quer colocar, já sentiu o que você quer sentir, você encaixa.

Castello, você já disse em algumas entrevistas que Sintoma fala sobre uma espécie de cura. O disco aconteceu em meio a esse processo de dor, em busca de cura, ou são reflexões pós-cura? Cura do quê?
(Dá uma risada)Então, boa pergunta. Sim, ele fez parte de um processo. Eu cai em São Paulo, que é uma cidade que, muitos sabem, é muito forte, o caos. Mas que tem a sua leveza, que eu tô descobrindo, mas é muito caos, é muito forte. Eu realmente me curei, de fato eu me curei com a música eletrônica e as pessoas ficam abismadas. Mas é porque eu não tô falando da música eletrônica que geralmente as pessoas estão acostumadas a ouvir, que é uma música eletrônica de pista, e a referência que eu dei da Kubik, foi só para dizer que eu comecei a trabalhar com isso, não é que eu tenha aprendido essa música eletrônica na Kubik, porque a Kubik é uma festa clássica de techno, tem um pouco de house, tem todos os estilos. Eu entrei na música eletrônica, aí depois que eu fui entender o que era essa música eletrônica. Porque a música eletrônica sintetiza as ondas sonoras. Um instrumento que tem muito no Sintoma, que se chama sintetizador, que é um instrumento clássico da música eletrônica, ele já diz o nome, ele sintetiza o som. Eu comecei a enxergar a música eletrônica como poesia pura. A poesia, que a gente conhece, é a síntese da palavra. Quando você lê a poesia, você tá lendo a síntese de um sentimento, aquilo você chama de poesia. Quando você ouve uma síntese de som, o que é aquilo? Para mim, é música eletrônica, só que a gente não fala que é música eletrônica, porque música eletrônica, para a gente, é música de pista. Só que é isso muito pouco, muito raso, sabe? Eu fui entender que a música eletrônica era poesia do som. Como que é a poesia do som? Utilizando e entendendo o sintetizador de uma forma mais profunda, entendendo o que o sintetizador faz, isso foi me curando, porque eu tava num processo muito ansioso, um processo muito sufocante, ‘o que é isso?’, ‘ o que é o meu som?’, ‘quem eu sou aqui nessa cidade?’, aqueles processos dos 28, 29 anos em que você tem os seus surtos de existência. A música eletrônica veio batendo em mim, me acalmando, veio com essas frequências, e aí eu fui buscando várias referências. Fui entendendo que mantra é música eletrônica, porque eu, por exemplo, fui criado em um monastério, eu mantralizei em muitos anos da minha vida e eu não sabia que eu tava fazendo música eletrônica. Porque, quando você mantraliza, você emana uma frequência. Você emite uma frequência num nível x, onde todo mundo ali naquela roda, que tá fazendo com você, e claro, isso é um tipo de meditação, não são todas, mas uma bem eficaz, onde todos ali emitem uma mesma frequência, ficam vibrando numa mesma frequência e aquilo ali pega, aquilo ali te leva para algum lugar, é uma frequência x de cura, que fica ali tá-tá-tá-tá [pulsando], e aí você entra numa coisa e você tem a possibilidade de se tranquilizar, de se desprender de tudo e aí se transformar ou se reconstruir em alguns aspectos. A música eletrônica tem essas possibilidades. Por exemplo, se eu pego em um programa de música eletrônica e solto uma frequência, pelo sintetizador, que é exatamente aquela frequência que você tá emitindo no mantra, que é uma repetição sonora em uma frequência x, aquilo ali é cura, aquilo ali tá te curando, só que você pode, sim, se permitir aquilo ou você pode bloquear. E aí você tem outras questões. Mas a música eletrônica te dá essa possibilidade de fazer isso. Só que a gente pega isso, coloca na pista, bota um beat e dança. E funciona, para várias coisas. Aí já muito outra piração, já comecei a questionar porque é que funciona na dança, mas isso já é outra coisa, não tem nada a ver com o Sintoma.

Veja abaixo um trecho do show de lançamento de Sintoma:

O álbum transmite uma certa leveza e calmaria, algumas letras até remetem à natureza. Que temáticas que inspiram mais você?
Então, é essa mistura. O que me inspira é a mistura da roça e da cidade. A mistura me inspira muito porque eu fui criado no interior, então é o interior e o exterior. É a mistura dessas duas coisas bem claras que me inspiram. O que é, para mim, a cidade? Para mim, a cidade, agora, é a música eletrônica, por isso que eu entrei nessa pira do Sintoma, é o primeiro passo disso. Eu não sei para onde isso vai. O primeiro passo foi entender o que é a cidade para mim, o que é o som da cidade. Para mim é a música eletrônica. Mesmo que já tenha sido, mesmo que não tenha sido, mesmo que seja, não importa, porque tá rolando muita coisa de música eletrônica hoje em dia, cada vez mais, porque é um estilo musical inexplorável, as pessoas não sabem o que é isso. Quando você fala de música eletrônica, as pessoas acham que você tá falando de pista, que é só uma das utilizações da música eletrônica, assim como você pode utilizar música folclórica para a pista, você também pode usar jazz para a pista. Eu entendi que a mãe do meu exterior tá na música eletrônica, e a do interior, é a folclórica, que são os sons que você sente do folclórico. Eu tenho sangue nordestino também, por parte de mãe, então eu tenho muito essa coisa do folclore nordestino. Você identifica isso no meu som, por exemplo, ‘Coragem’[faixa do disco Sintoma], ela começa com sintetizador super eletrônico e depois um som nordestino folclórico. Foi isso que eu entendi que é a minha mistura, pretendo amadurecer cada vez mais esse lugar.

As composições são pessoais, bem íntimas. Depois de entregar tanto de si para o disco, como é expor ao público? Como isso afeta você?
[Silêncio e suspiro] Nesse ponto, eu costumo me doar 100% para isso porque eu acho que é um serviço. Eu realmente sinto que é um serviço. Então, eu não tenho nem tempo de me sentir invadido. Às vezes, quando esse sentimento vem, eu corto ele porque eu acho que seria falso eu sentir. Eu seria mimado, é prejudicial, não é evolutivo. Porque, o que eu faço, é puramente devir. É puramente um sentimento a respeito do que eu faço, do que eu canto. Você me perguntou dessas coisas pessoais que eu canto, às vezes que eu enxergo, é muito um sentimento de devir. Tem todo um sentimento de eu querer alguma coisa com aquilo, lógico, mas, ao mesmo tempo, essa porcentagem de que ‘eu quero ganhar alguma coisa com isso’, era ingênua, comparada com a outra, que é a do devir, que é a necessidade de fazer isso para quem permitir. Uma mensagem que costumo mandar muito para as pessoas que me agradecem, que me contam sobre coisas, até mesmo coisas pesadíssimas das vidas delas, eu digo que não é a música que salvou elas. Porque a música, ela não salva ninguém. Ninguém salva ninguém. O que salva é você permitir uma coisa acontecer e aquilo lhe servir. Então, você salva você. A partir do momento que a pessoa permite que aquilo sirva ela de alguma maneira e aquilo acaba servindo para ela, aquilo respeita ela. Porque a salvação tem muito a ver com respeito. A pessoa se sentir salvada, se sentir valorizada, amada, representada, é sentir que aquilo respeita ela. Então, quando uma pessoa me manda uma mensagem dessas, eu simplesmente digo isso a ela e digo que sou feliz, que eu me envaideço por poder servir ela. É o que eu posso fazer. São esses dois lados, tem vaidade, lógico que eu sinto vaidade, mas também é um sentimento de serviço, como diz o primeiro disco, é a minha forma de servir. Eu não tô falando sobre política, e infelizmente eu nem sei me expor tanto sobre política, mas a minha forma de servir é essa, dizendo essas coisas. Eu sei que a gente tá precisando muito de informação política, se intelectualizar melhor sobre essas coisas, sobre escolhas políticas, etc, mas não é muito a minha onda.

Abaixo, veja Castello Branco e Rubel dividindo o palco do projeto Som na Faixa no fim do ano passado:

A capa do disco traz uma criança e as letras trazem uma certa pureza. Você sente que resgatou sensações e memórias da sua criança interior? E como isso se relaciona com um amadurecimento artístico?
A síntese dessa capa é ‘o melhor homem é o menino’. E isso vem muito desse nosso período, que a gente tá passando, sobre o homem se dar conta do machismo que ele tem, que ele exerce o tempo todo, essa energia masculina tosca, escrota, que a gente faz parte. A gente, digo eu, como homem. E aí eu fui buscando aonde que eu quero chegar, como que eu conseguiria dar um nó nesse sentimento. Porque não tem como a gente curar isso. Uma música inclusive que eu fiz essa semana diz que é ‘eu sou filho do efeito’, ou seja, eu acho que a gente é filho do efeito, infelizmente tem coisas que a gente ‘tomou’ tanto, que a gente não percebe que a gente exerce, e aquilo fica, e leva tempo para você … não “desconstruir”, não existe “desconstruir”, tem que reconstruir. Que seria uma coisa de você fazer de novo, fazer novamente, não destruir o que você já tem porque não existe, não tem como. Então, esse lugar do menino foi aonde eu entendi que o homem talvez precise resgatar. Eu, como homem, branco, heterossexual, bissexual, enfim, aonde as pessoas quiserem me colocar, como eu poderia lançar alguma coisa sobre esse ponto, que tem a ver com o sintoma? Que tem a ver com as letras que eu falo? Então, é o menininho, cheguei nessa síntese: “o melhor homem é o menino”. Então, aquela foto é a única foto que eu tenho minha de quando era criança, com sete anos, e realmente é isso que você falou, de buscar um pouco a criança que o menino pode trazer e resgatar. Isso pode fazer a gente reconstruir de novo e um pouco melhor essa questão do homem.

Sintoma está entre os melhores discos do ano passado em diversas listas. Qual o peso que a avaliação de críticos musicais tem para você?
Eu não consigo te dar uma visão impessoal porque eu sinto com isso, eu tenho ego, então é difícil. É lógico que é gostoso, é bacana… mas eu não acho que faça uma diferença real. Quando eu digo real eu quero dizer não facebookiana, é a vida real, como ela é. Eu sinto que não faz tanta diferença, não faz mesmo, na verdade. Mas ainda é importante e interessante em uma carreira, as pessoas precisam ver isso, precisam ver que a coisa tá movimentando, então eu tenho que fazer parte disso e eu acabo ficando feliz por fazer parte disso. Agora, em momento nenhum, eu tô pensando nisso enquanto eu produzo algo, isso não acontece. Mas na hora de você soltar, sempre rola uma coisa de “nossa, será que isso vai ser aceito ou não?”, mas é diferente da questão: “Será que eu faço isso, ou não?”. É um pouco diferente, um pouco mais ingênuo. E eu perco com isso também, eu perco dinheiro, no caso, que é bem importante e necessário. Então, cada vez mais, eu fico pensando se eu devo me questionar antes, se eu devo fazer isso ou não, por questões de grana, né. Porque você tem todo um cenário do que tá acontecendo na música, do que tá rolando, quem são as pessoas que tão fazendo acontecer o rolê, etc. E aí é importante você levar em consideração. Mas isso tudo é porcentagem, tem as suas relevâncias, o que é mais relevante para você, o que é menos relevante. Enfim, fico feliz de rolar, mas não é uma coisa que modifica o meu trabalho.

Sintoma foi lançado quatro anos depois do teu primeiro disco, o Serviço. Como que você lidou com a pressão que geralmente os segundos discos carregam? O que mudou no seu som nesse intervalo entre os dois?
Então, eu tento, eu fiz o Serviço porque todas as minhas coisas, tem que ter uma honestidade, para com o meu momento. Porque, senão, eu não consigo. Ou eu tento sentir que tá no momento, e isso é um sentimento muito interno, não tem outras pessoas que te dão. É uma questão de processos, de amadurecimento. O Serviço veio num momento onde eu precisava resgatar tudo que eu vivi no monastério. Depois, “o que eu ia fazer?”, “O que tava acontecendo?” Nesse momento, eu fiz o Simpatia [livro, 2016], enquanto estava rolando isso, eu nunca parei de escrever, nunca parei de sintetizar sentimentos que eu chamo de simpatias, são várias simpatias do Castello, ou poesias, como a pessoa quiser chamar. Aí fez sentido fazer esse livro porque eu tinha essas simpatias e tudo chegou no momento de ter isso, sabe? E aí eu fiz. Não porque antes eu estava pensando que deveria fazer um livro em algum momento, não, eu fui fazendo e aí tinha um momento, veio o start e eu fiz. Aí, depois do livro, foi exatamente quando eu vim para cá, para São Paulo. E a música eletrônica bateu na minha portinha, na minha cabecinha e fez “opa, você tem um mundo de possibilidades aqui, que talvez as pessoas não estejam entendendo. E talvez você possa, de alguma forma, entender isso e misturar isso com o que você faz e com o que você é”. Aí que a coisa veio que nem uma onda e pensei: “agora eu preciso fazer um disco”. E aí foi o Sintoma. Foi esse sintoma tão latente que bateu.

Tags:, , , ,

16/03/2018

Brenda Vidal

Brenda Vidal