Entrevista | Chico César celebra o amor no show “Camaradas” ao lado de Bárbara Santos

02/05/2018

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: José de Holanda/Divulgação

02/05/2018

Libido e liberdade. Trânsito, transe, transa. O fluxo entre o que é aparentemente oposto, mas que é o mesmo, é celebrado com sensibilidade e afeto no novo espetáculo de Chico César, o show Camaradas, que apresenta ao lado de Bárbara Santos. Além de atriz e performer, Bárbara é companheira de Chico desde a época em que compôs seu álbum mais recente, Estado de Poesia (2016), e ele conta que ela foi a grande musa inspiradora das canções do disco.

Agora, Chico César tem o prazer de ir além das relações artista x musa ou namorado x namorada dividindo o palco em um grande show que mistura música e performance. Camaradas será apresentado em Porto Alegre no dia 3/5, como parte da programação do FestiPoa Literária.

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Confira abaixo a conversa gostosa que tivemos com Chico:

Como nasceu o projeto do show Camaradas?
Recebemos um convite do SESC de São Paulo para participar de uma mostra chamada Libertária, que aconteceu no carnaval desse ano. A mostra tinha esse caráter de transgressão, de discutir as singularidades, as sexualidades e Bárbara já fazia um estudo sobre os poemas do meu livro Versos Pornográficos (2015), que são anteriores à nossa relação. Achamos que seria uma boa oportunidade juntar esse estudo dela com as minhas canções que tem uma visão sobre o amor erótico. Assim nós montamos o Camaradas, eu cantando as canções e ela performando os poemas.

Como esses poemas são ressignificados agora que vocês estão os apresentando enquanto um casal?
Aí era melhor perguntar pra ela! (Risos) Eu sou mais espectador disso. Peraí que eu vou chamar ela!

Bárbara Santos: Quando o Chico lançou o Versos Pornográficos, pra mim, como companheira dele, foi uma coisa que não chegava próxima da nossa relação. Eu li de forma alheia a nós. Aí eu comecei a experimentar como artista mesmo, a falar essas poesias, principalmente as que tinham um lugar mais fálico. Como artista, achei interessante uma mulher falando isso agora. Fiz algumas experiências em alguns saraus e comecei a achar interessantes os ruídos artísticos delas e, sexualmente, o que isso causava. Fiz outra experiência coletando os versos que são para mulheres e aí experimentei como eu me sentia, como mulher, na forma artística, e companheira do Chico, falando essas coisas para outras mulheres que fizeram parte da vida dele e outras que são personagens ficcionais. Comecei a buscar não só nos Versos Pornográficos, mas na obra do Chico como um todo, as musas que inspiram ele. Comecei a ressignificar nesse sentido, não ser a emissora dessas poesias, mas ver o que isso causava em mim e nas pessoas. Foi daí que partiu essa pesquisa que deu nessa nossa parceria.

Inicialmente, você nem pensava em publicar o material do livro, e agora esse conteúdo foi pro palco. Como é esse processo de se expor tão intimamente para você?
O gesto mais radical de um artista é a intimidade, mas ele colocando essa intimidade não como algo egóico, narcisista, ele se colocando um indivíduo no mundo na coletividade. Acho que quando esses Versos viram livro, quando eles são indicados ao Prêmio Jabuti, e agora vão pro palco nessa exposição íntima de dois artistas que se atraíram no amor e na liberdade, eu acho que isso tem uma força. E eu sinto que essa força chega nas pessoas, estimula as pessoas, não é uma força que oprime, é uma força que provoca a potência em quem entra em contato com ela, é essa força do afeto.

A Bárbara já havia sido uma musa para você no Estado de Poesia, correto?
Correto, quase todas as músicas do Estado de Poesia são escritas pra ela, com exceção da própria “Estado de Poesia”, que é anterior e já havia sido gravada por Maria Bethânia e tem aquelas que obviamente não seriam pra ela, como “Reis do Agronegócio”, “No Sumaré”, que conta a história de dois caras, um casal homoafetivo que morava aqui perto de casa. Todas as outras canções foram escritas pra ela. Muitas vezes a gente tinha se encontrado, ela voltava pra casa dela, e eu mandava um email com a letra da música. No dia seguinte, eu já estava com a música gravada com voz e violão. É uma relação que tem esse atrito artístico e amoroso que é muito fértil, muito potente.

Como é a sua relação com uma musa e como você se sente agora, dividindo o palco com ela?
Essa situação da musa para uma parceria é algo muito benéfico pra mim, é uma evolução da própria relação. Isso continua, e de um modo muito mais profundo, sendo muito estimulante, pra mim, como criador, poder viver um novo patamar da relação de criatividade. Ali, com os dois trocando, não há mais o passivo, é a atividade de dois criadores.

No texto de apresentação do show Camaradas, você fala na poesia enquanto manifestação da libido.
Penso que a poesia está muito ligada à liberdade. E liberdade e libido são substantivos muito próximos. Acho que a liberdade é essencial pro exercício do prazer, da vontade, do desejo do indivíduo, e também dos desejos coletivos, das utopias coletivas. A libido é essa potência revolucionária. Quando, em outubro de 1917, na Rússia, uma multidão vai para as ruas e toma as estruturas arcaicas, isso é libido. Quando você reúne em torno de Antônio Conselheiro, em Canudos, várias pessoas que antes estavam submetidas a senhores de terras, isso é libido. É desejo de prazer, de gozo, às vezes de transcendência religiosa, que também está próxima disso, é também libido.

O corpo enquanto espaço simbólico de ressignificação de valores é um dos pontos que você tem abordado muito. Como a arte pode ajudar a dissolver medos e tabus que existem sobre essa coisa tão básica da vida que é o corpo?
No meu primeiro disco, Aos Vivos (1995), tem uma canção que se chama “Mulher Eu Sei”, que diz: “Já fui mulher, eu sei”. Esse trânsito, que é trânsito e é também transe e é também transa, existe na psique de toda pessoa. E, na arte, você é menino e pode fazer papel de um velho, é mulher e pode fazer papel de uma aranha, a arte é o espaço em que nós podemos ser o que quisermos. Nesse sentido, a arte e a sexualidade, que também é um local onde nós podemos ser o que nós quisermos, isso tudo vai junto. Tá muito próximo. Eu percebo que não é uma coisa de agora, no meu primeiro disco eu coloco essa questão do trânsito de um corpo masculino pra feminino e vice-versa. Isso é algo que acontece muito naturalmente na minha manifestação artística e encontrou eco de uma forma surpreendente no show, à medida em que recebemos esse convite do Camaradas.

No texto de apresentação do show, você também cita o conceito de “arteamor / amorarte”. Como você se sente enquanto vetor desse sentimento para o público?
Nós fomos buscar inspiração em Lennon e Yoko desde o momento em que nos encontramos e quisemos deixar isso mais claro nas fotos na cama, reverenciando e fazendo referência ao Bed In. Quando você junta um casal, isso pode ser muito potente, cada um de nós tem sua própria força, mas quando junta…. Começo a me lembrar de outros casais, Rita Lee e Roberto de Carvalho, que também tinham um componente de sensualidade e amorarte muito forte, Jorge Mautner e Nelson Jacobina, que também sempre tiveram isso na relação deles. Tem muito disso, quando os artistas se juntam sempre tem essa força. Acho que amorarte é isso, quando dois, três, oito se encontram. Todo trabalho de grupo acaba sendo um trabalho de amorarte. Às vezes você passa mais tempo com as pessoas com quem você produz do que com a sua própria família. No nosso caso, a felicidade reside em que nós somos a nossa própria família.

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02/05/2018

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

Ariel Fagundes