Entrevista | Cícero, Albatroz e a alegria em meio ao caos da cidade

09/01/2018

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Marta Karrer

Por: Marta Karrer

Fotos: Foto Eduardo Magalhães/Reprodução

09/01/2018

Cícero & Albatroz é o quarto disco da carreira do cantor, instrumentista e produtor carioca que tomou conta do indie brasileiro lá em 2011, com Canções de Apartamento – mas ao mesmo tempo, parece uma espécie de estreia. No seu primeiro álbum criado completamente em conjunto com uma banda, em estúdio tradicional num processo que ele mesmo descreve como “clássico”, Cícero Rosa Lins vem com as mesmas letras capazes de desgraçar a cabeça de qualquer um – agora acompanhadas de arranjos mais fortes, intensos, elaborados e coloridos. Cícero & Albatroz tem a velocidade e a urgência da metrópole junto com a calmaria e o isolamento de casa; tem o conforto que se sente ao estar cercado de pessoas e a aflição de ficar sozinho, e vice-versa.

No aquece para os shows de lançamento do disco (que acontecem no dia 13/1, no Rio, no Circo Voador e dia 20/1, em São Paulo, no Cine Joia), Cícero conversou com a NOIZE sobre o processo de produção do seu quarto disco de inéditas, a nova fase na carreira e o que é o tal do indie na era do streaming. Leia nosso papo com ele abaixo:

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A primeira metade do disco é muito mais solar, bem mais alegre e menos melancólica que os seus álbuns anteriores. Mas depois de “A Cidade”, parece que a bad volta com ainda mais força. Eles funcionam como dois lados da vida urbana?
Eu normalmente penso os discos como lado A e lado B, desde o Canções de Apartamento (2011), Sábado (2013), eu pensava o disco em dois momentos. A Praia (2015) é um disco mais otimista até que o Albatroz, que tem uma temática mais urbana, mas acho que, na primeira metade dele, a temática é primordialmente urbana e, na segunda metade, ele acaba ficando mais pessoal. É como se a primeira parte fosse mais pra fora e a segunda parte fosse mais pra dentro. O arranjo tem menos coisa, tipo em “Aquele Adeus” que tem pouco instrumento.

Existe alguma relação entre “Aurora no.1”, “Frevo por Acaso no.2” e “Fuga da Rua Nestor no.3”? Qual a história por trás da numeração nas músicas?
É, na verdade é porque são músicas que, em algum lugar, têm coisas em comum. Cada música tem um motivo: no caso do “Frevo por acaso no. 2” ele é a mesma harmonia, o mesmo arranjo de “Frevo por Acaso no.1”, como se fosse a outra metade da mesma música. No caso de “Aurora no. 1”, é porque tem “Aurora no. 2” que é outra música que eu fiz, mas não entrou no disco porque parecia muito com uma outra música, então essa numeração me ajuda a organizar músicas que tem uma mesma estrutura em capítulos.

Esse é o primeiro disco que a banda se envolveu mais diretamente e assina junto com você como Albatroz. Como os projetos dos músicos que tocam com você (como a Ventre e a Baleia) lhe influenciam?
Tem a parte humana de que nós somos amigos, assim, de ir no bar, se encontrar, tomar cerveja, conversar sobre outras coisas. E as relações que a gente tem com as pessoas que são nossos amigos acabam construindo a gente como pessoa, né? E aí isso reverbera na música diretamente. O que aconteceu com Albatroz foi que eu levava as músicas pro estúdio, músicas características do meu jeito de fazer música, e as músicas ganhavam as personalidades das outras pessoas também. A bateria ia pra personalidade do baterista, a guitarra ia pra personalidade do guitarrista.

Conta um pouco sobre como foi o processo de produção desse quarto álbum. Os outros foram feitos mais em casa, como essa maneira diferente de gravar, agora em estúdio, lhe afetou no processo criativo?
Cada disco eu produzi de um jeito diferente. Eu gosto de mudar o processo pra mudar o resultado, sabe? O primeiro disco (Canções de Apartamento) gravei em casa no meu computador mesmo, o segundo (Sábado) já ia na casa de uns amigos, levava o computador e gravava lá, e depois eu mixei tudo junto. A Praia eu gravei metade no Rio, metade em São Paulo, em estúdios e em casa também. Dessa vez, eu resolvi ir pra um estúdio, levar a banda pro estúdio e ficar gravando lá, que é um processo mais clássico de produção de disco. Eu queria que o disco tivesse som de banda, que desse pra imaginar uma banda tocando. Cada processo de cada disco foi totalmente diferente um do outro e eu acho que isso ajuda a fazer um disco diferente dos outros – embora não seja completamente porque foi o mesmo cara que fez as músicas, você consegue notar uma diferença estética da coisa.

Esse quarto disco foi distribuído pela Sony Music. Queria saber como foi essa transição, o que lhe fez decidir lançar por eles e como você enxerga o cenário independente do ponto de vista de quem trabalha com uma major.
A principal diferença que eu senti foi, primeiro, que eu consegui falar com pessoas não só do nicho. Mas também conseguir falar com pessoas que não estão ligadas nos caminhos da internet pra achar informação, sabe? Tocar nessas playlists todas que as pessoas botam pra ouvir aleatoriamente, com gravadora tem essas paradas. E a segunda coisa que eu senti muita diferença é que, quando eu lancei o disco em 2010, 2011, o download gratuito fazia sentido. E as gravadoras não queriam me contratar e distribuir meu disco porque eu fazia questão de que fosse download gratuito porque achava que só assim as pessoas ouviriam o disco democraticamente. E aí o que aconteceu é que eu fui vendo no site que o número de downloads foi caindo drasticamente com o crescimento do streaming. As pessoas começaram a ouvir muito nas plataformas digitais e não baixavam mais disco porque, sei lá, os celulares não tinham mais memória pra discos, essas coisas. Desde antes do download gratuito, eu já tinha uma conta no Soundcloud, desde 2009, e aí, nessa conta, tem todos os meus álbuns pra ouvir e pra baixar também. Aí eu vi que o download não tava fazendo mais muito sentido mesmo. O Canções teve, sei lá, meio milhão de downloads na época dele, Sábado teve tipo 10% disso e A Praia foi quase 3% disso porque tava todo mundo ouvindo streaming.

Vi uma entrevista sua de uns anos atrás, de antes da Deckdisc, onde você falava que o meio independente estava começando a fornecer um caminho paralelo ao da indústria fonográfica das majors mais tradicionais, mas ainda não havia um crossover, um meio do caminho entre o artista de nicho e o hit completo. Hoje esse crossover já existe? Você acha que essa distância se encurtou?
Concordo 100%, cara. Hoje em dia, você vê que a galera que tá bombando com a juventude é uma galera indie. Tipo, Pabllo Vittar é indie. “Bum Bum Tan Tan” é indie. MC Brinquedo é indie. Indie no sentido de que não vieram de uma gravadora, não vieram de uma estrutura de mercado, de investidores, de empresários. Vieram de uma espontaneidade de fazer um troço e nego gostar, querer ver. Aí o artista transborda pra uma gravadora, pra uma rádio, mas ele vem de uma coisa verdadeira ali da realidade dele, de uma produção quase sempre amadora. As duplas sertanejas geralmente vem de uma organização delas, sem passar por gravadora. Varia muito do capital, claro, quem tem mais dinheiro faz a coisa de uma forma mais ampla. Mas assim, eu acho que encurtou. Encurtou bastante, inclusive.

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09/01/2018

Marta Karrer

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