Entrevista | Lurdez da Luz, mulher de atitude

29/10/2014

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Paula Moizes

Por: Paula Moizes

Fotos: Fernando Eduardo/Divulgação

29/10/2014

Como mulher, Lurdez da Luz nada contra a maré desde que nasceu. Como rapper, ela vem conquistando respeito desde os anos 90, quando ainda era integrante do grupo Mamelo Sound System, e abrindo espaço para mais vozes femininas em uma cena constantemente relacionada aos homens.

Lurdez nunca se queixou de ter sofrido diretamente por ser uma mulher rapper, mas não nega que o preconceito sonoro dos ouvidos menos acostumados com uma voz feminina no gênero ainda existe. Depois de muito trabalho e experimentações ao vivo, Lurdez da Luz se lançou em carreira solo com o EP homônimo de estreia. “Andei” foi o grande single, provando que o rap feminino hoje pode chegar até na MTV.

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Assim como a franco-chilena Ana Tijoux, Lurdez da Luz começou a fazer rimas em um grupo. “Para mim foi muito importante, porque eu era muito insegura, então foi muito bom ter o incentivo dos caras assim como ter esse tempo de aprendizado”, nos contou em entrevista. Mas foi na carreira solo que ela se encontrou como musicista e como agente de sua própria revolução. “Eu sinto que eu tenho um porquê de ser Lurdez Da Luz, que eu tenho um papel necessário, e isso não é ego, é ter consciência do seu poder pessoal”, destacou.

Os versos e batidas de Lurdez evoluíram e seu novo disco, Gana Pelo Bang, completou há pouco um mês de vida. Inspirada em performances ao vivo de MCs acompanhados por instrumentais jamaicanos em vinil, a rapper montou um disco mais carregado no eletrônico do que o anterior e, consequentemente, mais pesado e dançante. “Eu montei um LIVE P.A. [show eletrônico] com instrumentos eletrônicos como drum machine, sampler, synths e DJ com pickup que foi o formato que levei pra várias capitais do Brasil no ano de 2013 e para a Europa também. Desse resultado ao vivo saiu o disco novo”.

Música latina

“O sangue latino, a consciência da nossa história marcada pelo massacre, usurpação pela Europa e de destruição cultural pelo imperialismo estadunidense eu sempre tive, é de família”. Lurdez da Luz está cada vez mais envolvida com os ritmos da nossa América Latina. Recentemente, ela gravou com o Makina Kandela, uma banda mestiça de músicos colombianos, chilenos e uma mexicana que se foca na pesquisa de sons latinos para depois apresentá-los ao público de uma forma bem pop. “É impossível ficar parado”, completou.

“Gravei também em um projeto chamado Compass com a cantora Marietta Vital, temos uma dupla vocal chamada Mercurias, e fomos convidadas pelo Camilo Lara do Mexican Institute Of Sound e Toy Selectah do clássico grupo de hip hop Control Machete, o primeiro a fazer sucesso nos Estados Unidos cantando em Espanhol”.

Rap pra dançar

O gênero de batidas pesadas hoje tornou-se mais leve na sonoridade. Assim como na música de Lurdez da Luz, o rap mundial foi se envolvendo cada vez mais com sonoridades dançantes, como o R&B e o funk brasileiro. Para a compositora, essas novas releituras do estilo são normais. “Existe uma diversidade enorme, no mundo todo existem interpretações locais e pessoais do rap e da cultura hip hop em geral. No Brasil, o rap começou com os jovens que frequentavam baile black em que se tocava funk, soul, samba rock ou, se preferir, samba balanço”, comentou. Batidas que nasceram do mesmo berço só poderiam em algum momento se encontrar.

Como nos contou Lurdez, o que um MC do funk faz no palco também é um tipo de rap. “Ritmicamente, vem da raiz afro brasileira, é terreiro demais”. Dos batidões ao rap, é tudo do mesmo universo.

Som de preto e favelado

Rimas espontâneas surgem, principalmente, na precariedade dos guetos. “O rap nasceu da juventude que queria se expressar artisticamente, mas não tinha acesso à academia”. E se a coisa é complicada na favela para os homens, imagina para as que fazem rap de saia. Nas palavras de Lurdez da Luz, “se tá ruim pros caras, pras minas tá pior, e pras minas negras pior ainda”. Em um estilo tão atrelado à sua origem, Lurdez contou que acha “difícil você vir da elite e fazer um rap verdadeiro”.

Nas periferias esquecidas pelo mundo afora é onde a arte mais se prolifera. Pena que ninguém fica sabendo disso. “Se você pensar em quem o povo mesmo ouve, você vai ver que grande parte são seus iguais e tem a mesma origem de classe social […], mas que em determinado ponto teve um investimento de capital de alguma empresa que fez isso entrar no circuito X, Y ou Z”. Então, onde estão as políticas de valorização da cultura nas favelas? Segundo ela, “políticas de cultura já estão dando resultado. Eu não sou contra e, sim, contra como acabam rolando na prática às vezes… Mas melhorou, isso é fato. E foi com o governo Lula em diante, isso é fato também”.

Para Lurdez, espaço tem. O que falta é um maior envolvimento dos meios de comunicação na divulgação do que vem das periferias. “Aí você pensa: ‘mas o show do artista X tava lotado e tava caro!’ Mas a rádio falou o mês inteiro disso, é a música como entretenimento, tudo que fuja um pouco disso acaba tendo dificuldade de sobreviver. Mas ainda acho que a livre iniciativa pensada de forma coletiva pelos próprios artistas seja uma boa saída, já que existe público e em expansão para tudo”.

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29/10/2014

InfinitA
Paula Moizes

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