Entrevista | Maria Bethânia: “Tudo pra mim é quente, é vivo”

05/06/2014

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Por: Ariel Fagundes

Fotos: Jorge Bispo/Divulgação

05/06/2014

“Eu sou a onça, quem vai obrigar a onça a fazer alguma coisa? Não caia nessa não, bobo”, respondeu Maria Bethânia caindo em uma gargalhada gostosa quando um repórter do Diário do Nordeste lhe perguntou se a sua gravadora lhe obrigava a gravar novos discos. Assisti a cena acompanhando a entrevista coletiva online da cantora que está lançando Meus Quintais, que seria o 51º álbum de sua carreira.

“Pra falar tantos discos assim, você deve estar contando os discos ao vivo, que pra mim são shows, não são discos. Meus discos, pra mim, são os que eu faço em estúdio quando alguma coisa me move”, corrigiu Bethânia quando outro repórter citou essa contagem. Este foi o clima da baiana do início ao fim da coletiva: bem-humorada, mas implacável.

*

Meus Quintais é o primeiro material que ela gravou em estúdio após a morte de sua mãe, a Dona Canô. E nesse álbum, ela faz um resgate de suas origens familiares, geográficas, culturais e musicais… Por exemplo, ela gravou “Lua Bonita”, uma música tradicional da Bahia que a sua mãe cantava para ela. A infância vivida em Santo Amaro, no interior da Bahia, está muito presente nesse trabalho da cantora por isso resolvi fazer duas questões que a mediadora da entrevista coletiva leu assim:

Esta pergunta é do Ariel, da revista NOIZE: Meus Quintais é um disco alegre, mas também melancólico. Do que você mais sente falta da infância no interior?

Eu não sinto falta, porque carrego ela comigo. Agora, tem melancolia, é normal. Mas eu não sinto falta. Se eu consigo fazer um disco assim é porque isso está em mim. Não fico saudosa. Eu vou pra Santo Amaro, e é igual. Sinto falta dos meus que já partiram… Mas ao mesmo tempo, eu tenho eles tão vivos em mim. A menina está aqui e é ela quem faz tudo. Essa criança, a caçula de Zezinho e Canôzinha, que sou eu, é quem está aprendendo tudo e ensinando a mim.

E após tantas vivências na carreira musical, o que faz você ainda se manter deslumbrada com isso?

É a menina. Eu não fiquei acostumada a nada, tudo pra mim é tão novo, tão inesperado. Tudo pra mim é quente, é vivo.

Esse é o segredo da cantora, saber manter acessa a chama do deslumbramento infantil é o que faz ela ser uma artista que mantém sua obra incandescente depois de tanto tempo de carreira. E realmente, Meus Quintais é um disco extremamente vigoroso e maduro, mas que carrega uma leveza de criança em faixas como “Moda da Onça”.

O que nos leva a outro tema recorrente no álbum, a cultura indígena ancestralmente conectada à fauna e à flora do Brasil. Várias faixas abordam esta temática, mas duas delas se destacam: “Arco da Velha Índia”, que Chico César escreveu em homenagem a Bethânia, e “Uma Iara”. Essa música une uma composição inédita de Adriana Calcanhoto com um trecho de uma obra de Clarice Lispector, ambas inspiradas na lenda da sereia Iara. Então, resolvi fazer duas perguntas que ficaram assim na coletiva:

O Ariel da NOIZE pergunta: Os indígenas e as suas lendas estão muito presentes no seu disco novo, e você é a própria “índia velha” que Chico César descreve na sua letra. O que inspira você na figura do indígena?

Não é na figura, o índio me inspira. Tudo ali me inspira. Posso detalhar: gosto do nu, de ter pouco pelo, de eles serem bem estranhos, bem bicho do mato, de eles não gostarem de muita conversa, de eles saberem se esconder… Acho bonito isso. Me comove, me identifica. O índio não sai da minha cabeça. Está no meu sangue. Eu acho que o índio é o dono da terra. Eles são o chão do Brasil. O Chico César fez a música “O Arco da Velha Índia” com um dos versos mais bonitos que alguém já me dedicou: “É corda vocal insubmissa” – isso é muito grande pra mim… Quando o Chico me deu, fiquei muito contente e pedi: “Posso dedicar a Rita Lee?”. Ele falou: “Meu amor, já fiz ela pra você, é sua, agora você faz o que você quiser”. Eu falei: “Então está dedicada a Rita, eu e você dedicamos!”. [Risos] Porque a Rita tem a sabedoria da velha índia. E acho lindo ela ter o cabelo vermelho.

O Ariel novamente da NOIZE pergunta…

É entrevista particular, eu e o Ariel! E ele tem nome de sereia. [Risos] Que amor…

…tem muitos textos que falam da lenda de Iara, por que você escolheu este da Clarice Lispector?

Primeiro porque Dona Clarice é uma das minhas grandes paixões. E mais porque o jeito que ela escreve sobre a perigosa Iara é pra crianças. E eu queria que “Moda da Onça” e “Uma Iara” trouxessem as lendas brasileiras, mas com uma coisa meio de criança. O disco tem um lado criança ao mesmo tempo que tem a faixa “Mãe Maria”, que sou eu mesma. A “Mãe Maria” que eu falo ali sou eu. Mas tem a criança. Por isso eu pedi pras crianças cantarem [em “Folia de Reis”], desenharem [na arte do encarte do disco], eu sinto que tem essa mistura. Agora, eu não sei explicar isso. Parece conversa de psicanalista! Eu vou é perguntar pro Ariel: se me der uma boa dica, quem sabe você me ajuda, Ariel!

“Imagina, quem sou eu pra dar uma dica pra Maria Bethânia?”. Depois dessa, só me restou uma coisa: dar play no disco novo dela.

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05/06/2014

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Ariel Fagundes