A profanação cibernética e psicodélica do Escambau

22/12/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

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22/12/2014

Quando a fé não basta, só a ironia salva. É isso que prega Giovanni Caruso, vocalista do Escambau. Ele já havia lançado dois álbuns com o grupo, Acontece Nas Melhores Famílias (2009) e Ordem e Progresso Via Pão & Circo (2011), mas nenhum deles adquiriu a força estética do seu último lançamento, Novo Tentamento (2014). O disco entrou para nossa lista dos 10 melhores nacionais de 2014.

Fugindo um pouco das sonoridade ligada ao anos 1960, que marcou o trabalho da sua antiga banda, Faichecleres, Caruso deu um passo além nesse último disco que compôs. Suas letras notórias pelo bom-humor deixaram de ser tão engraçadinhas adquirindo um tom mais ácido em sátiras ao governo, à igreja, à tecnologia e a si mesmo. O estilo do som é psicodélico, mas também é samba, é baladão, é rock, é disco, é tudo isso e mais um pouco. E é bom.

*

Nesta conversa, o músico gaúcho radicado em Curitiba fala sobre sexo virtual, a relação de grupo que vem desenvolvendo com sua banda e revela que o disco novo foi pensado para ser uma ópera rock. Leia abaixo:

Depois do Faichecleres, você lançou seu trabalho como Giovanni Caruso & O Escambau. Os dois discos anteriores saíram assim, por que agora vocês são só Escambau?

Cara, botamos pra fora aquele xarope! Tiramos fora o magrão, esse Giovanni era muito chato, não dava pra aguentar (risos). É que eu tava de saco cheio de usar meu nome, e também pra brindarmos essa nova fase. É como se fosse o primeiro disco do Escambau. Nos reciclamos profissionalmente, foi parte de um pacote do Escambau.

Mas composições ainda são tuas?

As letras são minhas. A gente trabalha muito os arranjos em grupo, temos um convívio muito bom de banda, que até melhorou fazendo esse disco novo. Posso te dizer é que o Escambau todo participou mais. O primeiro disco eu gravei quase todo sozinho, o baterista era o meu irmão, Glauco Caruso (que tocou no A Sétima Efervescência, do Júpiter Maçã), e o Escambau nem existia na época. Foi um ato de desespero, eu tava sem banda, tinha a recém saído do Faichecleres. No segundo, a banda já tava tocando há um tempo e teve uma participação maior. Mas nesse último, a gente trabalhou como banda mesmo. Rolou um balanceamento entre nós muito maior do que nos outros.

Novo Tentamento é o disco que apresenta mais referências sonoras diferentes ao mesmo tempo em que é o seu álbum que tem um conceito mais fechado. Como vocês chegaram a isso?

Desde o Faichecleres, trabalhei com o rock sessentista e tal, mas no Escambau a gente sempre teve em mente que devia ser um lance mais livre, que pudesse trabalhar com outros sons que a gente gosta. Eu, como compositor, tinha essa meta. E isso culminou nesse disco. Mas desde o início do Escambau isso é algo que eu tenho ouvido falar. “Qual é o estilo de vocês? Como vocês se denominam?” Na real, a gente não se denomina nada. Até agora a gente, como banda, não aceitou nenhum rótulo. Parece que a criatividade dos jornalistas e das pessoas interessadas no Escambau ainda não chegou a nos convencer.

Mas teve uma diferença nos vocais desse disco. Tem menos aquelas vozes dobradas à la Jovem Guarda.

Eu mudei meu jeito de cantar, não tem quase nenhum grito nele. A gente teve quase um ano pra fazer ele então tivemos bastante tempo pra conversar, botar as cartas na mesa.

E sobre o seu conceito, ele tem um lado que zomba do discurso religioso de uma forma cética. Parece cantado por alguém que já tá saco cheio e tocando o foda-se.

É, sou eu. Tu tá falando de mim. E de todo mundo, né? Todo dia a gente olha a TV e vai sendo bombardeado por uma série de notícias do mundo inteiro em tempo real. Esse sentimento se reflete muito no disco, eu acho. Tá todo mundo ficando alucinado. São tantas merdas. É tanta informação tão rápido que não dá pra digerir merda nenhuma. E acho que vai piorar.

Você vem de uma família religiosa?

Assim como todo bom brasileiro eu tive uma criação católica, estudei em colégio católico até o 1º ano do 2º grau. E me criei com meus avós, pessoas criadas por pessoas do século XIX. Tem isso…

Lá em Rio Grande (RS), né?

Em Rio Grande… Minha saudosa Rio Grande.

Eu perguntei porque o disco faz um grande deboche a esse universo da Bíblia.

O Novo Tentamento era pra ser uma espécie de uma ópera-rock. Tinha muita coisa mais espiritual do que ele já é. Mas aí no meio a gente se deu conta do quanto isso poderia ficar maçante, aí demos uma relaxada, mudamos de ideia, e fomos transformando cada música. Mas no fim das contas acabou, mesmo assim, mantendo uma unidade com início, meio e fim. A ideia era essa, mas eu até tirei e botei uma música ou outra. Tipo, “Cidade dos Normais” é uma música que entrou que nem gol do Inter contra o Atlético Mineiro, aos 49 minutos do 2º tempo. Gravamos ela e acabou virando o primeiro single. É uma música mais fácil de ser digerida pelo público em geral, por isso usamos ela. O segundo single é a música que acho a mais forte do disco, “Atos de Uma Anti-Hepática”. É um samba, música popular brasileira, sobre ressaca, que é uma coisa que todo mundo tem, cantado por uma paraguaia e tocado por uma banda de rock. Eu tenho um amor especial por essa música.

Falando na Maria Paraguaya, como é que é essa função de ser casado com uma colega de banda?

Cara, às vezes não é fácil. Mas em outras vezes é. Tem umas vantagens, mas a gente continua aprendendo. Estamos casados há 10 anos e o Escambau tem cinco anos. Eu acho ótimo.

Chamou minha atenção que, nesse disco, praticamente não tem nenhuma música de amor. E isso é uma coisa muito rara de acontecer.

Pô, isso eu ainda não tinha ouvido sobre o disco, gostei de ouvir. Na verdade, ele até tem uma música de amor…

“Acho que tu faz amor com esse computador”?

Não. Essa aí é de putaria. Mas também… Tá, então com essa tem duas músicas de amor. Mas a última faixa, “Conspiração”, eu fiz pra minha filha com a Paraguaya e, cara, não tem música que fale mais de amor do que aquela. Eu acho que é uma música de um amor maior.

Sobre essa música que fala de amor com o computador, a crítica à tecnologia é um tema que começou a aparecer muito, está no disco novo do Tom Zé também, por exemplo. Como tu vê essa realidade das novas gerações que estão se relacionando basicamente através de máquinas?

Porra, sei lá ein… Acho que tem muita coisa positiva, a gente acaba tendo mais acesso a tudo, mas também, com a facilidade, as pessoas não se aprofundam tanto, nem valorizam tanto isso. Diferente de quando era só o vinil, que o cara pegava e segurava ele! Hoje em dia, as pessoas ouvem música sem nada disso… Cara, não sei no que vai dar tudo isso, na verdade eu tenho até um pouco de medo. Mas também fico feliz de estar fazendo parte disso. A gente tá passando por uma época espetacular da humanidade. Mas até respondi outra coisa, tu queria saber mais sobre relação de casal?

É, que é o que fala na música, né?

Essa música foi uma revolta mesmo. Cara, a gente trabalha na internet, aí a relação… Porra, vai tomar no cu, né? Sai daí e vamos namorar, vamos tomar uma cerveja, se distrair, fazer amor, que é muito mais interessante. Foi um momento de revolta mesmo. É verídica a música! (risos) Baseada em fatos reais. (risos) Por outro lado, fiz a música quando me deu vontade de fazer um rock como os da época dos Faichecleres. Eu até ia fazer ela pra outra banda tocar, com uma pilha mais adolescente, mas aí acabou entrando no disco.

Você citou a relação com o vinil e eu vi na internet o boato de que Novo Tentamento vai ser em vinil também. É verdade?

Cara, vai sair com certeza. É uma promessa. Tão nos cobrando muito, e a gente quer fazer mesmo. Nós vamos fazer na raça! Nem que seja com o apoio dos fãs.

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22/12/2014

Revista NOIZE

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