Banda Eddie: “Pra nós, não é estranho tocar bolero e metal na mesma música”

15/04/2015

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

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15/04/2015

Se toda diversidade rítmica e harmônica de Olinda fosse condensada em só uma banda, seria na Eddie. Há quase 27 anos, o grupo se dedica a cantar as dores e amores dessa cidade que respira frevo, samba, cumbia, reggae e punk rock. O primeiro disco deles, Sonic Mambo (1998), foi gravado nos Estados Unidos e lançado pela gravadora internacional Roadrunner. Mas, por melhor que tenha sido, essa experiência serviu principalmente para o grupo perceber que seu habitat natural é o cenário independente do Brasil.

Agora, a Eddie se prepara para lançar seu sexto disco (o quinto independente) chamado Morte e Vida. O álbum está pronto e será lançado no próximo dia 23, mas, quem quiser apoiar a banda, pode participar até o dia 15/5 do projeto de crowdfunding que eles lançaram. Nesta entrevista, o vocalista e guitarrista Fábio Trummer nos fala do disco novo e da história da banda, que, no próximo dia 17, participa do festival Festanza, em São Paulo, junto com Metá Metá, Karnak e Los Sebosos Postizos.

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Eddie2

O Manifesto do Mangue, que inaugurou o manguebeat, é de 1992 e a Eddie é do final dos anos 1980. Dá pra dizer que vocês anteciparam o movimento manguebeat?
Cara, na verdade era uma cena. O manguebeat foi um embrulho feito de uma cena que era muito maior do que a música da Nação Zumbi, que já é bem diferente da do Mundo Livre S/A. Mas eles tiveram a sacação de usar o mesmo vocabulário pra ter uma semelhança entre as músicas. O Eddie talvez já fosse bem diferente na sua época, mas todos nós já existíamos antes de se pensar em um movimento e depois dar nome a ele criando uma estética. Nessa época, nossa escola era o punk rock, mas a gente já enxergava que precisava de uma identidade própria. Passávamos o dia inteiro na praia com todas as diferenças populares que faziam parte do cotidiano nosso e isso tudo foi entrando na nossa música. Mas aí entrou a indústria em Pernambuco, quando rolou a gravação do Nação Zumbi, do Mundo Livre, do disco independente maravilhoso do Mestre Ambrósio… Tivemos sorte de ter como início de vida musical um cenário onde tinha tanta gente boa, com tanta música autoral de qualidade. Embora ouvindo hoje a produção da época vejamos que aquilo era uma coisa ainda em construção, eram musicalidades acertadas, autorais, pessoais.

Vocês se chegaram a se filiar ao manguebeat?
Conviver com Chico Science foi como se eu fosse jamaicano e tivesse convivido com Bob Marley, sabe? O cara realmente era diferenciado na maneira como ele pensava a música. Era mesmo um cientista dos ritmos, que tava conectado com o que tava acontecendo no planeta. Ele tinha amigos fazendo coisas na Inglaterra, em Nova Iorque, ele tinha mesmo uma ceninha diferenciada e sabia dirigir isso como poucos. A gente não tinha como não se influenciar com um cara desses do lado. Éramos amigos de trabalho, de cerveja. Emprestávamos quadrinhos um pro outro, fitas de cassete. O primeiro show do Public Enemy que eu vi foi um VHS que o Chico me emprestou. Com o Jorge Du Peixe a gente trocou muitos quadrinhos, nós dois gostamos de desenhar até hoje. Eram pessoas muito legais que tavam do nosso lado, com ideias futuristas e uma estética que a gente se identificava, era o punk rock, o reggae. O hip hop foi eles que me apresentaram ali no final dos anos 80. Eu me considerava, na verdade, sortudo de estar vivendo e tocando com pessoas tão capazes, talentosas e dispostas a viver de música autoral. O que na época era uma loucura inacreditável.

Entendi. O primeiro disco de vocês saiu pela Roadrunner, como foi isso?
Gravamos fora do país, em Massachusetts, com equipamentos que o Soundgarden alugava, num estúdio onde o Rolling Stones ensaiou, onde o Aerosmith gravou o Pump (1989). Foi sensacional! Nunca tínhamos pegado frio, aí saímos do nosso verão, fomos lá pra neve e voltamos pro Carnaval de Recife. Foi sensacional, mas pegamos bem aquela quebra da indústria fonográfica. Até então quem trabalhava diretamente com os grupos era o departamento artístico, fomos contratados pelo departamento artístico. Aí gravamos e, logo em seguida, todo departamento artístico foi todo demitido. Como a gente era uma banda nova, lógico que ficamos de lado. Aí compramos a maioria dos discos da prensagem e trabalhamos eles de maneira independente. Já pensando: “puts, vamos voltar pra independência”. Até porque esse modelo de contrato é contra algumas ideologias que eu acredito.

Os outros cinco discos foram independentes por uma questão ideológica, então?
A primeira questão é bem prática. A banda é um trabalho e a gravadora não pode fazer nossa agenda. Temos uma necessidade de trabalho e a realidade da gravadora não tem a ver com a do artista. Isso é um problema gigante porque você acaba sempre frustrado ou super ansioso pra que alguma coisa aconteça. E aí, mesmo se acontecer, não vai ser algo necessariamente verdadeiro. Às vezes é só uma assessoria de imprensa paga pra gerar notícia, etc. Isso também não causa tanto prazer pra gente. Já agora, o temos não é um processo da indústria, é da música por si só. Quando você pensa numa carreira longa, isso aí tem que ser uma das primeiras coisas a serem praticadas.

Pro disco novo, vocês criaram um crowdfunding, que tem a ver com isso. É algo que depende do público mesmo, não da indústria.
É, e vai até 15 de maio. Ele é mais uma pré-venda, uma maneira de a gente ter uma grana pra segunda etapa do trabalho: site, fotos, fábrica de vinil e CD, designer pras artes. Enfim, todo esse tipo de serviço que acaba sendo muito caro. A gravação e mixagem pagamos com o caixa da banda. Dessa vez, resolvemos contar com esse apoio pra que não saia tudo diretamente do nosso bolso. Aí a gente vai tirando o custo com o trabalho até o final do ano. O crowdfunding é uma mão na roda porque sempre tem alguma coisa que você precisa, seja uma roupa nova pra se apresentar ou um instrumento novo. É como se fosse a manutenção de uma empresa, que é uma banda.

Capa de "Morte e Vida" (2015)

Capa de “Morte e Vida” (2015)

Mas o disco já tá todo gravado?
Tá pronto, vamos disponibilizar o disco no próximo dia 23. Já tá masterizado faz uns 20 dias. Pra mim é uma Disneylândia mergulhar nesse universo, você vai criando um universo afetivo com as músicas, imaginando o que cada parte delas traz. Às vezes é só uma palavrinha ali que fala de toda uma intimidade sua. E eu queria passar isso pra arte também, então criamos um encarte que conta uma história sobre uma espécie de Frankstein. É um cara curioso, um cientista, que começa a pegar peixes e pássaros pra tentar criar vida misturando os dois. Na historinha, meio que dá certo isso aí até que eles viram uma praga e acaba a humanidade.

Tem algumas participações especiais no disco, né?
Sim, gravou o Jam da Silva, que fez percussão, o João do Cello, no violoncelo, o DJ KSB, e a Karina Buhr, que é uma grande parceira. Ela era do Eddie quando gravamos o primeiro disco nos Estados Unidos. E desde então ela só não gravou um disco nosso, Metropolitano (2006).

O Eddie tem uma conexão muito forte com Olinda. Como a cidade influenciou o som da banda?
Sim, eu sou o único que mora em São Paulo, o resto da banda ainda mora lá. Olinda é a nossa base, onde a personalidade da banda foi formada, onde tivemos o nosso caráter forjado. Talvez ela explique o quão eclética é a nossa música. Um iniciante no Eddie que ouça nosso novo disco pode dizer: “Porra, mas a banda faz um samba e depois um punk rock”. É que, em Olinda, isso acontece. No mesmo evento você ouve uma banda punk, uma orquestra de frevo e um DJ de cumbia. Pra nós não é estranho tocar um bolero e um metal, até na mesma música. O reggae é muito forte lá, o rock é muito forte, a música caribenha chega muito e ainda tem uma música popular muito presente. A gente foi criado nesse meio, por isso que eu digo que a banda faz uma música popular urbana. Nós saíamos de um show de hardcore pra ir num forró. Nesse sentido, o carnaval de Olinda é um período de anarquia maior ainda.

Falando nisso, vi que houve uma polêmica envolvendo o Eddie e o último carnaval de Olinda. Vocês não foram chamados pra programação oficial da cidade e houve um certo atrito por isso.
É cara… Eu sou muito crítico aos desmandes políticos, especialmente em Olinda, onde mora minha família. Sou um cara que trabalha com cultura e tive que sair de lá porque não tinha mais como me desenvolver na cidade. E, quando eu morava lá, tinha mais recursos públicos pra fazer atividades culturais do que hoje, e eu sou muito crítico a isso. Não representamos tudo que Olinda é, nem temos essa pretensão, mas desde 2013, quando lançamos o disco Original Olinda Style, tacharam o Eddie como sendo a banda “original Olinda style”. Por um lado, olhamos mesmo pro umbigo da cidade de Olinda e falamos pro mundo como ele é bonito, mas por outro lado a gente já tava há doze anos direto fazendo o carnaval da cidade. Então é até saudável haver um rodízio de pessoas se apresentando. Mas eu já estava sendo provocado por falar muito e sentia que isso estava prestes a acontecer. Foi bom acontecer nesse ano porque as pessoas estão olhando mais pra política, mesmo muitas vezes sem entender nada e só replicando o que alguém disse, mas tão olhando. Foi bom nesse ano a gente não ser visto com quem tá compactuando com essa gestão que, na cultura, está fazendo muito pouco pela cidade de Olinda.

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15/04/2015

Revista NOIZE

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