Entrevista | Pete Doherty fala de Kate Moss, Libertines, prisão e poesia

01/08/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: Divulgação

01/08/2014

Fragmentos textuais cheios de paixão e narcóticos. É basicamente isso que o leitor irá encontrar em From Albion to Shangri-La, o novo livro de Pete Doherty lançado há pouco na Inglaterra. No final dessa obra, que ainda não tem tradução em português, há uma entrevista feita na casa de Doherty em Londres, em junho de 2012, que nunca havia sido publicada em nenhum veículo e agora a NOIZE tem a honra de fazê-lo.

Quem conduziu a conversa foi a mesma escritora que editou From Albion to Shangri-La, Nina Antonia, com quem nós também conversamos. Por sua proximidade com Pete, Nina conseguiu abordar assuntos polêmicos e delicados ao músico, como sua relação com o The Libertines e o período que ele passou na prisão. Os desenhos que acompanham a entrevista foram feitos pelo próprio Pete e retirados das páginas do seu novo livro. Inclusive, quem se interessar em ter a obra completa, pode encomendá-la através do site da editora Thin Man Press.

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Veja a entrevista na íntegra abaixo:

Untitled1

Pete Doherty: Ao vivo do dormitório de Percy Mountbatten!!

pergunta1 nina pete

PD: Quando eu me dei conta de que isso era a única saída para a situação em que eu me encontrava. Eu cresci em meio às barracas do exército [o pai de Pete era major]; era sufocante, intimidador, uniformes do exército, arames farpados. Eu me divertia um pouco na escola, pelo menos. A primeira poesia que eu gostei foi a dos poetas de guerra: Wilfred Owen, Dulce Et Decorum Est (1917), “a velha mentira”; George Orwell, 1984 (1949), A Flor da Inglaterra (1936), Na Pior em Paris e Londres (1933), particularmente. Eu gosto da ideia de um homem nos anos 1940 saindo de trás da sua mesa e se jogando no mundo, achei isso atraente. Quando completei 16 anos, eu estava como um galgo saindo de uma armadilha, queria largar a escola e ir morar com minha vó em Londres. Meu pai não estava acompanhando nada disso, mas o que ele poderia fazer? Eu tinha chegado na idade. Eu não podia mais ficar naquele ambiente. Conversando com os garotos de hoje, vejo que eles não se sentem confiantes para irem a uma cidade nova e conseguir um emprego em um bar. Agora é muito mais difícil conseguir um emprego informal, achar um flat, achar uma ocupação, o mundo está muito mais estéril.

Parece que eu gastei muito do meu tempo criativo contradizendo a mim mesmo, buscando liberdade enquanto emprisionava a mim mesmo. O processo da criatividade rejuvenesce o espírito, justifica a existência; um par de músicas pra trabalhar é o que eu preciso para ficar satisfeito, é assim que eu curo minha alma. Ainda mais que a criatividade vem da melancolia… Quando você está feliz, quando você está vivendo uma vida completa, não há tempo para criar. Você não precisa criar porque você está vivendo a vida.

pete prison

 

pergunta2 nina pete

PD: Apenas em relação ao tempo que passei limpo, eu não estava tentando conseguir drogas, mas foi uma fissura pesada. A prisão é uma carnificina, brutal, toda encaixotada. É um ciclo sem fim de violência, humores, tristeza. É um cruzamento inacreditável do submundo, coloca-se um monte de pessoas instáveis em pequenas caixas e depois senta-se pra observar elas. É uma carnificina. Nós tínhamos uma banda na prisão, eu tocava guitarra, tinha um traficante nos teclados. Todos os caras nas celas espremiam as caras contra as janelas para nos ver; e ficavam tipo “Doherty, ele é um merda”. Eu sempre pensava que teria um tempo para pensar lá, mas a única hora calma é à noite, às 4 da manhã. Aí eu fazia uma xícara de chá e relaxava, era tranquilo. Mas isso tudo não me mudou, não.

pergunta3 nina pete

PD: Eu já estava vivendo ela na minha cabeça então eu estava preparado…  Era só uma fantasia. Mas o que aconteceu foi que a realidade se tornou a fantasia que eu já tinha. Aquilo que nós já tínhamos imaginado, sonhado tarde da noite, conversado sobre, conspirado para que acontecesse através das músicas que fizemos. É um negócio estranho se transformar em uma figura pública. Ao assinar um contrato de gravação, colocando-se nas mãos de alguém, você automaticamente acaba com o estilo de vida que criou aquelas belas canções. E como já faz tanto tempo desde que você tinha aquele espírito original que, necessariamente, você acaba mudando. Eu conseguia ver isso acontecendo, eu podia sentir, foi por isso que eu caí fora, foi isso que aconteceu com o The Libertines… Eles estavam felizes vivendo de uma forma que eu não conseguia viver, então eles me cortaram e tentaram levar a coisa o mais longe que puderam.

 

Se não nos chamássemos The Libertines, nós não tocaríamos juntos de novo

 

pergunta4 nina pete


PD:
Basicamente sim, mais verdadeiro para mim, mas isso excluiu muita gente da minha vida porque eu fui pro extremo… (suspiro) Eu já expressei várias vezes minha visão sobre como o Libertines funcionava como uma esteira transportadora – útil para a indústria, não para os artistas. É um trabalho pra garotos, os mesmos contadores, os mesmos roadies, os mesmos agentes de viagens. A maior parte deles são pessoas da gravadora perpetuando seu próprio sistema. Eu fui contra isso até onde eu consegui.

Pete Doherty em 2004

Pete Doherty em 2004

NA: Deve ser um sentimento alarmante…

PD: Yeah, mas você está sedado, né? Você fica feliz para seguir com isso porque seus discos estão vendendo e você está tocando para multidões… e nós nunca tivemos isso completamente. Eles viam tudo como um sacrifício que valia a pena e eu aceitei no início, mas no final queria aquele sentimento antigo de volta e estar em uma banda com pessoas que eu pudesse passar um tempo junto também quando nós estivéssemos fora do palco – algo oposto às pessoas que só querem ficar juntas quando estão no palco. Eu queria ficar de novo com meus amigos, simples assim.

 

pergunta6 nina pete

PD: Essa história ficou misturada. Eu ganhei uma competição com uma porcaria de poema sobre fumar… mas a viagem à Rússia foi por outra coisa. Eu costumava organizar uma noite de poesias no Foundry na Old Street. [A poetisa londrina] Worm Lady costumava ler seu trabalho… tinha um piano… nós recitávamos poesia e bebíamos absinto como parte do Amphetamine Cabaret. Fizemos um intercâmbio, que o Conselho de Artes Britânico pagou porque estávamos quebrados, e tinha um clube na Rússia, The Dom, que supostamente fazia eventos parecidos com os nossos e a equipe deles veio e passou uma semana conosco. Mas eles eram muito mais um circo, com dançarinos e engolidores de fogo… Depois nós fomos até a Rússia, e nos perdemos por lá. Lembro de dar voltas por Moscou usando um grande casaco de lã marrom comendo frango.

pergunta7 nina pete

PD: Posso dizer a verdade sobre isso. Nós não tínhamos um nome de verdade embora já nos chamássemos de The Albion. Scarborough Steve era o vocalista e eu e Carl fazíamos as músicas. Uma noite, nós estávamos em Camden Lock sentados no canal e jogamos um jogo: terminamos a garrafa de vinho e jogamos ela no dique, quem conseguisse acertar ela jogando uma pedra poderia escolher o nome da banda. Eu não posso botar a mão no coração e dizer que eu acertei a garrafa, mas eu digo que se nós não nos chamássemos The Libertines, nós não tocaríamos juntos de novo. O nome vem de um livro bem pervertido do Marquês de Sade, Lust of the Libertine (1785) [120 dias de Sodoma, em português]. É uma obscenidade do século dezoito. Eu tinha uma edição barata desse livro. Durante a Revolução Francesa, quando tomaram a Bastilha, de Sade, com sua grande barba cinza, viajou com esse manuscrito imundo embaixo do braço. Eu gostei do L em “libertine”, era elegante. Era o nome certo na hora certa. Eu ainda tenho o flyer do primeiro show que fizemos como The Libertines. Tem uma imagem de Stephen Spender nele, sentado perto do fogo.

O início do The Libertines

O início do The Libertines

NA: Eu vi vocês no Riverside, antes da formação completa da banda.

PD: O quê? Você estava lá naquele show old school do Libertines?

NA: Eu acho que tinha um violoncelista também, era uma noite de poesia.

PD: Deve ter sido depois que Scarborough Steve saiu… Se bem que ele apareceu naquela noite completamente fora de si. Ele foi chutado da banda porque estava sempre brigando, mas ele foi nesse show do Riverside. Às vezes ele aparecia nos shows, se esquecendo de que tinha sido chutado. Ele curtia muito Stooges e New York Dolls, disse que eles eram como os Beatles, então quando nos descreveram como sendo ‘The Strokes/New Wave’ ele ficou tipo: “Puta merda!”.

 

pergunta8 nina pete

PD: Nós não temos montanhas, mas temos florestas. Eu costumava viver no passado, ficava entrincheirado nisso, no tempo em que a Inglaterra tinha florestas de carvalho; mas quando nós conquistamos o mundo, e nos tornamos um império, as florestas desapareceram e a madeira foi usada para os navios. Somos Elizabethianos, é isso que nós somos, cercados pela história. Eu não sou um monarquista, mas não posso negar que sou Elizabethiano. Eu adoraria voltar àquele tempo da alquimia e das aventuras verdadeiras. Quando você entrava em um navio e saía de Portsmouth sem sair pra onde estava indo, os mapas nem estavam completos ainda. As cartas de navegação ainda estavam sendo escritas pelos ingleses e europeus.

*: “Albion” era como as antigas populações celtas chamavam o território onde moravam e que muito tempo depois se tornou a Inglaterra. Nina Antonia diz que considera Albion como um símbolo de um local utópico, mágico e livre. 

 

pergunta9 nina pete

PD: Não consigo deixar de me interessar por qualquer poesia do W.B. Yeat…. Sei que isso já foi dito, mas é tão ricamente evocativa. Sempre me pega. “Curvando-se para Belém”… Engatinhando até Albion… Cada um de nós tem sua própria jornada espiritual.

 

Kate [Moss] queria controlar tudo: quem eu via, meus amigos, onde eu ia

pergunta13 nina pete

PD: Drogas podem ser uma distração, os negócios são uma distração... Relações podem ser uma distração: quando eu estava com Kate [Moss], ela estava lá (fazendo gestos em direção ao céu) e eu estava aqui embaixo. Ela queria controlar tudo: quem eu via, meus amigos, onde eu ia. Tudo isso tira você daquele momento puro e mágico do início, quando você era intocado, incorruptível, quando estava na sua forma mais pura.

Kate Moss e Pete Doherty

Kate Moss e Pete Doherty

NA: Tem um preço a ser pago para ser um artista?

PD: Sempre tem um preço a ser pago.

pergunta10 nina pete

PD: Eu acabei de terminar o filme sobre Alfred De Musset [Confessions of the Child of the Century (2012)] e me ofereceram agora um script para encenar um personagem que é o oposto: é sexo, drogas e armas. Eles querem que eu aprenda francês e consiga uma barriga de tanquinho… As filmagens só começariam em setembro de 2013, então tenho que correr atrás!

NA: Você tem uma empatia por De Musset?

PD: O script era tão bonito que eu não poderia deixar de filmá-lo. De Musset podia ser um cuzão às vezes… Ele se meteu em um duelo que ele perdeu, o que eu não gostei, então eu tentei mudar isso pra que ele ganhasse, mas a parte da minha atuação que Sylvie, a diretora, mais gostou foi justamente essa em que eu me sinto mais desconfortável e infeliz… Essa tem sido a história da minha vida. Ela não me deixava ir nas aulas de atuação! Eu gosto de ser dirigido, incomodado…. mas não tanto assim. Não se esqueça que meu pai era do exército e que eu cresci no meio dos quarteis. Sylvie foi me visitar na minha casa antiga, quando eu morava no interior, e nós divagamos muito sobre isso andando no escuro.

pergunta'' nina pete

PD: Não… Só luzes da cidade, e uma vez um cachorro de polícia. Eu não sei se eu encontrei Pã, mas ele sempre esteve por aí.

*: Pete Doherty se interessa bastante pelas histórias da mitologia grega. O deus Pã é uma referência importante para ele.

Amigo presente na entrevista: Quem é Pã?

PD: Pã é um deus pagão… da festa, música e natureza. Ele surge na Grécia. É um sobrevivente espiritual dos tempos antes da tecnologia. Todas as estrelas do pop na tradição moderna que capturam a imaginação dos jovens são como Pã. [Marc] Bolan era uma figura assim. Os jovens ainda tem um amor pleno pela música. Eles ficam em uma fila o dia todo para ficar na frente de um palco, para entrar em contato com seu semideus. A música é como a flauta de Pã e eles vão seguindo ela, atrás da melodia que existe dentro do esquecimento.

pergunta12 nina pete

PD: Muito confiante, mais do que nunca. É a hora certa pra mim.

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