Entrevista | Fernanda Abreu, a papisa do pop no Brasil

26/07/2016

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Gui Paganini (Arte: Giovanni Bianco)

26/07/2016

Talvez a garotada que começou a ouvir música pop agora não lembre da importância que Fernanda Abreu teve para o pop brasileiro. Após sair da Blitz, onde era backing vocal, a cantora se lançou em carreira solo com SLA Radical Dance Disco Club (1990), disco clássico produzido pelo Herbert Vianna que foi pioneiro ao trazer pro pop do Brasil a técnica dos samples (algo que já estava rolando na cena do rap brasileiro há uns anos).

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Ao longo de todos anos 1990, Fernanda emplacou uma saraivada de hits como “Rio 40 Graus”, “Veneno da Lata”, “Garota Sangue Bom”, “Você Pra Mim”, “A Noite”, “Do Seu Olhar”, dentre vários outros. Com o fim da década, a cantora diminuiu o fluxo de sua produção, tendo lançado apenas três discos: Entidade Urbana (2000), Na Paz (2004) e o recente Amor Geral.

O hiato de 12 anos entre seus últimos álbuns não é por acaso. Nesse período, Fernanda Abreu enfrentou a morte de sua mãe após um longo tempo em coma e a separação de seu marido, Luiz Stein, que foi seu grande parceiro artístico em toda carreira solo. Foi ele quem fez todas as capas e todos os clipes de todos os discos, ou seja, a separação foi mais do que o fim de um casamento de 27 anos: foi um passo em direção a uma nova fase de sua carreira.

No novo disco, Fernanda Abreu trabalhou com novos músicos (incluindo Afrika Bambaataa) e novos produtores, mas manteve alguns parceiros antigos como Fausto Fawcett e Liminha. Na conversa que você confere abaixo, ela comenta as dificuldades de fazer um disco onde se expõe tanto (a faixa “O que ficou”, por exemplo, é dedicada ao seu ex-marido). Fernanda também reflete sobre o machismo da indústria musical e declara que seu novo disco luta contra a intolerância defendendo com unhas e dentes as virtudes do amor. Afinal de contas, “o amor é libertário”, resume.

Leia abaixo.

Você percebe o Amor Geral como um disco de recomeço?
Não sei se a palavra é “recomeço”, mas com certeza tem um sentimento de ressignificação. Porque foram coisas muito profundas que eu passei, né? Não foi uma morte simples a da minha mãe… Pra você ter uma ideia, foi o momento em que comecei a fazer análise e foi o momento em que começou a ruir meu casamento. Então, foi um período de viagem de auto-conhecimento e de ressignificação de uma série de coisas para mimn. O mais interessante é que dentro disso o amor apareceu de maneira sempre muito potente. Nos momentos mais difíceis, mais tristes, a energia amorosa era o que segurava a situação. Não só comigo. Mas pra segurar a barra do meu pai, a barra das meninas… Esses momentos foram muito inspiradores pra mim. Não no momento em que eu tava vivendo, porque eram muito difíceis, mas logo esses momentos me inspiraram a escrever o disco. Cheguei a pensar se valia a pena fazer um disco em que eu me expunha tanto. Porque as músicas são direcionadas para as pessoas, inspiradas nos momentos e tal. Depois, cheguei à conclusão de que eu não poderia fazer essa escolha, a única saída pra fazer um disco realmente verdadeiro era isso aí.

A própria composição foi uma forma que você encontrou para lidar com esses sentimentos?
Com certeza absoluta. Nessas horas a música é muito companheira e é bom ser artista porque você pode lidar com sua subjetividade toda de uma maneira concreta, transformando ela em música. Isso é muito bom, fiquei muito feliz com o resultado. Saindo um pouco da minha vida pessoal, ao mesmo tempo em que parece que o mundo anda pra trás, com as pessoas intolerantes se explodindo e explodindo pessoas, etc, uma parte da humanidade anda pra frente e a gente começa, especialmente aqui no Brasil, a pensar de forma mais efetiva a luta pelos direitos das mulheres, direito à legalização do aborto, contra o racismo, contra a homofobia, por você poder amar quem você quiser, por formas diferentes de família, por respeitar a diversidade religiosa, cultural… Isso é o ser humano avançando, na minha opinião. Então, primeiro eu pensei: “nossa, vou lançar esse disco em um momento em que as pessoas só querem falar de política, especialmente no Brasil”. Agora, na verdade eu acho que o disco tem um conteúdo político muito forte e muito libertário também. Porque o amor é libertário.

Comparando com o tom cronista de seus trabalhos anteriores, onde você comenta o cotidiano, esse disco é o mais auto-biográfico da sua vida. Foi um trabalho mais difícil em função disso?
Foi mais difícil e foi mais fácil. Mais fácil porque é de verdade, é uma coisa que você está vivendo, e mais difícil porque você tem que lidar com isso. Eu tinha muitas dúvidas, pensava: “será que eu vou fazer essa música pro Luiz mesmo? Será que eu vou fazer essa música pra minha mãe mesmo?”. Sabe? As pessoas vivem o tempo todo coisas difíceis e fáceis, mas você pode optar por escrever outras coisas. Até tentei escrever outras coisas, teve duas músicas que ficaram de fora do disco e que são sobre outros assuntos e eu deixei de lado. Provavelmente vou lançar elas daqui a pouco, porque são músicas boas, estão prontas, mixadas, mas achei que não cabiam na viagem do disco que eu propus, que é mais pessoal.

E o Luiz ficou tranquilo com a situação?
Ah, o que eu posso fazer, né? Tem que ficar (Risos) Sim, o Luis é o pai das minhas filhas e a gente conversou muito sobre o lance da capa. Porque o Luiz é um grande parceiro da minha carreira inteira, ele fez todas as minhas capas, todos os meus clipes, todos os meus cenários. Ele era a representação visual do meu som. E foi muito bom trabalhar com o Giovani Bianco, ele era um cara que sempre se disse fã do meu trabalho e a gente se encontrou na pista de dança. Existe lugar melhor pra começar um trabalho do que em uma pista de dança? Em termos gráficos e visuais, acho que esse disco tem uma coisa que remete claramente à minha essência, mas avança. Avança em termos de linguagem musical e avança em termos de linguagem de projeto visual, mas não deixa de ter a minha assinatura. Acho que todo mundo que vai pegar esse disco e ver a capa e ouvir o som vai poder se lembrar do Sla Radical Dance Music Club, mas é um disco de 2016, um disco de agora.

Apesar dos momentos difíceis, Amor Geral é um disco bem pop.
Totalmente! Eu queria fazer um disco pop porque estava sentindo falta de ouvir isso no rádio. Eu só escuto pop no funk, e no máximo em alguma coisa do hip hop, mas teve toda uma geração – que eu acho boa – de uma linguagem mais indie, aí tem a Céu, que eu adoro, a Tulipa [Ruiz], Tiê, Anelis Assumpção, um monte de gente fazendo uma linguagem interessante e uma outra galera, mais MPB jovem, fazendo uma espécie de um samba mais moderno, aí tem Mariana Aydar, Roberta Sá… São muitas cantoras que fazem um som mais voltado pra MPB, um samba mais moderno. E eu sentia falta de uma linguagem pop, pop mesmo! De você botar no fone de ouvido e ouvir do sub-grave ao agudo, com arranjos mais elaborados, punch, com linha de baixo boa pra dançar. Eu tava sentindo um pouco de falta de isso aí. Agora, eu tenho escutado algumas coisas boas de pessoas novas, da Duda Brack eu gosto, do Jaloo, do Liniker, da Mahmundi, tem um monte de gente boa e nova fazendo som. Mas eu queria meu disco pop, com punch, com pressão, um disco comprimido, masterizado fora, com a mixagem com plano, arranjos mais elaborados. Fiquei bem satisfeita.

Como foi o desafio de fazer um disco de pop contemporâneo após 12 anos afastada?
Ah, foi muito bom. Eu entrei [em estúdio] no começo de 2013 e não sai mais, fui com uma fome total. Adoro sessão de gravação, adoro trabalhar no Pro Tools com timbre, com edição, adoro entender mais de equalização, de compressão. Aprendi muito, muito, hoje eu sei muito mais do que eu sabia. Fui buscando referências especialmente de sub-grave, que eu gosto muito, e a música pop trouxe isso de uns sete anos pra cá e cada vez de uma maneira mais interessante, e fui construindo meu próprio som. Eu tenho minhas referências, gosto de música brasileira, então vai ter sempre uma linha de baixo que é mais suingada, vai ter sempre um músico tocando, não vou fazer tudo na máquina, isso aí é minha assinatura mesmo.

Essa união do pancadão com um timbre mais orgânico.
Exato, é muito importante pra mim pra ao vivo soar bem também.

Ao todo, são seis produtores no novo disco. Como foi trabalhar com uma equipe dessas?
Foi muito bom, eu sou uma pessoa que adora trabalhar em equipe. Adoro dirigir, gosto de propor coisas. A gente foi criando, eu fui trazendo coisas novas pra eles, e eles sempre estavam me mostrando um som. Aí eu falava pra eles: “Pô, tá vendo, é sempre esse som de bumbo, é sempre esse mesmo som de clap, tá vendo como todo mundo do trap tá usando a mesma coisa? Vamos sair um pouco disso?” É assim que a gente foi indo, sempre tentando sair de uma fórmula, que eu acho que atrapalha o pop.

A indústria pop lança muitos artistas que são intérpretes, que não trazem um sonoridade própria e que, dependendo das flutuações do mercado, perdem seu espaço facilmente. Você, por outro lado, está na música pop brasileira há décadas. Como você lidou e lida com essa indústria?
É, isso aí é uma coisa complicada. A música pop sempre teve um olhar e uma grana maior das gravadoras. E você pode ser um artista pop, mas você pode ser só um produto pop, a gente vê muitas carreiras frágeis, muita gente surgindo e depois sumindo e tal. Cara, o pop como eu conheço é bem esse disco que eu fiz, mas tem gente que acha que o Luan Santtana é pop. Entendeu? Agora, que que eu vou fazer com isso? Sei lá! Pra você ter uma ideia, os 20 primeiros lugares das rádios são sertanejo. Eles são os caras que estão investindo agora. Aí tem um empresário lá do agronegócio que vê uma dupla sertaneja com talento e o cara bota R$5 milhões e vai comprar não sei o que, coisas que a gravadora fazia antigamente. O funk também, se tiver com grana, vai fazer isso, vai procurar uma próxima Anitta, um próximo Nego do Borel. Esse mercado é feito um pouco assim, não só no Brasil, acho que lá fora também.
O que eu vejo hoje é que eu tô procurando o meu nicho. Meu nicho é um nicho urbano, mais moderno, mais antenado, de uma galera mais inteligente, mais libertária, menos careta. Eu acho que minha música fala pra essas pessoas aí, não importa a idade, pode ser dos 18 aos 80. Mas acho que ela fala muito mais pra galera das cidades do que do interior do Brasil, muito mais pra uma galera mais preocupada com as questões dos direitos individuais e coletivos, é por aí que eu vou. É uma grande incógnita também, não sou uma pessoa que vive com instituto de pesquisa pra saber quem é o meu público. Eu não sei, vou saber fazendo. Vou saber com a resposta do público. É claro que eu já tenho um público, se não eu não faria show, não conseguiria nem me manter. Mas essa galera nova que tá pintando, que eu vejo nas redes sociais, na minha fanpage, meninos e meninas novas, de 18 anos, que não sabiam quem era a Fernanda Abreu. Muitos desses meninos estão adorando o “Outro Sim”, adoraram o clipe, ficaram muito impressionados que eu tenho 54 anos. Eu tô tranquila. Eu sou a anti-capitalista, eu não preciso de muito pra viver. Não preciso de um público gigante, preciso de um público legal, uma galera que vá ver meu show, curtir minha música, e que comungue com as mesmas opiniões, pelo menos com o mesmo sentimento mais geral de respeito, de amor, de generosidade. E vamos nessa!

Pergunto essa questão da indústria pop também porque ela se alimenta muito de artistas jovens. Você já sentiu alguma pressão para se manter jovem, algo assim?
Ah, eu acho que isso existe sim. Mas eu sempre fui uma artista fora da curva, nesse sentido. Po, eu nunca aceitei esse tipo de pressão. O mundo da música já é muito machista, tem muito homem. Muito homem, demais, dentro de estúdio, no show bussiness, dentro das gravadoras, na banda, é muito mais homem do que mulher. Então eu sempre tive que me impor, de uma certa maneira. Sempre tentei na base da delicadeza, nem sempre foi possível. Cara, eu fico meio na minha, eu não aceito, eu ouço sugestões, mas eu não entro muito nessas ondas. Ah, que tem que fazer botox, tem que fazer plástica, por enquanto o meu medo é maior do que a minha vaidade. Quanto à juventude mesmo, eu acho que não tem muito a ver com a aparência, eu me sinto com 20 anos, tô com uma puta energia! Tô sentindo nesse trabalho que tá sendo lançado uma receptividade gigante, boa, do bem. As pessoas interessadas, instigadas querendo saber quem eu sou, o que eu falo, como é que é… Interessadas no discurso também, não só na música, interessadas na dança, interessadas nas coisas que eu me interesso. E isso é muito revigorante!

O que você está buscando na música hoje? Qual é o seu objetivo na música hoje?
Me comunicar. Não adianta fazer uma música que não comunica com ninguém. Não precisa ser com o mundo inteiro, nem tenho essa ambição, mas me comunicar o suficiente. É tão bom quando eu consigo me comunicar, eu ando pela rua e vejo esse reconhecimento. De alguma maneira minha música tá tocando o coração ou a cabeça ou os pés, qualquer coisa da pessoa já é legal. Ou pra fazer pensar, ou pra fazer dançar, ou pra fazer amar… Instigar de alguma maneira, comunicar. A música pra mim é isso.

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26/07/2016

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

Ariel Fagundes