Entrevista | A fotografia negra e documental de Lázaro Roberto

12/11/2018

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: Lázaro Roberto/Acervo Zumvi

12/11/2018

Lázaro Roberto é uma daquelas figuras de alma humilde que, com desejos sinceros e atos simples, transformou sua força em vital em prol de um projeto precioso. O menino baiano encantado pela fotografia quis registar o que os olhos viam. Os olhos já estavam bem treinados e miraram na produção cultural e política de negros e negras pelo nordeste, com ênfase na Bahia.

Através do exercício fotográfico, Lázaro tornou-se documentarista e, ao longo da sua vida à frente do Grupo Zumvi, criado por ele ao lado de Raimundo Monteiro e Aldemar Marquês, construiu um dos maiores acervos atuais sobre o Movimento Negro. Os fotogramas, que já chegam a 30 mil, são referentes ao período de 1978 a 2013, e contam com uma parcela doada por Jônatas Conceição Conceição Silva.

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Algumas dessas imagens históricas ilustram a matéria “O legado e o futuro do samba-reggae”, que fez parte da revista NOIZE #77, ao lado do vinil do disco de estreia de BaianaSystem. O acervo, improvisado na casa de Lázaro, corre risco de se deteriorar e precisa de apoio financeiro para dar vida ao Projeto Zumvi, iniciativa que visa a criação de um museu virtual. O financiamento coletivo está disponível – contribua aqui. Saiba mais detalhes sobre o projeto do financiamento coletivo. Abaixo, conheça mais do projeto através da entrevista que fizemos com Lázaro Roberto.


Foto: Lázaro Roberto/Acervo Zumvi

Como foi seu começo na fotografia?
Comecei no início dos anos 80, sou oriundo de grupos de jovens de periferia dos anos 70, e descobri a fotografia nesse universo, em grupos de artes de periferia. Foi aí que eu tive o primeiro contato com a fotografia em preto e branco. Com muita dificuldade consegui minha primeira Minolta. Eu trabalhava com uns padres progressistas italianos, eles viajavam muito e eu pedi que me trouxessem uma máquina. Ela veio com uma lente 50mm, muito limitada, mas comecei essa. Ainda em meados dos anos 80, enveredei pra fotografia de uma forma autodidata, sem fazer muitos cursos, mas lendo muito, pegando um toque aqui outro ali. No final dos anos 80, eu praticamente já dominava a técnica.


Foto: Lázaro Roberto/Acervo Zumvi

Seu trabalho traz um registro único da cultura negra de Salvador, como nasceu o desejo de documentar isso?
A minha fotografia sempre foi na área de documentação, embora eu tenha começado sem ter muita consciência. Eu me envolvi com movimentos sociais, principalmente com o movimento negro dos anos 70 para os anos 80, e acabei descobrindo que a minha fotografia era ligada a questões raciais. Salvador é uma cidade eminentemente negra e comecei a fotografar as coisas aqui da cidade, a periferia, as festas populares, o carnaval, as grandes manifestações. No final dos anos 80, eu já tinha um acúmulo de material.


Foto: Lázaro Roberto/Acervo Zumvi

Como você vê a estética da sua obra?
A minha identidade na fotografia era preto e branco, e até hoje é. 80% do meu material é analógico e preto e branco. Nos últimos quatro anos, é que tenho fotografado digitalmente. Sou um fotógrafo que trabalha muito a questão da estética negra da Bahia. As pessoas aqui tinham vergonha de assumir seu cabelo, sua roupa. Eu sou de uma época em que a gente era obrigado a alisar o cabelo, hoje em dia, fruto do movimento negro, vejo uma meninada com muito mais liberdade de se expressar e de assumir sua negritude. O movimento da consciência negra aqui é muito grande e acho que a fotografia, como veículo de imagem, em que as pessoas possam se reconhecer e se enxergar, é muito importante. Principalmente para um negro conhecer a sua história. A história do movimento negro [de Salvador], desde a primeira marcha, tá aqui no meu acervo.


Foto: Lázaro Roberto/Acervo Zumvi

O Zumvi Arquivo Fotográfico nasce como e qual era o seu objetivo?
[Em 1990], eu já tinha quase 19 anos de fotografia e eu não via fotógrafos negros na Bahia. As pessoas que a gente via aqui com máquinas fotográficas eram pessoas brancas. Tanto é que, quando eu saía na rua com máquina fotográfica, ainda era olhado como turista. A partir dos anos 80, comecei a registrar mais as manifestações culturais, muitos blocos afro e afoxés, o carnaval de uma maneira geral… Então, tenho um acervo muito rico, que possui um grande material dos blocos Ilê Ayê, Olodum, Malê Debalê, Filhos de Gandhy, e outros afoxés menores. Aí, quando eu fiz um curso [de fotografia] no Senac, naquela coisa de me profissionalizar, pensei em criar um arquivo fotográfico. Eu falava assim: “vou fotografar hoje pro amanhã”. Eu já tinha um pequeno acúmulo e fui fazendo exposições, fui sendo requisitado pra fazer ilustrações de livros e, cada vez mais, as pessoas, sabendo da minha preocupação, foram me doando negativos. Isso me proporcionou a criar o Zumvi Arquivo Fotográfico com outros fotógrafos, mas eles tiveram que sair porque fotografia não dava dinheiro, acabamos ficando sozinhos nessa luta.


Foto: Lázaro Roberto/Acervo Zumvi

Qual é o tamanho atual do acervo?
Passa dos 20 mil negativos.

Tem ideia de quantas exposições já fizeram?
Eu acho que, desde os anos 80, foram umas 30 exposições, principalmente em Salvador. No ano passado, fiz uma exposição com a Fundação Pierre Verger sobre a questão da estética [negra] até os dias hoje.


Foto: Lázaro Roberto/Acervo Zumvi

Qual são os desafios que o Zumvi enfrenta hoje?
A gente busca a digitalização do acervo, uma atenção maiores dos poderes públicos aqui de Salvador, e também conseguir um espaço pra fundar a Casa da Memória Negra na Bahia. A gente não tem um espaço, vive na minha residência. E mais divulgação pra que outras pessoas de Salvador, de fora do Brasil, conheçam. Acho que o Zumvi tem importância principalmente pra educação, esse trabalho tinha que estar dentro das escolas, eu fotografei pra isso, depois veio a lei 10.639 [que estabelece a obrigatoriedade do ensino de “história e cultura afro-brasileira nas escolas] está aí pra isso. Nosso acervo tem desde a questão do mercado de trabalho do negro em Salvador até a estética, várias questões que fazem parte da vida social do povo negro da Bahia. O que eu fotografo pode contribuir muito para a valorização da cultura negra e do negro de forma geral.

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12/11/2018

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