Entrevista – Júpiter Maçã passa a carreira a limpo

21/08/2009

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

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21/08/2009

Por Leonardo Bonfim

Quem esbarra hoje com Júpiter Maçã, sereno, completamente careca, mal reconhece a figura errante que se aventurava pelas alamedas de Porto Alegre nos últimos anos. Respirando novamente os ares de São Paulo, Júpiter vive outra fase. Depois de uma temporada na casa de campo da irmã, o compositor gaúcho volta à cena prometendo um disco, possivelmente duplo, para 2009.

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Agora você está morando novamente em São Paulo, já foi pra Europa duas vezes, vive em um eterno vai e volta por Porto Alegre. Você se considera um “nowhere man”?

Se for analisar do ponto de vista da canção, muito bela por sinal, na verdade é um “nowhere man”, mas ele tem “nowhere plans”, é um modo de vida existencial, retrato de impotência perante várias circunstâncias que o John Lennon vinha passando no período.

Sobre essa associação ao território, eu me considero. Mas a minha paixão maior, a cidade que sou louco, é Porto Alegre. É impressionante a força que esse lugar exerce em mim.

Sou um cara que se encontra viajando, sem estar fixado em algum lugar, na verdade é quase uma exigência da minha existência, parece que não tenho o que se poderia chamar de ponto de referência.

Às vezes sou carente disso, do cantinho único, daquilo que as pessoas chamam de porto seguro. A aventura transcende o que se entende por limites estabelecidos.

Você está morando em uma chácara?

Eu tive uns tempos de reflexão, uma espécie de auto-retiro na casinha de campo da minha irmã no interior de São Paulo. Pode se entender como um retiro mesmo. E acabei compondo, foi bastante lucrativo a nível criativo.

Isso eu não esperava, quando vi começaram a fluir as canções e comecei a organizar um álbum praticamente pronto pra começar a ser gravado.

Qual é a orientação sonora desse novo disco?

Com exceção do Bitter, que é uma visita total as minhas raízes, as minhas influências, eu sempre acho que o álbum que prossegue vem completando o anterior. Isso acontece com o que está sendo feito.

É bastante forte a presença do Uma Tarde na Fruteira, mas vai encontrar elementos do Plastic Soda e, por que não, da Sétima Efervescência. Ele segue completando o que vinha sendo feito. É uma seqüência, cantando em inglês e português.

Eu sempre separava em conceitos, ou em inglês ou em português, dessa vez fecho o conceito na mistura das duas línguas que supostamente domino. Ele talvez seja duplo pra que eu organize o meu relógio, o timing, quero captar o mesmo momento para todas as canções.

E sobre as letras do próximo disco? Uma coisa que poucas pessoas percebem é que o Uma Tarde na Fruteira é incrivelmente erótico, músicas como “Mademoiselle Marchand”, “Plataforma 6″… Você canta sobre muitas coisas que já cantava na época dos Cascavelletes, mas com uma sofisticação, um refinamento poético.

Eu acho que o meu estilo poético já vem sendo moldado ao longo da minha carreira. Acredito que esteja havendo uma espécie de aprimoramento, acho que as letras do próximo disco seguem essa linha do Uma Tarde na Fruteira. E também do Plastic Soda, que acho bastante poético.

O disco segue o caminho dessa sofisticação que você falou, desse refinamento.

Uma pergunta inevitável. Um dos seus maiores sucessos é o vídeo dos Cascavelletes tocando “Eu Quis Comer Você” no programa Clube da Criança da Angélica. Como foi isso? Alguém foi demitido depois?

Não que eu saiba. O clima foi festivo, pra banda foi natural. A gente estava no camarim, como qualquer show de televisão, nós entramos, tocamos, todo mundo dançou, cantou, acabou o show, agradecemos e fomos embora.

Do camarim para o palco, do palco para o camarim. Foi completamente natural na época, uma vez que a gente havia sido convidado pra participar e as pessoas conheciam o repertório. Acharam um pouco engraçado, acham até hoje (risos)!

E como foi começar a carreira tão novo? Você era um adolescente quando estourou com TNT e, logo depois, Os Cascavelletes.

Isso foi uma faca de dois gumes. Foi muito legal por um lado, porque você começa muito cedo e isso te incentiva a continuar, você fica completamente voltado pra essa coisa das artes.

Isso pode te deixar um pouco inconseqüente na medida em que você é muito jovem ainda e não tem todos os parâmetros pra saber, de fato, qual é a sua obra. Felizmente os trabalhos que fiz, TNT, Cascavelletes e até o Woody Apple, são coisas bastante coerentes.

Eu olho pra trás e acho super bacanas, mas por outro lado esse espírito que pode ser considerado um passo além do aventureiro, um aventureiro nato, também fica à flor da pele, é preciso saber lidar com isso para obter resultados precisos, lúcidos.

Essa fase Woody Apple, como foi? Você estava chegando em São Paulo…

Eu comecei a vir pra São Paulo, era uma obsessão por ser Bob Dylan. Agora é um cara que está de na moda, as pessoas querem usar os óculos do Dylan, “Don’t Look Back” é um filme hypado, mas eu estava nessa fissura naquele período.

Eram poemas épicos que eu escrevia e não esquecia uma vírgula. Tocava todas aquelas letras de ponta a ponta, sem refrão, bem ao estilo do Dylan. Woddy Apple não aconteceu, hoje é cultuado, mas não aconteceu.

Desse período, o que tirei de muito proveitoso é que meu exercício da escrita foi bastante desenvolvido. O ato de escrever. Por exemplo, você detecta Woody Apple em “Pictures and Paintings”, conexões surrealistas, embora seja uma canção bastante eletrificada e vestida a la mod.

E os Pereiraz Azuiz? Muita gente confunde com os irmãos Caruso, que gravaram “A Sétima Efervescência”. Que banda era essa?

Os Pereiraz Azuiz eram uma banda na noite do Bixiga, quando o bairro já vivia uma certa decadência. Eles tocavam muito bem num bar chamado Persona. E eu, solteiro, sozinho e solitário, vagava por ali, tomando umas cervejas à luz de velas.

Então vi esses caras tocando e cheguei pra eles: “Olha, estou completamente sozinho, sou compositor e tenho essas músicas aqui”, que viriam a ser A Sétima Efervescência.

Os caras chaparam no som e toparam ser minha banda de apoio. Uma das poucas coisas que a gente fez foi aquele programa de rádio que acabou se tornando antológico, de certa forma é um ensaio da Sétima. São músicos muito talentosos.

Quando você estava gravando o A Sétima Efervescência, já imaginava o sucesso que seria?

Nenhuma noção mesmo. Eu adorava ouvi-lo do jeito que as músicas soavam. Mas tudo que me importava era agradar aquele nicho de mods ortodoxos.

Eu era um cantor que queria ser folk-rock, mas queria agradar aquelas pessoas, eu estava muito entusiasmado e contagiado pelo clima do early Garagem Hermética e pelas garotas, pela simpatia dos rapazes. Acabei me tornando uma espécie de ícone pra aquela turma.

Posso dizer que praticamente fiz o disco para aquela turma.

A turnê do disco, já com Júlio Cascaes no baixo e Marcelo Gross na bateria, acabou virando um evento. Há registros de shows memoráveis, já ouvi você dizer os três tomavam um ácido antes de entrar no palco e sempre batia durante “Novo Namorado”, por isso ela ficava tão longa…

Era maravilhoso. A gente entrava em transe no palco e era fantástico obter o retorno, quando a gente percebia que o público estava sintonizado, que aquilo estava acontecendo de verdade.

Todo mundo estava levando muito a sério, então isso tudo aumentava a energia das nossas performances. Bem nesses moldes que você colocou.

A gente não estava brincando de psicodelia, estava vivendo intensamente, não era um período que ficaria se repetindo, estava acontecendo naquele momento.

E logo depois você surpreendeu todo mundo com o Plastic Soda. Como foi essa mudança?

Foi um grande mergulho no meu intimismo. A sonoridade softly da bossa junto com aqueles poemas acabou traduzindo toda a situação que eu me encontrava, de leveza e delicadeza. Eu acho o Plastic Soda um álbum extremamente delicado.

Uma Tarde na Fruteira é sempre elogiado, mas não repetiu o sucesso da Sétima Efervescência. Parece aquele tipo de disco que vai virar cult daqui a trinta, quarenta anos.

Uma Tarde na Fruteira é um mistério, se for pensar bem, ele nunca foi lançado oficialmente. Na verdade ele vazou, então era um sucesso da internet. Eu ia tocar as canções novas, achando que elas eram novas e as pessoas sabiam a letra toda.

O disco começou de um modo todo peculiar, mas eu estava lendo uns comentários da imprensa alemã, que foi conhecer quando ele foi lançado na Europa, e existe uma simpatia, como A Sétima Efervescência foi recebida pela imprensa nacional.

Os alemães realmente foram bastante atenciosos e mimaram, acariciaram o disco. Na Europa eu era uma novidade, as pessoas não sabiam exatamente o que procurar, como se fosse meu disco de estréia. Aqui foi como um presente que veio antes do pacote fechado.

Você parece aquele tipo de artista – como John Lennon, Godard, Bob Dylan – que sofre uma influência direta das mulheres que estão ao seu lado. Qual é a importância das mulheres da sua vida no seu processo criativo?

É intensa. Realmente não é uma coisa que eu divida. As pessoas andam juntas, na Sétima Efervescência eu cantei e escrevi para uma boa gama dessas mulheres.

Acho que em outros trabalhos pode-se detectar que escrevi diretamente para uma ou outra, ou até mesmo montei um personagem em cima de duas ou três mulheres. De fato é uma presença bastante notória, eu mesmo reconheço que sim, é decisivo.

Hoje você está mais para “Lugar do Caralho”, com cerveja barata e pessoas chapadas ou para “Beatle George”, com mantras e krishnas?

Eu estou numa certa crise de revisitação… Crise não, só um processo de auto-análise, de autocrítica bem severa, então às vezes quero ser um pouco mais “Um Lugar do Caralho”, mas sinto até um pouco de medo.

Às vezes quero ser “Beatle George”, mas não me sinto completamente preparado. Eu estou começando a achar que realmente devo encontrar um meio termo entre os dois.

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21/08/2009

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