Entrevista | Mahmundi no olho do furacão

23/05/2016

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Daryan Dornelles/Divulgação

23/05/2016

Já faz cinco meses que a carioquíssima Mahmundi trocou seu ensolarado Rio de Janeiro pela garoa de São Paulo. Se as paisagens azuis e laranjas tornaram-se menos comuns do que os tons acizentados na vida da artista, isso não é problema algum. Muito pelo contrário, fora do seu local de origem a cantora tem tido a oportunidade de descobrir novas facetas de si mesma, como ela nos conta nesta entrevista exclusiva.

Conversando conosco de frente pro Minhocão, Mahmundi revelou como tem se sentido no meio do furacão que sacode sua vida desde o lançamento do seu disco de estreia. Dê play abaixo para entrar na atmosfera solar da artista e siga abaixo para sacar o que está se passando pela cabeça dela.

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O disco fez seu trabalho se expandir ainda mais, como você está se sentindo com tudo que está acontecendo ao seu redor?
É um sentimento de dever cumprido, de quem sempre imaginou isso desde jovem. É um trabalho que está crescendo desde os EPs e eu fico feliz que ele esteja tomando agora uma forma maior. O disco físico saiu legitimando ele, isso me deixou muito contente.

Quando você começou, Mahmundi era um projeto liderado pela Marcela Vale. Mas hoje você é a Mahmundi. Como foi esse processo pra ti?
Foi o processo de entender que eu deixei de produzir um projeto pra me tornar uma artista em quem eu iria investir. Isso foi muito bonito, muito especial. Tive a ajuda de muitas pessoas ao meu redor, diretores artísticos como o Hugo Braga, que fez meus clipes, e dos meninos que tocam comigo, uma galera jovem que me fez entender que era necessário tomar essa postura. E nem por uma estratégia de marketing, mas porque aquilo acabava me tornando uma pessoa só. Isso aconteceu quando eu comecei a me ver atuando nos clipes, nas fotos do disco… Quando eu vi a capa do disco acontecendo, com toda sua transição do dia pra noite, do que eu era pro que eu estava me tornando, naquele momento eu vi que eu não podia fugir daquilo, que era uma coisa só. Aconteceu na música também, teve um momento em que eu queria ser produtora e encontrar uma cantora e, de repente, eu estava ali cantando e entendendo que eu não podia anular aquele processo que era meu. Hoje eu sinto uma paz mais completa. Uni isso tudo, na verdade, com a colaboração de muitos amigos.

Houve a construção de um personagem nesse processo?
Não de um personagem… Talvez de uma personalidade, e não um personagem. Eu acabei olhando para lugares onde eu nunca tinha me visto. Por exemplo, eu sai na Vogue e dei entrevista pra vários blogs de moda. Mas acho que eu fui mais descobrindo como é esse processo do que criando um personagem, acho que eu nem conseguiria fazer isso. Fui me entendendo melhor, fui me descobrindo, e isso que é bonito nessa coisa de fazer arte. Você vai vivendo histórias e as histórias vão sendo contadas, e não é exatamente você que tá contando. Isso acontece quando o outro lhe vê, quando pessoas ao redor lhe enxergam. Quando vi, me percebi sendo a Mahmundi. Tenho até pedido para as pessoas não usarem mais Marcela Vale porque eu quero tomar conta desse lugar e de fato ser a mulher que está na capa daquele disco.

E como você está lidando com a exposição que vem ao se tornar uma pessoa pública?
Como esse processo não é planejado, eu tô tendo que entender na prática coisas simples. Tipo, camarim não é pra você ficar se divertindo com seus amigos, é um momento pra você se concentrar. Eu continuo fazendo as mesmas coisas e vivendo do mesmo jeito, mas é óbvio que chega um momento em que você se dá conta de que é necessário ter mais disciplina porque seu corpo não aguenta, sua cabeça não aguenta. Quando eu vejo as pessoas tratando os artistas de um modo muito diferente, como no Nordeste, onde eu vi pessoas chorando no meu show, eu fico até assustada. Porque eu também tenho a idade deles, eu gosto das mesmas coisas que eles. Então, será que existe essa diferença? Na cabeça deles, sim, na minha, não. Essa coisa de exposição pública, o que tem que estar sempre à frente é a música, prefiro que ela esteja falando por mim, que a música continue sendo o centro da atenção. Eu vou manter a mesma consciência e a mesma brisa que me envolve pra ficar de boa com isso.

Você já imaginava que chegaria a esse ponto?
Claro! Sempre foi muito claro na minha cabeça. Sim, eu imaginei, tô dando o melhor de mim desde os nove anos de idade. Eu lido com muita tranquilidade porque sempre soube que isso ia acontecer. Não é nenhuma prepotência, é uma certeza de quem eu sempre fui. Sempre tive certeza de poucas coisas, mas uma delas era que de música era realmente o que eu queria fazer. Por isso que eu sempre convido as pessoas a descobrirem o que elas realmente gostam de fazer. Quando você gosta do que faz e faz o que gosta, o mundo melhora.

Que lado seu você trouxe pro disco que não havia aparecido nos EPs anteriores?
Eu passei meses montando o CD com faixas diferentes antes de definir essa lista e levar mixagem e masterização. Aí, em algum momento resolvi sair do computador e tocar mais, chamar o Lucas Ferreira (tecladista) e o Felipe Veloso (baixista) pra gente tocar mesmo. Antigamente, eu fazia muitas sessões no computador, aí falei pra gente plugar o baixo e o teclado pra fazermos mais jams. Comecei a querer trazer uma musicalidade mais viva, e não exatamente minha, foi um processo de muitas trocas. Apesar de serem minhas as linhas do baixo e os grooves todos, as mãos dos meninos e a comunicação musical com um baixista e um tecladista foi importante, me trouxe um frescor ao não fazer exatamente tudo no computador. Em “Hit”, por exemplo, eu fiz criei os synths e os moogs no computador, mas falei pros meninos: “vamos fazer na mão, vamos fazer tocando”. Acho que foram essas parcerias humanas que me trouxeram para um outro processo. Porque aí eu montei um novo set pro disco. Aí entraram músicas como “Azul” e “Wild”, que tem essa coisa do Luquinhas, de ele ser beatmaker e fazer trap, e minha coisa do piano clássico. Tem duas vertentes se comunicando.

Você é uma artista que domina muitas fases do processo. Isso facilita ou dificulta o trabalho com outras pessoas?
Facilita… Não sei exatamente. Na verdade eu produzo tudo, mas os arranjos do disco eu já fiz com outros músicos. Eu tô fazendo isso há quatro anos, já fazia isso com o Lucas Paiva antes, aí no EP Setembro eu fiz tudo sozinha, que era um trabalho mais intimista. Mas enfim, acho que não dificulta não, é agregador. O que tem que rolar é a sinergia com a música. Quando não é mais sobre música, não me interessa.

E você se mudou pra São Paulo faz pouco tempo. Como você imagina que isso vai influenciar sua obra?
Eu amo muito o Rio e toda admiração que eu tenho por ele. São Paulo tem me trazido muito um olhar sobre o outro, a cidade está sempre em trânsito e as pessoas estão sempre servindo esse lugar com o maior carinho. As relações aqui são muito diferentes, tem uma lealdade, as pessoas vão se abrindo aos poucos, mas quando se abrem viram seus amigos. E não é como o Rio onde você dá de cara com o mar, isso está me fazendo entender um outro lado de mim. Às vezes eu acordo e o dia está cinza, e aí? Não tem aquele momento de fim de tarde azul e laranja, mas tem os monumentos, tem os grafites, tem muita gente andando de bicicleta, e lutando por coisas. Eu ainda tô me adaptando, mas acho que daqui vai sair um disco solar, por conta dessa aura que me acompanha, mas falando mais e mais sobre o outro.

Menos Arpoador e mais Minhocão.
É, exatamente! (Risos) Tô de frente pra ele agora [pro Minhocão]. Daqui a pouco vou dar uma passeada na minha “orla”.

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23/05/2016

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

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