O tempero da Carne Doce

20/07/2017

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Carolina Santos

Por: Carolina Santos

Fotos: Ariel Fagundes

20/07/2017

Colaboração: Ariel Fagundes

Com quatro anos de existência, a banda Carne Doce colhe os bons frutos do amadurecimento com uma agenda de shows bastante movimentada. Hoje, o grupo já é um dos maiores nomes do cenário independente nacional, que se apaixonou por seu som que mistura MPB, indie rock e psicodelia longe de uma zona de conforto, com tom provocativo e experimental. Capitaneada pela voz vibrante e as letras passionais de Salma Jô, a banda se completa com o baixo de Aderson Maia, a bateria marcial de Ricardo Machado e o sintetizador de João Victor Santana, que também assume a guitarra junto a Macloys Aquino (que, em sua vida pessoal, forma um casal com Salma).

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Após o EP Dos Namorados (2013), o álbum de estreia Carne Doce (2014), e o aclamado Princesa (2016), a banda encontra-se viajando como nunca. Hoje, eles tocam em Curitiba, amanhã em Joinville, depois em Blumenau e Florianópolis… Nos dias 26 e 27/7, acontecerão dois shows em Porto Alegre, e, no dia seguinte, a banda se apresenta no Rio de Janeiro; dia 29, em Niterói, no Festival Imaginário; 4/8, em Brasília, no Festival CoMA; 18/8, em Belo Horizonte; 25/8, em São Paulo.

Em meio a uma agenda frenética de palcos e quarto de hotel, Salma Jô encontrou um tempo para conversar com a NOIZE. Com franqueza e objetividade, ela comentou o seu momento atual, as particularidades da cena musical goianiense, sua vida profissional ao lado de Mac, como foi seu contato com os estudos feministas e a repercussão que seu trabalho teve perante círculos de militância. “Em ‘Falo’, apesar de ser hoje popular, eu sinto às vezes que falhei justamente por esse tratamento de ‘hino'”, exemplifica a artista que revela ainda que o Carne Doce já está compondo seu próximo álbum, ainda sem previsão de lançamento.

Confira abaixo.

Foto: Ariel Fagundes

O Carne Doce é fruto da cena goianiense, como você vê a interação entre as bandas lá?
Goiânia tem muitas bandas, mas no geral a interação é mais tímida, a gente divide pouco, seja sobre o som, seja sobre o auto-gerenciamento. É claro que ali tem uns dois ou três grupos amigos, parcerias fiéis, mas no geral sinto que tá cada um no seu canto e achando bom assim.

Como você analisa a atuação de selos e coletivos no fomento da cena independente? Você vê a formação de novos coletivos regionais como um caminho?
Talvez seja ignorância a minha, mas eu vejo o caminho de uma banda independente como um ralar bem solitário. Quando começamos, não nos pareceu que um selo seria assim de grande ajuda, mas sim que, no final das contas, a gente acabaria trabalhando do mesmo tanto e nas mesmas tarefas e ainda devendo. Não sei como está hoje. Das referências de carreiras e iniciativas independentes de sucesso que me veem à cabeça, todas são particulares.

Que importância os festivais tiveram na trajetória da banda? O que esses eventos têm de melhor e de mais complicado? Que pontos fracos vocês enxergam no circuito de festivais que há hoje no Brasil?
Num festival, tem o risco de [um grupo] ficar dissolvido num line-up muito grande, competindo com outro palco, num dia que não combina muito com o projeto… Risco de não passar o som, de ser preterido pelos jornalistas que cobrem o evento, coisas assim. Mas os festivais trazem sim certa credibilidade, um carimbo de show vendável, e também lhes apresentam a muita gente (público e outros artistas). São experiências de palco que, no nosso caso, nos enchem de energia e responsabilidade e empenho, gosto demais. Tem todo tipo de festival no Brasil, de todos os tamanhos e tratamentos e níveis de profissionalismo, e às vezes variando em qualidade nesses aspectos, mas no geral tivemos experiências muito felizes.

Todas as canções tem um tom muito intimista, tanto quando fala de experiências do mundo feminino quanto quando o tema são relações de casais. Macloys e Salma podem ser vistos como personagens das suas próprias músicas? Considerando isso, como o resto da banda se integra e se aproxima das composições?
Eu não deixo eles se aproximarem das letras, rs. Nem sei bem como faço isso, mas sei que faço. Eu não toco nenhum instrumento, e eu não quero ser só a cantora porque eu ainda não posso ser só a cantora, não tenho voz pra isso. Minha maior contribuição são as letras, que eu acho boas mesmo, e eu escrevo sozinha e isolada, me apavora um bocado a ideia de fazer letra em conjunto. Ou o Mac me mostra uma base e eu lanço a letra em cima, ou eles criam algo junto e eu lanço a letra, tem sido assim.

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Como a figura do casal Salma-Mac interfere na imagem da banda? Há algum estigma de “banda de casal” ou não? Como essa imagem foi mudando ao longo da carreira da banda?
Não tem estigma nenhum. E ainda tem gente que nem sabe. Ninguém lê nada, então a gente sempre teria que constantemente tirar e postar foto da gente se beijando ou se acarinhando pra firmar essa imagem. No primeiro EP, a gente investiu nisso porque ali a gente nem tinha banda ainda, começamos a banda para tocarmos o EP, e daí viramos banda, mas ainda somos um casal, e somos o casal que gerencia a banda e que faz a maior parte das canções.

Como o feminismo entrou na sua vida? Como reflexos desses estudos começaram a aparecer na sua criação? Que impactos esse processo teve no trabalho da banda? Ampliou ou mudou o público?
Entrou como entrou na vida de todo mundo nesses últimos anos, via internet, facebook, reportagens. Eu tive de falar disso porque é um assunto que me intriga e eu sempre falei de coisas que me intrigam. Sinto que parte das letras foram lidas mais superficialmente sobre um viés militante por quem é militante (ou afinado) ou por quem teme essa militância. Uns interpretaram como se eu estivesse sempre denunciando. Na mesma, mas do outro lado, outros viram como se eu estivesse apenas jogando pra galera. Mas eu quis bem mais que isso. Ampliamos nosso público porque quem já compreendia o primeiro disco compreendeu o segundo.

Foto: Ariel Fagundes

Cantar em uma banda formada por homens e em uma cena musical que normalmente é ainda dominada por muitos profissionais homens trouxe novas percepções sobre como o machismo se expressa? Quais?
Novas não, pra falar a verdade, apenas as mesmas. Apenas a continuação de tudo o que a gente vive por aí, em família, em comunidade, em outros trabalhos. O normal.

Algumas canções da banda estão sendo tratadas como hinos feministas, como “Falo”, “Artemisia” e “Cetapensâno”. O que vocês pensam sobre isso? Existe algum “peso” pela responsabilidade de transmitir essa mensagem?
“Cetapensâno” eu apenas imaginei dois caras brigando num bar já meio bêbados e um solta um ato-falho. Não tem nada demais. O Adão Iturrusgarai fez um quadrinho com o mesmo tema, acho que se chama Insultolândia, vi publicada meses depois de começarmos a tocá-la. É só uma ceninha engraçada. “Artemísia” é tão arrogante que eu não acredito que ela possa ser hino. Em “Falo”, apesar de ser hoje popular, eu sinto às vezes que falhei justamente por isso, por esse tratamento de “hino”. Eu devia ter deixado ela mais ‘carne doce’, com uma personagem que deixasse mais claro a sua tirania talvez, a sua imoralidade. No meu projeto ela era bem mais sobre alguém em instabilidade do que sobre alguém exemplar.


“Artemísia” é um relato particular sobre um caso de aborto. Vocês receberam muitos depoimentos sobre esse assunto depois que a música foi lançada?
Algumas meninas me confidenciaram pessoalmente a mesma experiência.

Vocês percebem algum aumento recente no número de artistas mulheres na cena musical independente? Se sim, ou se não, a que vocês atribuem isso?
Não sei se aumentou o número de artistas, parece que elas sempre estiveram por aí e aos montes. Acho que é mais o tema da mulher como artista que está mais em destaque, e também a arte sobre o feminino e sobre o feminismo, e sobre questões de identidade e gênero.

Quais são os próximos desafios para a banda? Quais são os objetivos traçados?
Compor o terceiro disco, ampliar agenda e público, basicamente.

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20/07/2017

Social Media e frequentadora assídua do Twitter (@caroldeverdade).
Carolina Santos

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