Exclusivo | A dança solitária em fotos analógicas de Luiza Lian no clipe de “Geladeira”

17/09/2020

Powered by WP Bannerize

Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Reprodução

17/09/2020

Seu coração pode estar dentro ou fora da geladeira, mas ele não estará imune à sensibilidade poética que o novo clipe de Luiza Lian evoca. O vídeo para “Geladeira” é fruto de um ensaio da artista em parceria com Pauli Scharlach: artista trans-multi-disciplinar colecionadorx de fragmentos e detalhes, que pesquisa os significados do atravessar fronteiras e a criação de traduções. Elu foi responsável por conceber, produzir, editar e fotografar tudo com uma câmera analógica de lente 28 milímetros.

A casa vazia contrasta com a presença e os movimentos dos objetos que Luiza Lian manipula. Uma linha tênue que mobiliza solidão e solitude, vazio e presença, despedidas ao que se foi e boas vindas ao que virá. Tudo em diálogo com a lírica da canção, composição em parceria com a escritora Leda Cartum. Fotografado há dois anos, só agora o material dá vida ao clipe de “Geladeira”, último single do disco Azul Moderno (2018, selo Risco). O título, inclusive, se transformou em um vinil translúcido e inspirou a revista NOIZE #86 no lançamento #022 do NOIZE Record Club.

*

A estreia do vídeo é uma exclusividade para NOIZE. Abaixo, solte o player para assistir e aproveite para conferir um papo com Luiza Lian sobre sua relação com a fotografia em meio ao isolamento social, a ressignificação do espaço da casa e a relação com as imagens após dois anos.

Luiza, a sua relação com a fotografia mudou agora no isolamento social? Tem fotografado e postado na mesma frequência de antes?
Tenho fotografado pouco e postado quase nada, mas no último mês revisitei um monte de imagens que fiz e nunca postei: viagens, turnês e até imagens mais antigas, de vida. Olhando mais para as memórias. Tenho pesquisado também mais artistas fotógrafos, pra desopilar os olhos de tanta imagem instantânea. Sempre fui muito apaixonada por fotografia, esse clipe me fez relembrar isso. Meu padrasto, Adi Leite, é fotógrafo e me ensinou muito sobre a história da fotografia. Tenho pensado nas nossas conversas sobre fotografia em filme e o momento de fotografar como um momento decisivo, um momento de escolha. Às vezes parece que com a fotografia digital é diferente, não fazemos muitas escolhas, tiramos 20 fotos com micro variações e depois escolhemos o nosso ângulo com menos defeitos. Como geração estamos desacostumados a fazer escolha, a encontrar resistência no fazer das coisas. Tudo é muito, tudo é manipulável e se transforma no que você quiser.

Geladeira” é uma das composições mais sensíveis de Azul Moderno. A partir de uma observação atenta da letra e agora, com o clipe, pensei muito em Virgínia Woolf e o conceito de “Um teto todo seu”, no qual ela fala que a mulher precisa de um espaço em sua casa, de canto e de tempo para sua produção. O que casa, artisticamente falando, simboliza para você?  
Não conheço esse livro da Virginia Woolf, mas fui ler um pouco sobre por causa da sua pergunta e já coloquei ele na minha lista de leitura. Eu sou uma pessoa extremamente caseira. Quanto mais intensificava minha rotina de shows, mais necessidade eu passei a sentir de ficar em casa, cuidar desse espaço interior. Seja pra ficar recolhida, seja pra receber amigxs queridxs. Estar com uma boa energia na casa é fundamental para conseguir produzir, criar, recarregar minhas forças. Eu tenho um monte de cadernos de diferentes momentos da minha vida que eu sempre revisito, redesenho ideias antigas. A casa pra mim também é esse espaço de memória, de rememorar, de reconfigurar e renovar a partir da memória.  Faz uns três anos que moro em uma casa que divide espaço com o selo RISCO e estúdio Canoa, então, pelo menos antes da pandemia, era uma casa bem aberta a quem aparecesse por ali. 

O imaginário doméstico é habitado pela figura da mulher – como isso inquieta você e como você busca retomar esse espaço de uma forma potente? 
Pra fazer essa música, eu e a Leda falamos muito sobre nossas avós e nossas heranças invisíveis. Nas muitas faces das relações delas com suas casas, com seus sonhos, seus projetos de vida, e como isso reverberou em nós. Somos nascidas em um outro tempo, outro mundo, com muito mais possibilidade de ser e sonhar, construir a própria trilha. Nessa música e nesse clipe a gente brincou com o fato de que no interior de uma casa existem desdobramentos infinitos de nós. Eu penso que a casa – associada à figura da mulher é, na maior parte das vezes, o símbolo máximo de uma cultura patriarcal que subjuga, reprime e prende a mulher nesse papel sufocante de dona de casa. Mas acabou se tornando para muitas um campo de força, seu espaço de magia, de poder, de reconfiguração interna, de expansão, hackeando os papeis que estavam dados para conseguir existir de um jeito melhor. Nós herdamos isso também, junto com todo o lixo que herdamos de uma sociedade machista e patriarcal.

As fotos que hoje dão vida ao clipe foram feitas há dois anos. Lembra do que sentiu e achou delas na época? O que elas emanam para você agora, depois dessa passagem de tempo?
É engraçado porque Pauli é umx amigx muito importante na minha trajetória, nós fizemos faculdade de Artes Visuais juntes e também crescemos  juntes enquanto artistas. Aquela casa era a casa dos pais delx quando eles estavam saindo de lá. Vivemos uma fase importante da nossa vida ali, e fazer o clipe foi um jeito de nos despedirmos, esvaziarmos a utilidade daqueles objetos pra criar nosso universozinho particular, nosso ritual de Adeus. É um clipe sobre casa, sobre mudanças e despedidas, e ele cabe perfeitamente nesse momento de pandemia, que intensificou nossa relação com nossas casas. E cabe na minha vida particularmente nesse momento, encerrando um ciclo de Azul Moderno, mudando de casa, mudando de ciclo de vida. 

Tags:, , , , , , ,

17/09/2020

Brenda Vidal

Brenda Vidal