Exclusivo | Alvaro Lancellotti navega nas faixas do seu novo disco: “Canto de Marajó”

14/10/2016

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Clara Carvalho/Divulgação

14/10/2016

Um vento marítimo trouxe hoje o segundo disco solo de Alvaro Lancellotti às plataformas digitais. Encharcado de referências praianas, Canto de Marajó foi produzido pelo próprio Alvaro ao lado de Adriano Sampaio, Daniel Medeiros e Pedro Costa e foi mixado pelo Mario Caldato Junior. O álbum será lançado com um show no Festival Levada, no Rio de Janeiro, nos próximos dias 28 e 29 (saiba mais), mas você já pode ouvi-lo na íntegra abaixo.

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Flutuando entre as marés do samba contemporâneo, Canto de Marajó é um disco de “macumba romântica”, como Alvaro Lancellotti define abaixo. Pedimos ao músico que comentasse todas as faixas do seu novo álbum e o resultado foi um mosaico afetivo das suas lembranças. Descobrimos assim que Alvaro viveu na pele a cultura dos bailes funk nos anos 90, que compôs uma música regando a horta com seu filho de 3 anos e que o Jorge Ben, para ele, “é a coisa mas incrível da nossa música”.

Unido os beats eletrônicos de Domenico Lancellotti à percussão orgânica de Adriano Sampaio e à harmonia mântrica do violão de Pedro Costa e do baixo de Daniel Medeiros, Canto de Marajó apresenta um oceano de sons. Mergulhe abaixo:

“Balé”

Venho brincando que esse é um disco de “macumba romântica”. E escolhi essa música para abrir o trabalho justamente porque acredito que ela traduz bem esse apelido. Traz um romantismo forte – a linha melódica bebe quase que só dessa água. Acho que deve ser fruto da lavagem cerebral que “sofri” em casa. As canções do meu pai (Ivor Lancellotti) ficaram por aqui, em mim.

“Canto de Marajó”

“Canto de marajó” foi uma frase que veio junto da melodia. Às vezes isso acontece, muitas vezes eu descarto essas frases e troco por outras quando sento para escrever a letra. Mas eu resolvi ficar com essa porque gostava da sonoridade da frase, da palavra. Continuei escrevendo a letra para a melodia que eu criava em cima de um riff em sete. Foi a primeira vez que fiz uma canção a partir de um riff. Geralmente eu não acreditava nessas canções que saiam assim direto da cabeça, achava muito fácil e tinha receio de que seriam melodias “lugar comum”. Me livrei dessa crença! E acho que esse formato de canção que eu entreguei pro Pedro Costa harmonizar enriqueceu bastante meu trabalho porque com elas fui para lugares harmônicos que não conseguiria ir com meu violão. Depois de terminar, fui buscar o significado de marajó no dicionário Tupi, porque não queria que fosse somente uma referência à ilha. Foi lindo descobrir que marajó quer dizer anteparo. Era o termo usado para dar nome aos bancos de areia que protegem a costa do mar. Por outro lado, um obstáculo ao mar para chegar à costa.
Toda a letra que vem depois do refrão eu fiz antes de saber o significado e fiquei realizado porque pra mim fez muito sentido. Um canto de anteparo para “se proteger sem deixar de ir…” Resolvi que seria esse o nome do disco.

“Vejo”

Essa faz parte de uma leva de músicas que fiz sem o violão. Foi a primeira vez que me permiti isso, e creio que funcionou pro disco porque o Pedro Costa (violonista/guitarrista) acabou levando essas músicas para lugares harmônicos que até então não faziam parte do universo das minhas canções. Como eu frequentei muito baile e escutei muito funk carioca na década de 90, eu sempre associo essas melodias (como a de “Vejo”) com esse lugar. E entendo também que esse lugar é muito comum aos pontos e as giras, à música de terreiro que eu tenho muita admiração. Gosto de fazer esse tipo de melodia, puxar no mantra, mas não usar na letra a linguagem religiosa. Escrevo as coisas que sinto que pertencem mais a mim, e que de alguma maneira se encaixem nessa atmosfera. O arranjo de conga dessa música é um maculelê que é a mesma levada do nosso atual tamborzão do funk.

“Dia Dia”

É uma melodia antiga, tinha uma letra que eu não gostava. Buscando canções para o repertório do disco, resolvi fazer uma letra nova. Saiu essa “conversa” com o refrão mais manjado do mundo, “eu amo você”. Durante o processo de gravação eu quase cortei essa música umas dez vezes, ela começava com o refrão e ainda não tinha o Diogo Gomes arrasando no trompete. O pessoal da banda, no entanto, não deixava eu limar. Então eu decidi que teria que ter alguma coisa que tirasse essa inocência que ecoava muito. Foi aí que tive a idéia do Diogo tocar solto e começar a música com a “fala”, e não no refrão. Acho que por causa da minha história com os alagoanos do Fino (Coletivo) e por ter sido a região que mais visitei para fazer show, pra tocar, pra viver música, tive vontade que fosse uma voz feminina carregada desse sotaque. A sergipana SandyAlê veio assim….

“Nossa horta / Merinha”

Fiz com Valentino – meu filho de três anos – no meu colo, regando a horta da casinha que temos na serra (Rocio). A música que é bem pequena saiu inteira de uma vez. Ele tava chorando, parecia que não queria regar a horta, então eu comecei a cantar “molha molha molha…” e ele ficou de boa. Virou música de todos os dias quando regamos a horta. Já “Merinha” foi uma moradora de rua do Leme. Uma figura que marcou muito minha infância e adolescência . Era uma senhora negra, muito gorda, que ficava sentada perto da padaria onde a gente sempre passava. Em volta dela, vários sacos cheios de retalho que ela passava o dia todo cozendo. Para todas as “patroas” que passavam ela perguntava “tem retalho roupa velha?”. Havia dias que ela tinha uma espécie “surto”, e ficava nervosa repetindo alto o que supostamente teria acontecido para ela estar naquela situação. “Levaram tudo que tinha”, “Foi ele”, entre outras coisas do tipo. Dizem que ela foi despejada e que teve um filho assassinado.

“Maria”

Essa é outra canção que compus sem o violão. Acho que ela dialoga algo com Dorival, com esse mar, esse lugar que ele construiu pra canção dele, e que visito às vezes com meu barquinho.

“O timbre do vento”

O Daniel Medeiros, do Fino, sempre brincava comigo durante minhas gravações de voz pro Fino Coletivo: “você tem areia na voz”, areia do Leme… Essa música eu acho que é um respiro dentro da atmosfera batuque do disco. Uma composição que talvez seja autobiográfica: eu, sozinho, o timbre do vento, a areia na voz.

“Tempo”

“Tempo” traz também um lugar diferente do meu processo de composição. Fiz um “balanço” com violão e daí veio vindo melodia e letra. Eu associo um pouco com aquele samba que diz “Nadina vovó lavou, vovó lavou a roupa que mamãe vestiu quando foi batizada”, embora eu saiba que não tem nada haver…rs. O arranjo dela é uma total referência de Bill Withers, que eu vinha escutando muito em casa.

“Para voltar”

Essa é minha e do meu irmão, Domenico. É uma música antiga, da leva de “Boa hora”, do Fino Coletivo . O mesmo jeito de compor, acordes e levadas parecidas. Pedi pro Dom, quando ele foi gravar a bateria, que eu queria uma onda parecida com que ele fez no “Micróbio do samba”, da Adriana Calcanhotto.

“O passo”

Jorge Ben, pra mim, é a coisa mas incrível da nossa música. Eu gostaria muito de saber fazer um balanço como ele faz, mas toda vez que eu tento, vira uma outra coisa. Essa música é uma dessas tentativas! “Alegria da gente”, do outro disco, também. Acho que sou romântico demais e elas acabam virando mais bossa, digamos. Tem melodia minha e letra do Domenico.

“Marejou”

Música bem antiga, que eu nunca conseguia gravar. Sempre caía dos discos na “hora H”. Daí encontrei esse arranjo cru, ela bem pequena, e isso abriu espaço pra ela no disco. A banda “Os ritmistas” chegou a gravar em ritmo de funk, porque ela originalmente era mais pra frente mesmo. Eu fiz em cima de umas levadas de macumba do garage band (shhhh). Aliás, a versão deles acabou de entrar numa coletânea do selo “maisumdiscos”, de Londres.

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14/10/2016

Editor - Revista NOIZE // NOIZE Record Club // noize.com.br
Ariel Fagundes

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