Exclusivo | Lê Almeida traz sons e ideais ao divã em “Anátema”, a nova faixa do álbum Oruã

14/06/2017

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Leonardo Baldessarelli

Por: Leonardo Baldessarelli

Fotos: Igor Freitas Lima

14/06/2017

Um dos ícones do lo-fi e do do it yourself na cena independente brasileira, Lê Almeida começou a divulgar um novo projeto no início do ano: o Oruã. Com Lê assumindo guitarra, voz e (de forma inédita) teclado, e com João Luiz no baixo, Daniel Duarte na bateria e Renato Godoy como segundo baterista em alguns shows, o grupo viaja em ondas experimentais que vão “de Fela Kuti ao krautrock e ao jazz”, nas palavras do próprio frontman; E dá pra sentir isso muito bem em “Anátema”, a quarta faixa do álbum de estreia da banda a ser divulgada, que disponibilizamos com exclusividade abaixo.

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Logo nos primeiros segundos já se percebe que “Anátema” é, no mínimo, experimental – e, ao fim da música, é fácil qualificá-la como um ponto fora da curva no repertório de Lê Almeida e dos outros músicos do Oruã, além de ser bem diferente de “Madrepérola”, “Sobre as ruas do bairro de baixo” e “Escola das Ruas”, as outras faixas já divulgadas pelo grupo. Foi a confirmação do que Lê avisou desde a primeira troca de ideias sobre “Anátema” e o disco de estreia do Oruã: a música seria mais próxima do “free jazz” do que de qualquer outra coisa, e a variedade de formas sonoras presentes no álbum seria gritante. “Anátema”, porém, é um destaque, já que representa o jazz – um estilo que vem crescendo no gosto e nas criações musicais de Lê tanto por suas possibilidades de composição quanto por seu viés quase “ritualístico”.

Há algum tempo, e especialmente desde o lançamento do disco Mantra Happening, o interesse de Lê Almeida por composições longas, sessões de improviso e pela noção de “performance” tem crescido, como o próprio músico revela: “Eu passei a ouvir jazz e comecei a ouvir um monte de músicas emblemáticas várias e várias vezes pra tentar imaginar como aquelas pessoas chegaram juntas naquele som. Passei a admirar muito uma performance ao vivo, um momento entre um conjunto.” E essa procura por algo como um “momento” perfeito – porém sem focar numa “perfeição da técnica” – se reflete no modo como o som do Oruã foi pensado. “Da primeira sessão, gravamos um monte de improvisos e uma faixa que eu tinha rascunhado dias antes (…) depois, eu quis repetir e nunca mais saiu do mesmo jeito. Daí veio o meu lema pro conjunto: ‘despreciosismo’”, revela, puxando um neologismo que conversa muito com o do it yourself e o lo-fi, mas que também se relaciona com o culto ao “momento”, ao improviso, de gravações clássicas do jazz.

Quebradiça e completamente viajada, “Anátema” foi feita numa “esquentada” antes de gravações que o grupo fez com o cantor Enio Berlota – e foi improvisada e capturada num take só, com alguns efeitos e colagens adicionados posteriormente. Sua letra, praticamente incompreensível na gravação, também indica um novo caminho para o som dos caras, como Lê comenta: “Essa melodia se encaixa com letra em qualquer tempo, foi uma novidade pra mim. Então quis absorver uma outra onda com a voz, fazendo soar como um 4° instrumento.” Mesmo pensada nesse viés “instrumental”, o frontman concordou em compartilhar a letra com a gente, numa colagem que você vê abaixo.

Apesar de, a primeira vista, parecer um tanto ampla, a letra tem muito a ver com o tema lírico que domina o trabalho de estreia do grupo. O disco inteiro fala sobre as reflexões pesadas que o músico teve após ser acusado de um crime que, segundo ele, não cometeu. “No ano passado eu passei por uma acusação grave, onde fui linchado virtualmente e depois de um tempo notei pessoas agindo diferente comigo, me descartando, evitando o diálogo e dando sentido a suposições e telefones sem fios. Com o Oruã, eu me dediquei a escrever somente sobre todo esse ocorrido, sobre mudanças e sobre como não estamos lá tão preparados assim para desconstruir quando nos falta afeto e amizade”, comenta. “Anátema” já discursa sobre o processo de aprendizagem e da “cicatrização” dos erros na auto-reflexão, mostrando uma reação “não amargurada, mas sim íntegra”, como o próprio Lê comenta – porém, não deixa de conter uma certa crítica em sua letra. “Ela basicamente fala sobre ser excluído, um ser amaldiçoado. “Anátema” é uma palavra religiosa que a igreja católica usa para condenar uma doutrina contrária a qualquer verdade do evangelho, e eu levei isso para outro lado.”

Chamado Sem Benção/Sem Crença, o primeiro álbum do Oruã tem previsão de lançamento para julho e foi produzido direto na fita cassete, sendo a parte “digital” do processo focada mais em edições, colagens e na gravação da voz de Lê. A captação, por si só, é quase 100% analógica e na fita, fazendo do trabalho uma parte da série Cassete Club, organizada pelo Escritório (sede/estúdio/casa de shows do selo Transfusão Noise Records, de Lê) e que já lançou nomes como Cosmos Amantes, LuvBugs e Crusader de Deus. A capa do álbum, aliás, é a imagem que acompanha “Anátema” no SoundCloud – uma colagem feita pelo próprio Lê Almeida. E, na quinta-feira, dia 15, rola show do Oruã de graça no próprio Escritório – mais informações no evento oficial.

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14/06/2017

Redator de social media, jornalista, músico, emo, jogador de bocha, astrólogo e benzedeiro nas horas vagas. Um colono que se encontrou na cidade grande e agora pensa que sabe escrever sobre qualquer coisa.
Leonardo Baldessarelli

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