O Sonho da Vírgula | Gregório de Matos: a poesia em Caetano e Bethânia

11/05/2016

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Lucas Krüger

Por: Lucas Krüger

Fotos: Divulgação

11/05/2016

Através da poesia de Gregório de Matos, a coluna do mês promove um grande abraço entre a cultura brasileira e baiana atuais com a dos anos 1600. Como? Em março de 2016, Maria Bethânia, em parceria com José Miguel Wisnik, apresenta “Mortal Loucura”, versão musicada do poema de Gregório de Matos взять деньги в долг. (Ouça aqui a versão na voz de Wisnik feita em 2013). E essa não é a primeira vez que um poema de Gregório vira música: antes foi na voz de Caetano Veloso, irmão de Bethânia. Por ora, vou apresentar um pouco melhor o poeta para na sequência aprofundar um pouco mais nesses encontros de gerações tão distantes em relação a linha do tempo.

Gregório de Matos nasceu em Salvador no ano de 1636, tempo em que o Brasil era colônia de Portugal. Foi advogado, juiz, procurador e vigário-geral escolhido pelo arcebispo da época, mas perdeu o posto por, dentre outras questões, se recusar a usar batina. O poeta era conhecido como ”Boca do Inferno” e produzia poemas satíricos em que não poupava ninguém. Seus alvos eram a coroa portuguesa (e políticos em geral), o clero, os comerciantes e tudo o mais que este desejasse. Mas sua poesia não estacionava na simples sátira ou crítica social, Gregório explorava os extremos, produzindo desde poemas religiosos a poemas eróticos. Seus poemas subversivos o conduziam a sofrer com várias medidas drásticas da época, chegando ao ponto do poeta ser acusado de difamar Jesus Cristo, o que, naquele período, possuía graves consequências.

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O conteúdo de seus poemas o ajudou a construir tantas inimizades que Gregório foi deportado para Angola, o que na época lhe salvou de ser assassinado. Mais tarde vem a falecer no Recife, vítima de doença contraída no continente africano. Gregório, famosíssimo na época, foi deportado tal qual Caetano Veloso na ditadura militar em 1969. E aí começa uma ligação interessante, pois é no disco Transa, gravado no exílio em Londres que Caetano resgata um poema de Gregório e, musicando-o, inclui neste disco clássico. Assim, além da beleza de “Mortal Loucura” na voz de Bethânia, temos “Triste Bahia” contendo 2 estrofes do poema original de Gregório, acrescido de novas partes da autoria de Caetano. Faz-se aí uma parceria baiana secular entre dois dos artistas baianos e brasileiros mais importantes de suas épocas.

Triste Bahia, versão original de Gregório de Matos:

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

Além da poesia de conteúdo subversivo, a destreza de Gregório com as palavras, muitas vezes de forma moderna, abriu portas para o desenvolvimento poético em língua portuguesa e para a cultura de forma geral. E hoje, o consagrado poeta barroco, vindo do século XVII e período colonial brasileiro é resgatado pela música brasileira no auge de sua expressão. E assim, Caetano e Bethânia concretizam um bonito resgate da cultura de sua terra.

Pra finalizar, filme sobre a vida de Gregório, protagonizado pelo poeta Waly Salomão:

Lucas Krüger é psicólogo, psicanalista e poeta, autor do livro “O sonho da vírgula” (2015): lucaskruger.com / arteseecos@lucaskruger.com

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11/05/2016

Na psicanálise e na poesia, respirar a metáfora máxima.
Lucas Krüger

Lucas Krüger