Lee Ranaldo fala sobre as distorções de seu novo álbum, “Electric Trim”

21/08/2017

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Aline Pellegrini

Por: Aline Pellegrini

Fotos: Rafael Souza

21/08/2017

A dupla violão e voz ganha outro significado com Lee Ranaldo. Um dos fundadores da banda Sonic Youth, na qual atuou como guitarrista durante as três décadas de existência do grupo, Ranaldo se mantém coerente com o que sempre fez: não abriu mão de distorções, efeitos e do uso do arco sobre as cordas do violão nas apresentações que protagonizou sozinho para divulgar seu quarto disco solo após o fim do Sonic Youth. Apesar disso, as canções de Electric Trim, que será lançado no dia 15 de setembro, soam mais pessoais, desde a “música de cowboy hippie”, como ele definiu “Uncle Skeleton”, até “Thrown Over the Wall”, considerada por ele “uma canção de resistência”.

Ranaldo passou algumas semanas no Brasil produzindo a trilha do novo longa de Gustavo Galvão e aproveitou para fazer alguns shows, provar cachaça de jambu (que fez ele achar “que ia morrer”), conhecer antigas canções de viola caipira que o fascinaram e aproveitar Brasília, cidade que ama. Antes do show em São Paulo, o músico recebeu a Noize.

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Como você transpôs o som de Electric Trim, que é cheio de camadas e texturas, para um show que é só você, voz e violão?
Muitas das músicas começaram assim, acústicas, em um violão. A marca inteira de uma música verdadeiramente boa pode ter muitos ajustes diferentes. Você pode tocar com uma orquestra, você pode tocar com uma banda de rock, pode tocar com um violão. Então, de alguma forma, foi assim que essas canções começaram, e eu só estou fazendo as camadas mais básicas delas. A camada da voz, e a voz é muito importante nesses shows, é a principal pra mim. E também a camada da música por baixo disso, que aproxima toda coisa exuberante que você ouviu no disco. Eu estou fazendo isso há algum tempo, mas demorou para o álbum ser lançado. Seria mais interessante fazer isso depois que as pessoas tivessem ouvido o disco. Mas, agora, esse show, é só uma primeira impressão. E então você escuta o disco, como você ouviu em algumas canções, elas são muito diferentes do que isso. Elas são cheias de percussão, bateria eletrônica, e samples e vozes. Você sabe, guitarras por todo o lado.

 

Capa de “Electric Trim”, que será lançado no dia 15 de setembro.

 

Você produziu todas essas camadas sozinho?
Eu colaborei com um cara de Barcelona, Raül Fernández. Nos conhecemos há alguns anos atrás, fizemos um breve projeto em Barcelona, nos tornamos amigos e ele disse que estava indo a Nova York, e nós dissemos “vamos só tentar fazer alguma coisa juntos”. Isso foi em 2015. Nós começamos e foi incrível, ficamos “uau, isso soa muito bem”. E então, por um ano, ele veio a Nova York e depois eu comecei a ir para Barcelona. Ele vinha por duas ou três semanas, nós trabalhávamos todos os dias, e depois ele voltava e a gente escutava por um mês para pensar sobre o disco. Basicamente só ele e eu. Depois de algum tempo algumas pessoas também acabaram tocando, Nels Cline [guitarrista do Wilco], Steve Shelley [baterista do Sonic Youth] e a cantora Sharon van Etten. Foi um processo bem experimental. Não foi como nenhum outro álbum que eu já tenha feito. E isso foi muito interessante.

Quais foram as diferenças?
Normalmente, um álbum é sobre você tocar com uma banda. Você sintoniza a banda aprendendo as músicas, e depois, quando é hora, você liga os microfones e a banda toca e o disco está pronto. Mas esse foi um disco em que só uma pessoa tocou por vez, por meses e meses. Foi: “vamos tentar uma guitarra aqui”, “vamos tentar uma marimba”, qualquer coisa. Nós tivemos Steve Shelley e Kid Millions tocando bateria, os dois tocaram em cinco, seis músicas, e nós só usamos alguns pedaços que a gente gostava, sabe? Como “Steve é bom com os acordes aqui, vamos usar o Kid nessa outra estrofe”. “Vamos usar samples eletrônicas nessa parte”. Ver o que cabia, como um quebra-cabeça. Foi muito experimental e isso fez com que fosse muito empolgante, de uma forma. E eu estava experimentando com as letras também, porque eu estava trabalhando com esse cara, Jonathan Lethem, um velho amigo meu, um dos melhores escritores americanos.

Sim! E ele escreve também ficção científica, certo?
Ele escreve ficção científica, ele escreve um monte de coisas. Ele escreve jornalismo musical, ele fez entrevistas incríveis com James Brown, Dylan e pessoas assim. Eu perguntei se ele gostaria de colaborar comigo e ele aceitou. Ele já fez coisas assim antes. Ele morava na Califórnia, e então começamos a nos mandar ideias, eu mandei as minhas demos, muito cruas.

Como vocês escreveram as letras à distância?
Em alguns casos ele me mandava as letras prontas e em outros a gente ficava juntando partes. Outro processo que também foi muito experimental. Nos dois eu senti que eu simplesmente não sabia o que ia acontecer, o que tornou tudo muito interessante. Eu senti que as músicas eram muito fortes, eu estava cantando bem, nós tivemos a Sharon cantando em um monte de músicas, muitas vozes, harmonias.

Você não sente falta disso no show, fazendo sozinho?
Um pouco, ultimamente. Eu consigo fazer sozinho, mas eu fiz algumas turnês tocando essas músicas com a banda e com o trio e é realmente mais legal quando há mais vozes e mais partes, basicamente.

Você também veio ao Brasil para trabalhar com Gustavo Galvão no filme Ainda Temos a Imensidão da Noite. Como isso aconteceu?
Eu toquei no Brasil no ano passado, acústico assim, e a garota, Ayla [Gresta, protagonista do longa], veio para mim no fim do show e disse que estava começando a trabalhar nesse filme e que o diretor estava procurando alguém para produzir a banda. Isso foi há um ano atrás, eles não estavam em lugar nenhum ainda. E então ela me colocou em contato com o Gustavo, nós começamos a conversar e funcionou.

Eles ainda não filmaram, certo?
Devem começar em alguns dias.

Então é um processo invertido do que o tradicionalmente feito, que é o de trabalhar nas músicas já com as cenas prontas.
Bom, o filme é sobre uma banda, sobre política brasileira, e todas essas outras coisas. Eles reuniram um grupo, alguns são atores, outros são músicos. Eles tinham uma pessoa para escrever as canções. É um pouco como os The Monkees, mas as músicas são boas e o conjunto é muito legal: trompete, guitarra, baixo e bateria. Eles me chamaram para gravar a banda, porque eles vão tocar as músicas no filme, então eles precisam saber como são as músicas que eles vão reproduzir nas cenas. Por isso gravaram antes. O que nós acabamos de gravar eles vão escutar todos os dias pelas próximas duas semanas para saber como as músicas devem ser, já que agora nós definimos como elas soam. Eu gravei e mixei com a ajuda deles então agora eles têm um modelo para trabalhar em cima.

Como seu processo de composição mudou, do Sonic Youth pra cá?
Bom, um é muito colaborativo e social, e a música do Sonic Youth era quase sempre criada por quatro pessoas juntas em um lugar, três ou quatro horas por dia, quatro, cinco dias por semana. Ter o tempo pra fazer isso, só ficar junto e tocar música, desenvolver o trabalho lentamente. Não era uma situação muito comum alguém chegar e dizer: “ei, eu tenho uma música, é assim”, e tocar. Isso não acontecia. Nós construíamos as músicas juntos. Quando você não está em uma banda, a responsabilidade de gerar isso é minha. Os primeiros dois discos foram feitos assim, “é assim que vai ser, vamos fazer em partes”. Agora, com esse disco, foi mais eu tentando trazer de volta essa forma colaborativa, como trabalhar com o Raül. Trabalhando nas músicas, ou discutindo as músicas, ou o que quer que fosse, muita colaboração com Jonathan, o que é uma coisa completamente nova, colaboração com as letras é ainda mais incomum.

Você já disse que um álbum é como um cartão postal de um momento da sua vida. Que tipo de cartão postal você acha que é Electric Trim?
Que engraçado você perguntar isso. Eu ainda não descobri, mas acho que é sobre ter um ano da sua vida para trabalhar em uma coisa e estar tão feliz todos os dias da sua vida. Tão preenchido todo dia com um trabalho. É isso que o disco reflete mais do que qualquer coisa. É sobre experiências pessoais, é sobre devotar um ano a uma coisa. Isso é algo maravilhoso de se poder fazer na nossa época, quando tudo está se movendo tão rápido, você não consegue dedicar uma semana pra uma coisa só. Em parte, é um pouco sobre isso. Sobre dizer “isso é importante, nós vamos pegar o nosso tempo, fazer do jeito que der, sem se preocupar se vai ser lançado, vamos fazer do melhor jeito que a gente puder”.

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21/08/2017

Aline Pellegrini

Aline Pellegrini