Entrevista | A fotografia da vida de Leo Middea

18/07/2016

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Joana Barboza

Por: Joana Barboza

Fotos: Divulgação

18/07/2016

Sabe aquelas músicas em que não existe outra opção a não ser dançar? Mesmo se você nunca ouviu Leo Middea, duvido que você consiga controlar os movimentos involuntários que as músicas deste moço causam. O conjunto de letra somada à melodia têm esse efeito sob as pessoas. Chega devagarinho como quem não quer nada e quando percebe já está dominado.

Leo Middea é carioca, é leve, é o sorriso no canto da boca. Quem o vê pela primeira vez, se surpreende pela pouca idade e nem imagina que esse artista carrega consigo o sentimento no bolso. Viajante por natureza, teve que ir lançar o seu primeiro álbum, Dois, na Argentina e esteve na Índia, mergulhado em silêncio, durante o lançamento de seu segundo disco, Dança do Mundo.

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O que começou como uma forma de conquistar uma paixão, hoje arrebata outras tantas. Conversamos com Leo sobre o novo álbum, amor, leis de aceitação, coletividade, processo criativo, cena independente e mais. Coloque os seus fones e aproveite para mergulhar nesse mar.

O seu contato com a música, de maneira profissional, começou muito cedo. Com 14 anos, você já tinha sua banda; 18, carreira solo e com 19, já tinha seu primeiro álbum na rua. Como aconteceu esse contato? Você sempre teve vontade de se envolver neste meio?
Na verdade, sempre achei que queria fazer cinema. Quando eu era pequeno mexia na filmadora da minha mãe… Ficava fazendo alguns vídeos em casa. Só que com 14 anos – que foi quando fiz a banda – eu tive uma paixão. E ai, comecei a querer aprender a tocar violão, na real, para impressionar a menina. Não era nem para – sei lá – virar carreira, fiz mais porque eu não tinha “cartas na manga” para jogar.

Quando comecei a tocar violão, descobri uma paixão que nem fazia ideia que ia ter. Me aprofundei no estudo do violão e de outros instrumentos e no colégio mesmo, encontrei uma amiga que também tocava violão. Conversei com ela, para formarmos uma banda. Então, começou minha história com a música. No início, a gente tocava só cover e surgiu uma necessidade de fazer composições próprias. Eu, meio que na inocência, tentei escrever alguma coisa no computador… e acabou que saiu uma “coisinha” ali. Fiquei impressionado, pensei “olha só, consigo compor”. A partir desse momento, passei a escrever, escrever, escrever e não parei mais.

Como as melhores histórias, tudo começou como uma paixão. E o Dois, seu primeiro disco, tem muito disso, né?! Foi a condensação de duas paixões em um álbum…
[Risos] Isso mesmo, foram duas paixões do Ensino Médio. Foi assim: quando acabei o Ensino Médio e decidi gravar o disco, tinha várias canções que eram mais um registro do colégio. Dai, quando decidi juntar essas músicas acabou ficando metade para das minhas paixões e metade para outra.

A divulgação do “Dois” aconteceu pela América Latina. Como essa viagem influenciou no seu processo criativo?
Eu viajei com esse álbum, porém mais como um ato de rebeldia. Não conseguia tocar em lugar nenhum aqui no Brasil, porque ninguém da minha família tem contato com música. Então, ninguém soube me guiar direito. Tive que aprender tudo sozinho. Comecei a pesquisar lugares para tocar, só que ninguém queria me deixar fazer o show de lançamento. Até que uma amiga da Argentina, me mandou o contato de um amigo músico de lá. Conversei com ele e ele me passou uma lista de casas… e acabou que deu tudo certo pros cantos de lá. Acabei fechando uns 30 shows. Para você ter uma noção, o show de lançamento do meu primeiro álbum foi na Argentina, não foi no Brasil – porque não consegui. Mas quando voltei, já tinha um conhecimento maior sobre música e referências que foram usadas na Dança do Mundo [segundo álbum]. Lá tive contato com várias pessoas de outros países e com o estilo mais latino, da cumbia que estava ali perto…

Você teve que sair do país para lançar o primeiro álbum, para depois voltar – quase como uma redenção – e conseguir divulgar aqui o seu segundo álbum. Pensando nisso, como você enxerga a cena “independente” no Brasil? E os artistas que estão começando?
Ah, tá bem complicada! Tenho uma tristeza assim, porque tem muito artista bom surgindo, gente maravilhosa, só que a tendência do Brasil é outra. A Música Popular Brasileira não está em alta, né?! Acho que ela tá criando o espaço dela com o tempo… De 2011 para cá, aumentou muito a demanda de gente escutando MPB. Mas, ainda é um pouco pequena, comparada com as grandes demandas da música.

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E você acha que a internet, neste contexto, ajuda na divulgação dos artistas?
Ó se ajuda! O que salva são as redes sociais. Porque a gente não tem um apoio de fora, de um público grande. Então, acredito que as redes sociais estão salvando essa nova geração de compositores e músicos. Um meio de divulgar que se espalha e que você não tem controle… você coloca sua música ali e de alguma maneira uma pessoa de Macapá ouve sua música, uma de Recife, do Sul…eu sou do Rio, às vezes, nem sei como a música acaba chegando lá.

Essa questão de aproximar as pessoas de acordo com os gostos é muito interessante. Ás vezes, você recebe uma review super incrível de alguém do outro lado do mundo e nem sabe como ela teve acesso a isso.
Siiiiiim! É muito legal, esses dias, recebi uma mensagem de uma escola ocupada no Macapá. Uma foto de uma galera que escreveu no muro da escola uma frase de uma música minha. Eu achei demais! Mas, fiquei pensando como eles conseguiram ouvir minha música. Tudo por causa da internet!

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As suas viagens são partes fundamentais no seu processo. Você viajou com o Dois pela América Latina e o Dança do Mundo foi lançado quando você estava na Índia, né?
É, sim. A Dança do Mundo foi um processo muito intenso pessoal. Teve muita demanda emocional minha, sabe? Para esse disco, para o processo que estava ocorrendo na minha volta e na hora de fechar – na mixagem, masterização, para ouvir e dar a carta final – eu fui pra Índia. Eu precisava ir, falei assim “eu confio em vocês”. Coloquei o disco na mão do Peter [produtor do disco] para mixagem e masterização e fui, ficar em silêncio. Fiquei sem contato com o celular e só ouvi o disco quando já estava lançado.

Só fiz isso, porque confiava muito no Peter. A gente estava muito alinhado, trabalhando há quase um ano juntos. Para não dizer que só sai, deixei um e-mail com algumas coisinhas que gostaria que tivesse no álbum e só.

Foi uma experiência muito, muito grande, porque depois de um ano inteiro focado no álbum, de repente estava em outro país, com outras pessoas, vivendo uma outra cultura… sem comunicação, sem telefone, sem internet e esquecer de tudo aquilo por um momento foi muito interessante.

Suas músicas são bastante ritmadas e tem gente que chega a brincar que “é impossível ouvir Leo Middea e não dançar”. De uma maneira bem abstrata, você acha que essa coisa de se “deixar levar pelo momento” e afins da sua música reflete quem você é como artista?
Acredito que a música é uma fotografia da vida e do que você é, naquele momento. Tem uma diferença dos ritmos e dos elementos do Dois para a Dança do Mundo. O primeiro é mais introvertido enquanto o segundo é extrovertido. Isso reflete muito quem eu sou. Por exemplo, na Dança do Mundo estava num momento de me abrir, mais solto e acho que isso influenciou bastante na escolha dos ritmos e composições. Tem um funk aqui e depois um carimbó ali e assim vai. Mas, de alguma forma tudo isso faz sentido.

E todas essas suas experiências acabam influenciando os seus álbuns.
Com certeza, me vendo de fora, enxergo assim: o Leo do Dois é uma pessoa que queria vivenciar coisas que vivenciava na Dança do Mundo, mas não tinha vivido ainda. Já na Dança do Mundo, estava vivendo aquilo com que sonhei viver. É meio louco, mas vejo assim.

No Dança do Mundo a questão das influências/ referências de diferentes lugares está muito presente. Da latinidade ao funk. Como funciona esse processo de misturas e achar o som perfeito para você?
Na real, não sei direito como a minha cabeça funciona [risos]. Não penso muito nas referências na hora que estou fazendo. É bem simples, eu pego o violão e de repente, faço um ritmo de funk e penso “olha que legal isso aqui e se eu misturar essa outra coisa?” e é assim. Por exemplo, na música “Bússola”. Peguei o violão, estava com o ritmo de funk na cabeça – talvez, porque no Rio de Janeiro é um lugar que se ouve muito funk nas ruas – comecei a fazer a batida e começou a fluir a música. Não tem muito penso mesmo, vou misturando o que consigo encaixar e vai rolando.

As suas letras são cheias de poesias e até intimistas em muitos momentos. E em comparação com os arranjos e sonoridade, como funciona a composição das letras?
Tenho muita dificuldade em fazer uma letra e depois colocar uma melodia em cima ou vice-versa. Sempre que começo esse processo de compor, só escrevo depois que o violão está muito alinhado com o que estou sentindo, sabe?! Quando isso acontece, as letras saem. Não tem muito quebra cabeça, é natural. Faço tudo junto. Acho muito difícil fazer separado ou se paro no meio do processo, depois para retomar é muito difícil. Não consigo! Na maioria das vezes, o sentimento da manhã é diferente do sentimento da noite. Então, é muito de ligar o sentimento com a música e tem que ser naquele momento.

Você tem aquelas momentos de súbita inspiração em que tem que parar tudo para escrever?
[Risos] Pior que não, não assim tão repentino. Ás vezes, eu tenho o sentimento de escrever naquele momento, mas eu consigo guardar e tentar transpassar para depois. Mas, enquanto não pego o violão, consigo guardar o sentimento. A música “A Menina do Porto”, do primeiro disco, foi assim. Eu fui fazendo a música no caminho de volta para casa. Tinha ido me despedir de uma menina – uma das minhas paixões – que estava voltando para Porto Alegre. Me despedi dela e enquanto estava voltando, no ônibus, a letra da música começou a vir na minha cabeça e não quis sair. Quando cheguei em casa, peguei o violão e finalizei.

Há um cuidado muito grande na ordem das músicas em ambos os discos. Como é feita essa curadoria para que juntas as canções representem uma unidade, ou seja, contem uma história?
Vou escrevendo as músicas e como falei antes, acredito que a música é uma fotografia da vida. Então, tudo que você escreve naquele período, tem a ver com aquele período… é só saber organizar, saber onde você estava em cada momento. Tanto no Dois como Dança do Mundo acho que ficaram bem claros esses períodos da vida. Até porque no Dança do Mundo isso é bem nítido, principalmente por causa da música “Valsa” – faixa 9 – e a “Boneco de Argila” – faixa 10. Na primeira, eu falo sobre um amor, sobre uma paixão, sobre a falta… já na segunda, mando embora. Isso é uma coisa que aconteceu mesmo, elas foram colocadas uma depois da outra justamente por causa disso. Na “Valsa”, estava meio triste e na “Boneco de Argila” já superei.

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Apesar de ter optado por carreira solo, você sempre busca ter participações especiais e ter um banda junto contigo. Esse processo de trabalhar de forma colaborativa sempre está presente. Como funciona?
Eu comecei com banda, né! Logo que eu parti para carreira solo, achava muito difícil essa coisa de ter que decidir tudo sozinho. Gosto de ter a opinião das pessoas. E com a banda, você tem entra num consenso coletivo. Você ouve o que cada um pensa. No meu trabalho solo, sempre tento passar isso… sobre coletividade, querer estar com gente que quer opinar e agregar ao trabalho. Por exemplo, a Laura [Lavieri] na música “Celebração” sugeriu uma alteração na melodia da letra que achei maravilhosa. Gosto muito disso!

Às vezes, quando se está num trabalho solo, as pessoas acham que aquilo ali é aquilo ali. Mas não é assim, tudo pode ser qualquer coisa, nunca é a mesma coisa.

A capa do disco Dança do Mundo está cheia de elementos a serem desvendados.
[Risos] Isso mesmo! Olha que doido: tava conversando com um fotógrafo argentino Pablo Saborido. A gente tava pensando em que fazer na capa. Até que ele sugeriu de usarmos elementos das músicas. Dai fui separando, dando sugestões e ele também. Então, cada um dos elementos representa uma canção do disco. Tem uma sereia no canto, que falo sobre uma na música “Bússola”; tem um anão jogando malabares que representa a “Valsa”… Enfim, é uma brincadeira para que as pessoas achem o que simboliza o que.

Confira as datas da turnê de Dança do Mundo:
22/07 Rio de Janeiro – RJ
29/07 São Lourenço – MG – Festival da Canção
31/07 São Paulo – SP (participação)
05/08 Sao Tomé das Letras – MG – Festival da Canção
06/08 Porto Alegre – RS

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18/07/2016

Joana Barboza

Joana Barboza