É consenso que 2018 foi um ano muito intenso. Não foi fácil, nunca é, mas a grande quantidade de discos importantes que foram lançados nos últimos doze meses é um alento para ouvidos e corações que buscam na música companhia para seus dias.
Tanto no Brasil quanto lá fora, muitos álbuns se destacaram e lamentamos não ser possível fazer uma lista infinita para dar conta de tudo que merecia ser ouvido. Aqui, separamos as obras que mais nos chamaram atenção, seja pela sua importância histórica, pela sua inventividade, pelas suas proposições estéticas, pela densidade de sua narrativa ou simplesmente pelo fato de que nos apaixonamos demais por suas faixas. Afinal, antes de qualquer coisa, música é para sentir.
Confira abaixo nossos 50 discos favoritos de 2018 divididos entre 25 nacionais e 25 internacionais.
TOP 25 DISCOS NACIONAIS
25) Catavento – Ansiedade Na Cidade
24) Tuyo – Pra Curar
23) Mahmundi – Para Dias Ruins
22) Ana Frango Elétrico – Mormaço Queima
21) Maurício Pereira – Outono no Sudeste
20) Rubel – Casas
19) Clau Aniz – Filha de Mil Mulheres
18) Gui Amabis – Miopia
17) Gal Costa – A Pele do Futuro
16) Duda Beat – Sinto Muito
15) Rodrigo Campos – 9 Sambas
14) Djonga – O Menino Que Queria Ser Deus
13) Carne Doce – Tônus
12) Ava Rocha – Trança
11) BK – Gigantes
10) Anelis Assumpção – Taurina
9) Maria Beraldo – Cavala
8) Josyara – Mansa Fúria
7) Elza Soares – Deus É Mulher
6) Edgar – Ultrassom
5) Baco Exu do Blues – Bluesman
Antes do lançamento de Esú (2017), Baco Exu do Blues era um nome promissor da cena do rap, mas poderia ser só uma aposta. Antes do lançamento de Bluesman, Baco já era um artista celebrado pelo seu disco de estreia, por ter concebido a lovesong de uma geração com “Te Amo Desgraça” (você não fica pensando quantas crianças nascerão contando que o amor dos pais foi embalado por essa canção?) e recebia uma pressão e uma ansiedade gigantes sobre seu próximo disco. O sucessor de Esú tinha que dar certo. E deu. Em Bluesman, Baco ousa se comunicar com um universo diferente do experimentado no disco de estreia, o que fez muita gente de apontar ou acusar um certo distanciamento com o rap. Mesmo com uma sonoridade mais blues e até pop, o que não falta são os dedos na ferida e a acidez nas linhas. Mais melancólico e introspectivo, é inegável que Baco presta um serviço louvável ao refletir sobre a depressão e a saúde mental na posição de um homem negro. As pressões das violências cotidianas – o embranquecimento, o genocídio do povo negro, o encarceramento em massa, a exotificação – e as pressões individuais – as expectativas, as pressões e a exigências do sucesso – dão forma a um trabalho de afirmação. Baco exalta a cultura negra, o panteão de ídolos negros nacionais e internacionais – de Basquiat à Jay-Z – e a inventividade e insubmissão do que ele concebe como um Bluesman.
Brenda Vidal
4) Marcelo D2 – Amar É Para Os Fortes
Lançar um disco-filme no décimo disco da carreira aos 50 anos é pra quem não tem medo de se arriscar. Caminhando pelos corres e improvisos, foi exatamente isso que Marcelo D2 decidiu fazer em AMAR é para os FORTES. Trançando maturidade e sangue novo, o clássico e o contemporâneo, ele fez das dez faixas que acompanham o álbum um registro audiovisual. O terreno já familiar das colagens de samples, rimas críticas e narrativas que passam pelas vivências periféricas e negras é apresentado em um discaço que se concentra na história individual da figura fictícia, mas nada fantasiosa, de Sinistro, um jovem da quebrada tentando fugir da marginalidade, da violência, da meritocracia e do tráfico para fazer a coisa certa. Um álbum que resgata a potência do amor em tempos difíceis e da força de Marcelo D2 no rap brasileiro.
Brenda Vidal
3) Gilberto Gil – OK OK OK
Após uma discografia tão extensa e que impactou tanto a cultura brasileira, Gil não precisaria lançar mais nada para ter seu nome esculpido entre o panteão dos maiores músicos que já nasceram no Brasil. Porém, a arte é inerente ao baiano e OK OK OK é a maior prova disso. Com a maior naturalidade do mundo, Gil expõe de forma muito confessional os temas que mais lhe inspiram hoje: seus netos, seus médicos, seus grandes amigos… E, por mais orgânico que soe, há um delicado requinte de timbres e arranjos no álbum que eleva OK OK OK a um dos lançamentos mais importantes do ano. Quem já é familiar com a obra de Gil percebe no disco todas as referências de sempre, o samba está ali, assim como a bossa nova, o baião e o reggae. Inclusive, a última faixa, “Pela Internet 2”, é um baião-dub feito a partir de “Pela Internet”, que Gil compôs em 1997 citando o primeiro samba gravado no Brasil, “Pelo Telefone”. A última palavra que Gil canta em OK OK OK é “rastaman”, evidenciando a homenagem à música jamaicana.
Ariel Fagundes
2) Luiza Lian – Azul Moderno
Para gravar o clipe de “Azul Moderno”, Luiza Lian teve que mergulhar 10 metros em uma cidade submersa. A concepção do disco Azul Moderno parece beber do mesmo ímpeto de um profundo mergulho na atmosfera que o molda. Num equilíbrio entre retração e exposição, afirmação e questionamentos, interno e externo, consciência e inconsciência é que o álbum vibra. É na exposição e na afirmação da sua voz, primeira coisa que se ouve em “Vem Dizer Tchau”, faixa número 1, que ela dá o pontapé do álbum. Com a voz suave e firme, Luiza tece um ambiente sensorial, criando os cenários de histórias que resgatam memórias coletivas, ancestrais, femininas em profundo diálogo com a natureza e o orgânico embaladas pela antítese e pela complementação das batidas sintéticas. A delicadeza é sentida em belíssimas canções como “Mira”, “Sou Yabá” e “Mil Mulheres”.
Brenda Vidal
1) Teto Preto – Pedra Preta
2018 foi um ano tenso, marcado pela euforia e o desespero, e o disco que melhor expressa essa atmosfera é o álbum de estreia do Teto Preto. Formada a partir do coletivo responsável pela festa Mamba Negra, a banda se destaca como um dos mais interessantes nome da cena eletrônica brasileira ao fundir nesse disco as experimentações do techno, house e industrial à herança lírica da Vanguarda Paulistana de Arrigo e Itamar (cuja composição “Já Deu Pra Sentir” já havia sido gravada pela banda antes desse álbum). Não há dúvidas de que há um denso projeto discursivo ao redor do disco, que inclui um clipe incrível para a faixa-título, as impressionantes apresentações ao vivo da banda e a própria Mamba Negra, e é a soma de tudo isso que demonstra a importância da obra do grupo. O Teto Preto louva o que há de menos convencional em nossa sociedade e contra-ataca preconceitos com versos e beats. Pedra Preta é um disco feito de dança e de luta, é oportunidade perfeita para morrer na pista e ressuscitar em uma passeata.
Ariel Fagundes
TOP 25 DISCOS INTERNACIONAIS
25) Santigold – I Dont Want: The Gold Fire Sessions
24) Mitski – Be The Cowboy
23) Janélle Monae – Dirty Computer
22) Cardi B – Invasion of Privacy
21) Jack White – Boarding House Reach
20) Courtney Barnett – Tell Me How You Really Feel
21) Connan Mockasin – Jassbusters
19) Kanye West – Ye
18) The Internet – Hive Mind
17) Travis Scott – Astroworld
16) Drake – Scorpion
15) Saba – Care For Me
14) Georgia Anne Muldrow – Overload
13) U.S. Girls – A Poem Unlimited
12) Kendrick Lamar – Black Panther (Soundtrack)
11) Thom Yorke – Suspiria (Soundtrack)
10) J. Cole – KOD
9) Khruagbin – Con Todo El Mundo
8) Anderson.Paak – Oxnard
7) Blood Orange – Negro Swan
6) David Byrne – American Utopia
5) Kali Uchis – Isolation
Em Isolation, a colombiana Kali Uchis se utiliza da fluidez para conquistar a solidez logo no álbum de estreia. Calcada no pop e no R&B, ela poderia muito bem se acomodar em apenas acompanhar novos artistas em bons feats, como fez nas parcerias em “Get You” com Daniel Caesar e “See You Again” de Tyler, the Creator. Mas ela (ainda bem) quis mais e foi além. Durante os mais de 46 minutos, Kali cria um universo próprio e íntimo que orbita por diversas experimentações, timbres e gêneros. Tem batida caliente com levada reggaeton em “Nuestro Planeta”, bossa nova em “Body Language”, neo soul em “Flight 22” e até pop rock eletrônico em “In My Dreams”. Cativante, envolvente e deliciosamente vagaroso, Kali Uchis nos transporta para vários cenários possíveis em poesias que falam sobre experiências amorosas, esquecimentos e lembranças, mantendo a sensação de que estamos passando uma tarde no quarto, remexendo em caixas de lembranças, históricos de conversas no WhatsApp e prints no celular.
Brenda Vidal
4) Noname – Room 25
“Talvez este seja um álbum que você ouve enquanto está dirigindo para em casa tarde da noite”, é assim que Noname abre o Room 25 com a faixa “Self”, um tom despretensioso antes de mandar uma das linhas mais ácidas do ano quando diz “Minha vagina escreveu uma tese sobre o colonialismo”. Um dos nomes mais instigantes da cena do “alt R&B”, Noname costura suavidade, sensibilidade e poesia caminhando por uma sonoridade arejada, baseada na fusão entre o hip hop, o R&B, o soul e funk com uma destreza admirável. Tantos elementos poderiam resultar em um disco abafado ou difuso, mas o que a poeta e rapper de Chicago nos apresenta é um resultado limpo, orgânico e coeso, com linhas que tratam da exposição, da reflexão e da cura entre tropeços e revisões da vida adulta, nunca descoladas de sua experiência como uma mulher negra.
Brenda Vidal
3) Rosalía – El Mal Querer
Para muita gente, especialmente quem vê de fora da Espanha, o flamenco é um universo à parte, com um estética sólida e seus próprios cânones. Mas o segundo álbum da cantora espanhola Rosalía mostra que as coisas não são tão simples. El Mal Querer traz uma mistura interessantíssima dos vocais flamencos lamuriosos à batida eletrônica do trap e, ao longo das suas 11 faixas, é difícil saber se esse é um álbum de música pop ou experimental. Na verdade, são as duas coisas ao mesmo tempo. Algumas músicas como “Malamente” e “Pienso en tu mirá” carregam uma aura mais dançante, mas a maior parte do disco é composto por canções tristes, com um vocal bastante melancólico e uma cama harmônica cinematográfica, que transforma em beats sons inusitados como os de palmas e sirenes. É um álbum instigante, que provoca os sentidos e as certezas e merece ser ouvido mais e mais vezes.
Ariel Fagundes
2) Kamasi Washington – Heaven & Earth
Um farto banquete é servido nesse que é o segundo álbum do saxofonista Kamasi Washington. Esse disco duplo, com 16 faixas que vão de cinco a 12 minutos de duração, é um projeto ambicioso. A metade “Earth”, conforme Kamasi declarou na época do lançamento, representa o mundo que ele vê externamente, já “Heaven” representa o que ele vê internamente quando se volta para dentro de si mesmo. “Quem eu sou e as escolhas que eu faço estão em algum lugar no meio disso”, ele declarou à imprensa, provavelmente fazendo uma piada com o fato de que a versão em vinil desse disco trazia escondido dentro da capa mais um disco, o EP The Choice. Heaven & Earth é um disco de jazz, mas não somente, o soul e o funk estão bem presentes e mesmo quem não for familiarizado com o gênero é transportado com facilidade para o planeta de Kamasi em faixas como “Connections” e “Vi Lua Vi Sol”, que, como o nome em português indica, traz um aroma brasileiro em suas melodias.
Ariel Fagundes
1) The Carters – Everything is Love
Celebrar as próprias conquistas pode ser uma tarefa cercada pelo egocentrismo e pela superficialidade. O que salva Everything is Love de ser um disco raso e essencialmente materialista, no melhor estilo “ostentação”, é a revisão crítica construída por Beyoncé e Jay-Z nos últimos anos de suas carreiras. O disco, com a parceria creditada sob o nome “The Carters”, surge como a cereja do bolo do que tem sido experimentado, investido e construído pelo casal em seus dois últimos discos solos. Everything is Love encerra a trilogia iniciada pelo potente Lemonade (2016) e o confessional 4:44(2017). A união artística entre Bey e Jay não é novidade – “Crazy in Love”, “Déja Vu”, “Drunk in Love” estão aí para provar isso. Entretanto, é o ambicioso projeto do disco e da tour conjunta que consegue dimensionar o que um dos maiores rappers e uma das maiores cantoras do mundo significam para o mundo. Bey e Jay são sinônimo de poder – construíram um império no ramo musical capaz de fechar o Louvre e ofuscar o quadro da Mona Lisa. Bey e Jay são icônicos, referências em moda e na cultura pop do século XXI. Bey e Jay são insubmissos – dois indivíduos negros que fogem das estatísticas da comunidade negra nos EUA, que produzem novas narrativas e novas estéticas pautadas na centralidade da cultura afro e que já ganharam tanto dinheiro que garantiram a fortuna das próximas gerações. Everythig is Love é reflexo do amadurecimento pessoal, individual e conjunto de Beyoncé e Jay-Z, passando pela superação das crises do casamento, as propostas mais conceituais nos beats e nas lírica. Um disco feito por nobres da música contemporânea que vai das fragilidades e inseguranças às conquistas e ao triunfo.
Brenda Vidal