Exclusivo | Mergulhe no fog tropical de Nina Miranda

22/02/2017

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Por: Fabiano Post

Fotos: Regina Mester

22/02/2017

Se você nasceu em meados dos anos 80, ou em qualquer ponto temporal em diante, ainda não é um tiozinho de carteirinha. Mas calma, teu dia chegará. Seja como for, você talvez, nada, ou quase nada tenha ouvido falar sobre Nina Miranda ou da Smoke City. Então, a hora é agora! Nina é multitalentosa e prolixa às pencas. Destrinchar seus mais de 20 anos de carreira não foi tarefa fácil, diante da quantidade de infos, extras e algumas muitas viagens e divagações poéticas.

E foi exatamente desse jeito, tudo junto agora, descontraído, meio bagunçado, a flor da pele, cantarolando The Smiths com um acento abrasileirado, enquanto trampava como design em uma empresa londrina na década de 90, ou manufaturando nas horas vagas altos mix-tapes regados por algumas de suas infuências como: Benjor, Emilio Santiago, Elza Soares, Jackson do Pandeiro, Ed Lincoln e outros gigantes nacionais – para distribuir para amigos gringos – que a cantora, compositora e produtora, anglo-brasileira, Nina Miranda se tornou a rainha, mãe, deusa – adjetivismos a parte – da trip-bossa a versão caliente do trip-hop, e forjou suas bases musicais multiculturais que fariam explodir em altíssima rotação nas paradas britânicas de 97, o hitAÇO, meio bicho estranho, meio bossa, meio acid jazz, meio samba e outras especiarias, “Underwater Love”, da Smoke City, sua banda formada com o multi-instrumentista alemão-inglês-holandês e acima de tudo amante da música brasileira, Chris Franck e o DJ londrino Mark Brown.

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Em um período que a Inglaterra ainda sofria a ressaca do racismo dos conservadores anos da Thatcher, o exotismo e sonhos brasileiros eram o tempero perfeito para amaciar os costumes, o ambiente rígido, autocrítico, e o mix de insegurança e arrogância britânica. Um pouco antes do big-bang de “Underwater Love”, e posterior criação da Smoke, Nina foi assediada pelos caras do Massive Attack, que na época estavam atrás de uma vocalista. Lisonjeada porém decidida, declinou ao convite do Massive que precisava de uma vocal integral e sem compromissos. “O Smoke City era o meu bebê, tão minha praia, minha mistura musical dos sonhos, que nada ia me tirar dali, mesmo uma banda já tão bem sucedida”, confidencia Nina.

Foto: Paul Louis Archer

Miranda é um híbrido cultural de seu próprio meio. Esse é o segredo de sua inspiração criativa. Nascida no Rio, cedo, aos oito anos, foi morar em Londres. Pai brasileiro, o carioca e artista plástico Luiz Áquila, e mãe inglesa, a britânica, também artista plástica, Liz Thompson Miranda. Nina diz “que há leveza em não ser de um lugar específico, sem as regras únicas de um país, ter que escolher e rejeitar”. “O ambiente londrino fértil e repleto de contrastes, pessoas do mundo inteiro; push and pull, altos e baixos, seres sensíveis, com um mundo internalizado, acaba por criar novas misturas e tendências, punk, jungle e drum n’ bass, trip hop, grime”, completa Miranda. Sobre o Brasil Nina diz “que o costume de expressar livremente a felicidade, a tristeza, o carinho e o amor, torna tudo muito mais suave, criativo e aprazível. Aprendi com os músicos brasileiro como é importante ter um tempo para o bate-papo, tomar uma vitamina e sanduíche na lanchonete, sem pressa, antes de começar o ‘trabalho’, aí não parece tanto trabalho, tira a ansiedade, vira continuação do bate-papo, de ser a gente, que nos expressa musicalmente”, diz N.M! “Continuo a trabalhar assim em Londres, especialmente com ensaios e gravações em casa, aqui a gente pode comer e beber a vontade, um acaba se deitando no tapete, se não dormiu na noite anterior, enquanto o outro grava, me sinto com os Novos Baianos, aqui no meu estúdio”, conta Nina.

Underwater Love, Somke City & outras transas

Nina só pensava no Brasil, enquanto labutava na empresa de design. Um amigo DJ falou que tinha uma musica que fez especificamente para ela, depois de ouvi-la cantar no Hope & Achor – pub onde tocaram Sex Pistols, The Cure, The Specials, The Police, Madness e outros tantos. Era a base de “Underwater Love”. Nina levou a fita para casa, colocou no gravador, e em outro gravador colocou uma fita cassete virgem, colocou a primeira para tocar – é meu camarada, dava um trampo danado antes das facilidades digitais – a segunda para gravar e quando ouviu aquela musica, dramática, misteriosa, aquática, sensual, começou a cantar “this must be underwater love”. Nina disse que “nunca saiu uma musica tão fácil”. “A primeira audição já rolou quase toda a história… Como eu estava nadando nela pela primeira vez e gravei minhas sensações, acho que isso passa a quem ouvi-la. Descobrindo juntos”, explana Nina.

“Underwater Love” foi o carro chefe do primeiro álbum da Smoke City, Flying Away. Recebeu calorosas críticas da imprensa britânica e internacional, especializada; teve seu sucesso amplificado pela exposição como trilha sonora de um comercial de jeans dirigido por Michel Gondry, estava full time na tv-MTV e cinema. A música bombou na terra da Rainha em 1997! Isso acarretou uma porrada de convites para festivais e gigs. “Viajamos pelo mundo, especialmente Europa tocando em grande festivais sempre como headliners e chamando membros de outras bandas para dá uma canja percussiva no final”, conta Miranda.

Quando um jornalista da Melody Maker – a mais antiga publicação britânica sobre música, encerrou as atividades em 2000 – disse que Nina deveria usar a coroa da nova rainha da música pop, e que suas letras revelam uma grande poeta, nesse momento Nina sabia que o reconhecimento chegaria. Ela sabia que seria um sucesso. “Sou muito otimista e sabia que o que tínhamos era ouro, aventura, rebeldia , um gozo internacional, diferente e ao mesmo tempo reverente aos melhores momentos da música”.

Em 2001 o segundo álbum Heroes of Nature, não teve a mesma recepção. Para muitos fãs, o registro passou quase desapercebido, também foi o último trabalho da Smoke City, que em 2002 resolve romper com a gravadora.

Então, cada qual foi para o seu lado, sem dizer adeus. Mas as parcerias entre os ex-membros continuaram. Nina se juntou ao produtor Dennis Wheatley e formou o Shrift. A nova empreitada chegou a ser comparada com Portishead pela presença maciça de elementos eletrônicos e pela suavidade dos vocais de Nina.

O Shtrift foi um sabático na transição da Smoke City para a nova banda que Nina viria a formar com Chris Franck: a Zeep, em 2007, “uma versão mais orgânica da Smoke City”, conta Nina. Nessa transição Nina e Franck se casaram e tiveram o primeiro de seus dois filhos. Segundo a artista isso ficou impresso nas letras da banda. “As letras refletiam o nosso estado de casal, o romance, paixão, e também o dia dia mais maduro, e a energia de ter crianças em volta.”
O Zeep foi bem recebido pela critica, em seus teve dois álbuns gravados, o homônimo Zeep de 2007, e People and Things de 2010.

O que se seguiu nos anos vindouros, após o término da Zeep, foi uma série de parcerias de peso e altíssimo quilate, nomes como, Nitin Sawhney, Seu Jorge, Kassin e Domenico Lancelotti, Bebel Gilberto, o duo eletrônico Basement Jaxx, Nação Zumbi, Chico César, o guitarrista português <strong>António Chainho, Daniel Jobim, Berna Cepas, Moreno Veloso, Danilo Caymmi, Phil Dawson, Rodrigo Amarante, Chiara Banfi, Mauro Bergman, Armando Marçal, Plínio Profeta etc e tals.

Disco solo

O primeiro trampo solo de Nina tem previsão de lançamento para final de maio desse ano pela californiana Six Degrees Records, de São Francisco. Miranda diz que “é muito bom ser dona do próprio som”. O rebento atende pelo nome – mais do que adequado – de Freedom of Movement. O filhão ficou elástico, muitas músicas foram produzidas, um montão delas. Quinze faixas foram devidamente selecionadas para comporem o registro. “Gostei tanto da aventura que não queria parar. É música demais para um único registro. Entrava em um transe pessoal e podia ficar horas elaborando arranjos até tudo ficar perfeito”, conta a artista. “Aqui queria deixar as pessoas viajarem , coloca-las no umbigo da atmosfera do som, sentir a lama do mangue, a ecstasy nos olhos dos ravers em Manchester. Muitas viagens não só pelo mundo, ou universo; multiversos!”, Nina sobre “Nina”.

Sem mais milongas, e com exclusividade, a Noize lança a faixa “The Cage, gravada primeiro no Studio Audio Rebel Botafogo com Kassin e Domenico. Depois no Vanguard Studio, em Londres. É um rock and roll ouro, uma transa tropical entre Nine Inch Nails e Bauhaus – opinião minha – tem musculatura jazzística que lá pelas tantas se desdobra em iguarias MPBsistas. Nina, por sua vez, arrebenta nos vocais e saca sua poderosa arma, uma assinatura: aliar poeticamente as línguas de Camões e Shakspeare. O fôlego do peso da batera dita o ritmo, até se diluir em “água” como na magia percussionista do eterno bruxão Naná Vasconcelos.

Desde já, o álbum pode ser considerado a maturidade artística e uma compilação de tudo o que mais agrada Nina em termos sonoros-plásticos-artísticos. Tá tudo lá, o salseiro todo, MPB, samba, bossa, jazz, tri-hop, eletro-pop, tem até o tal de rock and roll. Definitivamente tem mais metais e está mais pesado. É um disco poderoso. Ficamos no aguardo.

Para quem quiser conferir de perto Nina Miranda no palco, em estado de graça, ela dará um rasante em duas gigs no Brasil, ambas no Rio de Janeiro; dia 23/02 se apresenta no baile de carnaval da Oquestra Imperial, no Circo Voador às 23:00; e dia 25/02 se apresenta, duplamente, com a banda Do Amor, no Rio Open Tennis Tournament, no Jockey Club, às 19:30 e 22:00.

Por hora, só me resta agradecer por essa maravilha criativa, fog tropical, “bagunçada”, que é a cabeça de Nina. Bravo!

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22/02/2017

Gaúcho, de Porto Alegre, vivendo a 15 anos no Rio de Janeiro. Colaborador da Vice Brasil e autor lusófono do portal de mídia cidadã Global Voices.

Fabiano Post