O Sonho da Vírgula | Waly Salomão: poesia sem fronteiras

08/03/2016

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Lucas Krüger

Por: Lucas Krüger

Fotos: Reprodução

08/03/2016

Inauguro hoje o espaço poético-musical O Sonho da Vírgula, chamado tal qual meu livro de estreia como poeta (saiba mais). Minha missão é apresentar poetas e suas interlocuções com o mundo da música, e hoje vou falar um pouco sobre o grande Waly Salomão.

Não há brasileiro que de alguma forma não tenha tido contato com ao menos alguma contribuição artística de Waly Salomão, mesmo que não saiba. Waly (nome árabe) era baiano de Jequié, descendente de sírios e sertanejos, amigo íntimo de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil e de todo o grupo tropicalista. Ainda que independente na sua arte, é considerado também como parte do tropicalismo, que estremeceu e ainda estremece a cultura brasileira.

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Foi o letrista de inúmeras canções interpretadas e musicadas por artistas como Jards Macalé, Moraes Moreira, Lulu Santos, João Bosco, Itamar Assumpção, Adriana Calcanhotto, além dos próprios Caetano, Bethania e Gil Dentre elas, podemos destacar “Vapor Barato”, imortalizada na voz de Gal Costa e, posteriormente, pela banda O Rappa. Além disso, produziu dois discos da Cássia Eller: Veneno antimonotonia (1997) e Veneno ao vivo (1998).

Waly circulou e dirigiu peças no mundo do teatro, protagonizou um filme sobre o poeta Gregório de Matos (contracenando com Marília Gabriela, veja abaixo) e foi até Secretário Nacional do Livro quando Gilberto Gil foi o Ministro da Cultura. Não posso deixar de mencionar uma proposta sua: que o livro fosse um artigo incluído na cesta básica do brasileiro. Waly percorreu a vida na fronteira entre a arte e a promoção da educação: era figura importante no Afro Reggae, movimento cultural nas favelas do Rio, do qual faz parte hoje o Centro Cultural Waly Salomão, em sua homenagem.

Todo o escrito anterior é apenas uma faceta do artista, pois Waly Salomão é, acima de tudo, poeta. Sempre deixou claro que todo o resto de seu trabalho fazia parte de ter que ganhar o pão que sustentava a família, e assim poder fazer o que queria, poesia. Waly viveu para a poesia, atuava e declamava em regime full time na intensidade da experiência, como dizem seus amigos.

“já não me habita mais nenhuma utopia.
animal em extinção,
quero praticar poesia
– a menos culpada de todas as ocupações.”

Waly Salomão no poema ‘’Clandestino’’ do livro Lábia (1998)

A poesia de Waly Salomão pretendia romper as fronteiras entre a vida real e a fantasia. “Vida é sonho”, repete o poeta incessantemente no documentário Pan-Cinema Permanente (2008), de Carlos Nader. Apaixonado por psicanálise, estudioso de filosofia, línguas e todos os tipos de manifestações artísticas, Waly chegou a ser considerado hermético por alguns, mas nunca deixou de usar sua erudição aliada ao coloquialismo, nem deixou de ousar e ser essencialmente experimental. Definia-se como um poeta borderline, um poeta de fronteira, que conseguia convergir na sua obra o árabe, o sertanejo e o carioca (morava no Rio de Janeiro) ao mesmo tempo em que convergia o popular e o erudito, a vida e o sonho, o macro e microcosmo. Todos esses temas lhe fascinavam e percorriam sua poesia lado a lado. Como quem não está amarrado, Waly fazia jus ao seu pseudônimo: Waly Sailormoon (algo como “Waly navegador da lua”, em português), pois sua poesia navegava na lua, assim como voava na água e mergulhava no fogo.

“Cresci sob um teto sossegado,
meu sonho era um pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado.

Agora, entre meu ser e o ser alheio
a linha de fronteira se rompeu.”

Waly Salomão no poema “Câmara de ecos” (1993)

Waly declamava suas poesias com uma intensidade teatral pouco vista por aí. Adepto do uso da imagem na expressão poética, ele divergia de Paulo Leminski, por exemplo, já que este era contra o avanço tecnológico e enxergava a morte da poesia diante das máquinas modernas. Sailormoon via além disto, pensava a poesia podendo fazer uso da tecnologia e dos recursos visuais que dela advém. O documentário que citei anteriormente deixa claro o uso teatral da imagem com o intuito de engrandecer a obra poética. Há leituras de poemas seus em faixas do disco O silêncio que precede o esporro (2003), do O Rappa, onde sua interpretação, junto a instrumentalização da banda, convocam o ouvinte a mergulhos profundos.

Sailormoon era um poeta universal em todos os sentidos, unindo o caos das galáxias ao caos humano, o poeta velejou rente à linha que separa e une todos os âmbitos da vida. Separou-se de nós em 5 de maio de 2003, deixando uma vasto legado à cultura brasileira, sendo que seus livros de poesia estão reunidos no volume único Poesia Total (2014). Dentre as homenagens ao poeta, há a canção Waly Salomão de Caetano Velloso e este belo vídeo-poema, com leitura de Maria Bethânia:


Obra poética de Waly Salomão (1943-2003):
1972-Me Segura qu’eu vou dar um troço
1983-Gigolô de bibelôs
1993-Armarinho de miudezas
1996-Algaravias: Câmara de ecos
1998-Lábia
2000-Tarifa de embarque
2004-Pescados vivos (póstumo)
2014-Poesia Total (Poesia completa + letras de música e extras)

Lucas Krüger é psicólogo, psicanalista e poeta, autor do livro O sonho da vírgula (2015): http://www.lucaskruger.com / arteseecos@lucaskruger.com

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08/03/2016

Na psicanálise e na poesia, respirar a metáfora máxima.
Lucas Krüger

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