Ouça “Mapa Astral, Vol. 1 ::: Fogo”, uma coletânea de produções 100% caseiras

14/08/2020

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Clara Trevisan/Divulgação

14/08/2020

Junte o conceito de casa, desdobre seus infinitos significados e contextos, faça a mística da Astrologia e da criação se misturarem, convoque artistas que se sintam estimulados por esse inquietamento musical/astral e pronto. É mais ou menos daí que surge Mapa Astral, Vol. 1 ::: Fogo, coletânea que inaugura o primeiro lançamento do selo Tal & Tal Records e que vem ao mundo hoje, 14 de agosto, com Sol em Leão. Ouça!

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Um passeio astrológico, coletivo, criativo e caseiro. A iniciativa que você ouve hoje é fruto da Tal & Tal Records, selo de música independente baseado em Porto Alegre e formado por Kevin Brezolin, Lagarto a.k.a Daniel Hartmann e Gustavo Tessler desde 2014. Mobilizados pela cena do homestudio, decidiram olhar para a quarentena vigente como brecha para experimentações em casa. Assim, lançaram o edital como projeto Mapa Astral, com o desejo de promover estudos, trocas e aprendizados colaborativos e independentes nas práticas de criação de música em suas infinitas formas. Assim, receberam diversas propostas musicais, organizaram um corpo curador e decidiram fazer do elemento Fogo a fagulha criativa para o Vol. 1.

Aproveitamos o lançamento para marcar uma leitura astrológica, ou melhor, um papo com Kevin Brezolin e Gustavo Tessler sobre a organização da curadoria, os planejamentos para os volumes Água, Terra e Ar, sobre qual o perfil de quem faz som em casa e como a produção caseira pode ser uma ferramente de democratização do fazer musical. Desça e se alinhe com o papo!

A fase de peneira dos inscritos no edital que resultou na lista dos artistas selecionados se deu de que forma?
Gustavo : Quando encerrou o período do edital, recebemos todas as músicas. Estávamos em três na organização, e decidimos chamarmos mais seis pessoas para a curadoria coletiva da coletânea. Foram convidadas pessoas próximas da gente e que são também envolvidas com música e artes de alguma forma, pessoas que a gente gosta e confia.
Kevin: Buscamos outras pessoas que agregassem a partir das suas áreas para essas escolhas; Chamamos a Bruna Anele, que é produtora executiva e já trabalhou com artistas independentes como a Saskia, e que inclusive continuou trabalhando junto com as mídias da coletânea. O Olímpio Machado, que é produtor, técnico de som do Agulha e de diversas bandas, e produtor A Carolina Sinhorelli, criadora da RAMPA acessórios, que trabalha com ressignificação de materiais, coisas que teoricamente seriam descartadas ganham uma nova utilização; Chamamos a Bê Smidt, artista que tem o projeto musical Viridiana e também produz música em casa. Também convidamos a Sara Nina que é artista, compositora e vocalista da banda ZANZAR, e convidamos a Elizabeth Thiel que trabalha com fotografia musical no Projeto Concha e no Morrostock.
Gustavo: O processo de curadoria também foi uma experimentação nesse sentido. Criamos um formulário online com todas as músicas que recebemos e essa galera da curadoria foi sugerindo e dando suas opiniões sobre as músicas e sobre o disco. Aí, quando nos, enquanto corpo do selo, nos reunimos novamente, começamos a pensar como organizar essas músicas. Chegamos em 14 sons que conversavam melhor com a ideia do fogo e se encaixavam no conceito de disco mapa astral, pensando qual música poderia ser o sol, qual o ascendente e assim em diante.


A coletânea começa com o elemento fogo. Por que essa decisão? Já existem ordens e datas para os EPs sobre terra, água e ar? Desse resultado, quais foram os timbres, temáticas poéticas e sonoras que mais deram a esse volume 1 a aura de fogo?
Kevin: A escolha de começar com o elemento fogo foi pensando no Sol em Leão, elemento regente no período em que a coletânea está sendo lançada. A gente não tem uma ordem pra próxima coletânea, mas a ideia é fazer mais uma nesse ano que, provavelmente, vai ser com o elemento Terra ou Água (Capricórnio ou Escorpião). Acho que o que mais chamou atenção nesse caso foram os timbres remetendo as coisas quentes, coisas com distorção, saturação, que acaba remetendo ao fogo descontrolado, coisas mais catárticas e cheias de graves. Como a galera sabia que o tema da coletânea era Fogo, muita gente usou isso na sua composição com alguma palavra na música. Algumas sonoridades são bem flamejantes no sentido de serem inquietantes, como as músicas do projetopalavra e do Erik Leyen que são mais descontrolada e me lembram um “incêndio”.
Gustavo: Esse primeiro foi uma experimentação no sentido de ver quanto tempo levaria do edital até a publicação do projeto. Talvez o próximo saia ali no fim do ano, mas é coisa da gente sentar e entender as datas possíveis.
Sobre os timbres, é algo bem subjetivo. As músicas estão relacionadas com o fogo, mas como isso está relacionado? É algo bem subjetivo. Tem umas músicas que o fogo está presente nas letras, mas não são todas. Existe uma relação subjetiva até na Astrologia. Não tem um determinismo em dizer que fogo é assim, tal Signo é assim. Cada música teve um olhar diferente dentro da curadoria. E no fim isso dá uma mistura legal.

Com esse recorte dedicado a quem faz som em casa, nesse primeiro momento, qual é a cara dessa galera? Esses artistas conseguem refletir um conjunto diverso em raça, gênero e classe, por exemplo? Que insights vocês tem a partir desse olhar?
Gustavo: Existe, sim, uma pluralidade ao se olhar para os corpos presentes nessa coletânea. Mas, infelizmente, ainda há uma representação majoritariamente branca, cis e masculina, sabe? Não sendo isso como desculpa, mas entendendo como um projeto idealizado por três boys brancos e com uma divulgação começou a partir dos nossos grupos sociais nas redes, nossas bolhas, isso faz sentido – apesar de que devemos fazer o máximo possível pra que esse sentido se desfaça. Acredito que isso é um reflexo também de uma sociedade, onde os homens são mais encorajados a divulgarem suas coisas. Vários grupos online de produção ou homestudio ainda são majoritariamente compostos por homens. E mesmo dentro deles às vezes parece que as mulheres são desencorajadas a compartilhar. Evidente que a ideia não é aceitar isso no conforto da nossa masculinidade branca, mas sim que as pluralidades aumentem. Incluindo uma multiplicidade maior de pessoas no corpo do selo, divulgando mais e tendo um alcance maior, divulgando em mais ambientes, mas isso vamos aprendendo através da experiência. Para a maneira que esse primeiro volume aconteceu (muito rápido, sem muita divulgação), se deu assim, com estes corpos. Esperamos que essa primeira coletânea circule e que no próximo volume a gente tenha uma pluralidade de fato maior. O lance é insistir mais, né! Fazer mais uma coletânea e estimular que o pessoal produza em casa e veja que isso é possível.
Kevin: Acho que a diversidade é uma característica forte entre as pessoas que estão na coletânea. No início, a gente tinha um receio que isso não acontecesse, mas rolou uma pluralidade, talvez não tanto quanto a gente gostaria, mas a possível. Tem o Lerry que é da Bahia e Zylus que é do Rio de Janeiro, o resto da galera é do sul. Então isso já foi legal de chegar no primeiro volume com pessoas de outras partes do Brasil. A ideia foi sempre levar em conta a diversidade nas etapas do processo, principalmente na própria escolha das músicas. O acesso e a pluralidade é uma preocupação contemporânea, que é necessária, e nós como idealizadores da coletânea, estávamos conscientes de nosso lugar e preocupados com isso desde o início. Sobre a diversidade na forma de fazer, uma característica muito legal é que algumas músicas foram gravadas pelo celular. As vozes das músicas de Zylus e da Heloisa foram gravadas no celular.  O Aranha Movediça fez todo o som pelo computador. Só a master foi feita no computador e por um software simples e gratuito. Acho que a cultura do homestudio se tornou popular nessa década pelo número de ferramentas e softwares que começaram a surgir. Um insight que eu tenho a partir desse olhar é que é possível produzir música com poucas ferramentas. Acredito que isso possa ter um desdobramento mais social até em um futuro. Por exemplo, eu imagino um projeto numa escola em que ensinamos os adolescentes como produzir e descobrir formas de fazer música com um celular. Acho que quebrar com esses padrões é uma coisa que a música faz volta e meia, né?

Ainda sobre a cultura de homestudio. A Tal e Tal e esse projeto tem unido diversos saberes na façanha de produzir som de forma independente. Vocês já vislumbram a realização de conteúdo, cursos e até formações para popularizar e fomentar novos produtores, produtoras e artistas?
Kevin: A partir do encontro com esses artistas já começamos a construir algumas afinidades. Buscamos essa soma com a galera que faz som em casa. Uma das ideias da Tal & Tal é ser uma espécie de lar virtual, uma casa em comum pra quem produz som em casa, saca? Um espaço para você frequentar e postar seu som e tal. A ideia é ser um ambiente de troca e de conexões. Eu tenho uma ideia que seria esse projeto Tal & Tal nas escolas. Ensinando os jovens a produzir música a partir das ferramentas disponíveis. E também eu já dou cursos de produção de “música caseira”, mas é um projeto pessoal não está de fato vinculado ao selo. Uma coisa que senti falta nessa primeira coletânea foi de organizar um encontro com todos os artistas. A gente vai fazer entrevistas com os artistas nas nossas redes. Quem vai entrevistar o pessoal vai ser o João Cé que é guitarrista da Trabalhos Espaciais Manuais e produtor musical. 
Gustavo – Nesse material, o João vai explorar as estéticas sonoras possíveis em homestudio (e várias coisas além disso). Eu enxergo essa coletânea como um grande estímulo. Um estímulo pra nós mesmo que produzimos música em casa e queríamos lançar de alguma forma. Lançamos o edital e foi uma espécie de estímulo ao pessoal para produzir. Teve gente que mandou recado agradecendo a ideia do edital, do tipo “ah! vi o edital e resolvi voltar a fazer som em casa”. Isso é muito legal e gratificante. A partir do disco, é legal que o pessoal perceba as possibilidades de fazer som em casa. Não que quero que o pessoal faça som só pra coletânea, mas faça som pra vida e pra ser feliz. É legal ver na música uma maneira de se expressar, de produzir e de mostrar pro mundo qual é a sua mensagem.

14/08/2020

Brenda Vidal

Brenda Vidal