Pedro Pessanha e o projeto Cabeça de Nego

02/07/2020

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Pedro Pessanha/Divulgação

02/07/2020

Pedro Pessanha é artista, pesquisador e mestrando em estudos contemporâneos da arte na UFF. Seus trabalhos, assim como a sua pesquisa, exploram as conexões possíveis entre as palavras e as artes visuais. Ele também realiza uma pesquisa contínua em ilustração e quadrinhos.

Pedro Pessanha/Reprodução

Atualmente, não podendo realizar o seu trabalho de tatuador no Estúdio Acervo, Pedro lançou um financiamento coletivo no site Benfeitoria, a fim de viabilizar um projeto chamado Cabeça de Nego. O trabalho consiste em um álbum de risografias com retratos ilustrados de músicos e compositores negros que marcaram a história da música brasileira e a vida de Pedro: Jards Macalé, Luiz Melodia, Itamar Assumpção, Gilberto Gil, Djonga, Sabotage, Mano Brown  e Naná Vasconcelos. Para apoiar o projeto, é só clicar aqui

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Jards Macalé por Pedro Pessanha

Como o próprio Pedro explica no site do financiamento, a ideia é que o álbum funcione tanto como uma publicação para ser guardada em uma prateleira de livros ou vinis, como obras separadas para serem penduradas na parede de casa.

Para entender melhor a escolha dos artistas e a ideia por trás do nome e das ilustrações, a NOIZE foi conversar com o Pedro sobre o Cabeça de Nego, confira: 

Por que a série de chama “Cabeça de Nego” e que sentidos esse título ganha ao ser composto pelo retrato desses oito artistas? 
Cabeça de Nego é o nome de um pequeno explosivo, presente em festas juninas, torcidas organizadas e brincadeiras de crianças. Na mão de quem precisa, é uma forma de fazer muito barulho com poucos recursos. Muitas vezes usado em escolas, eles podem causar um distúrbio que interrompe um discurso uniforme. Contextualizando com a série de retratos é também um aceno a forma como esses artistas tiveram que se impor, apesar do que se esperava deles em cada um de seus contextos específicos. Seus esforços para desafinar o coro dos contentes nem sempre receberam o reconhecimento devido, e a publicação vem nesse desejo de homenagem.

Alguns dos artistas são celebrados pelo público não periférico, de classe média alta e branco. Mas, o que o trabalho de cada um desses artistas pode significar para um homem negro que não faz parte dessa bolha? 
Pode significar uma ponte, um aceno e um respiro de que ele não está sozinho, acesso à pistas de como sobreviver, histórias de quem veio antes, recursos para formação de uma identidade e de um amor próprio. Um bote de esperança e companheirismo.

Pode compartilhar por que o recorte por artistas homens cisgêneros? Está alinhando com sua vivência?
Sim, completamente. Acho que apesar desse recorte ter mais visibilidade, sinto que a masculinidade negra não é tão conversada, principalmente entre os próprios homens negros. Acabamos reproduzindo nossa própria hipersexualização, a objetificação do nosso corpo, assim como essa postura estóica e infalível, que se por vezes se faz necessária para sobreviver em um mundo que nos quer mortos, é também insustentável e muito tóxica para nós e para as pessoas ao nosso redor. Na minha vivência particular, cresci sem muitas referências de pessoas que parecessem comigo, fora da minha própria família, então música teve esse papel, de conexão com vidas paralelas à minha, tanto na produção desses artistas, como na forma que eles se relacionavam com o mundo, como homens negros e autores. Cada um de sua forma, contribuíram para a construção de um leque de operações, desde fechar o peito e encarar o mundo de frente, quanto de criar espaço de parar e olhar pra si, e ver o estrago que essa necessidade faz em nós mesmos.

No seu vídeo de lançamento do financiamento coletivo, você explica que a risografia – método de impressão monocromático – às vezes resulta em desalinhos, coisas que “fogem ao nosso controle”. Você acha que a riso é até um formato que pode nos ajudar a metabolizar situações pandêmicas que agora estamos passando e totalmente do nosso controle?  
Podemos encarar dessa forma, sim. A capacidade de metabolização de violências que fogem do nosso controle, atualizada no descaso do governo com a população no contexto pandêmico, perpassa toda nossa história atlântica. A maleabilidade, a capacidade de absorção e contorno das adversidades, muitas vezes retratada como uma característica de subserviência na experiência negra brasileira, para mim é, na verdade, nossa maior força de sobrevivência.

Se nos impedem de reverenciar nossos deuses, atravessamos eles em imagens impostas. Se não podemos sambar no asfalto, dancemos no sambódromo. Não como concessão, mas como forma de garantir uma continuidade. Flexibilidade que permitiu que a corda não se rompesse, que essas identidades sobrevivessem diversas e contínuas tentativas de apagamento. Esse processo foi imposto a partir de muita violência, e seu produto não é motivo de celebração – mas a operação que permitiu que, face esses golpes, nos mantivéssemos vivos, é sim.

Abraçar essa fluidez como traço de força é importante, e gosto desse paralelo que vocês propõem entre ela e o abraço da margem do erro da risografia, o que torna único o impresso é o mesmo que nos torna únicos. O negro brasileiro é acima de tudo um sobrevivente.

Confira as demais ilustrações do Cabeça de Nego:

Gilberto Gil
Itamar Assumpção
Sabotage
Mano Brown
Djonga
Naná Vasconcelos
Luiz Melodia

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02/07/2020

Brenda Vidal

Brenda Vidal