St. Vincent, a nova David Byrne

06/06/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

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06/06/2014

Cacete!, mas que título presunçoso, muitos diriam. Bem, talvez ele de fato seja. Porém não dá para negar que a St. Vincent se esforça muito em querer ser uma versão contemporânea do eterno líder do Talking Heads. Vamos pegar dois pontos cruciais.

1. A pegada “artsy-pop-chicletona”

*

Não dá para negar que o Talking Heads sempre fez um pop-rock (existe ainda esse termo? Parece tão Disk MTV) mais cabeçudo (com o perdão do trocadilho). O maior hit da vida deles fala de um assassino psicótico com um refrão repleto de cognatas maravilhosos. Todas as músicas e experimentações do Talking Heads sempre colocaram David Byrne como uma espécie de vanguardista da música de rádio. Depois que ele começou a trilhar caminhos solos, então, nem se fala.

Fazer parceria musical com Brian Eno é algo que configura uma pessoa como über a frente do seu tempo. Um prédio musical ligado por milhões de fios a um piano faz Berlim parecer a Berrini (para quem não é de São Paulo, peço para imaginarem um bairro feito a imagem e semelhança de Caio Ribeiro, o comentarista esportivo da Globo). Pegar uma artista novata com potencial e fazer um álbum meia-boca, mas tudo bem, o que importa é o prazer de trabalharem junto e apadrinhá-la, é o ápice de um vanguardista humilde que já se sabe fodão. E olha aí quem é a artista.

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St. Vincent nunca negou sua admiração por David Byrne e o álbum que eles fizeram em parceria mostrou que a recíproca é verdadeira. Esse aval dado por Byrne provavelmente causou uma transformação profunda na cantora, como se ela fosse um brasileiro que vai para a Índia reconectar-se com um eu mais profundo tomando banho no Ganges, deixa de chamar-se Valdir e só atende por Rhatva Pradama Bugiganga, ou Raio da Luz Eterna e Boa Esperança. Se antes Annie Clark era uma garota com potencial e ótimos álbuns, tanto solo como participante do Polyphonic Spree, mas levemente parecidos com tantas cantoras que despontavam por aí discípulas de Kate Bush (Regina Spektor, Florence, Lilly Allen, etc), agora ela vestira pra valer a carapuça do pop de vanguarda e… segura aí que os álbuns serão pedreiras!

2. O álbum St. Vincent

É até simbólico uma cantora batizar um álbum homônimo somente após o quarto (ou quinto, se contar o álbum com David Byrne) lançamento. É como se pedisse para, antes desse álbum, esquecerem levemente o que ela fez, que não era ela de verdade quem estava escrevendo e compondo aquelas músicas e que, a partir deste álbum, o rio foi dividido e a verdadeira St. Vincent é essa aí, com cabelos tingidos quase de branco e meticulosamente bagunçados, num misto de Davids (Byrne e Lynch) com Tim Burton. É um cabelo quase robótico de tão humano que é. Seu olhar começou a contemplar apenas o horizonte, sua postura se tornou épica. Se antes ela olhava para as capas de álbum com certa complacência e pedindo para ser amada (o que, convenhamos, não é difícil, porque, além de talentosa, é a maior gatinha da paróquia), agora ela não pede mais nada, pois o fruto de seu romance com David Byrne a tornara semideusa também. O clipe de “Digital Witness” comprova muito bem o que quero dizer.

O álbum ganhou uma forte pegada eletrônica, as letras tornaram-se um pouco mais densas, as referências e homenagens ao Talking Heads e outras bandas de vanguarda dos anos 70 e 80 vão para além de títulos de música como “Psychopath”, mas no uso de diversos instrumentos e ruídos incomuns no pop. Muitas músicas têm uma leve sujeira que é quase incômoda não fosse a voz cristalina de Atenas (imagino Atenas com uma voz cristalina como se a laringe fora esculpida em Murano) de St. Vincent. É aquele álbum que transita entre o sujo e o limpo o tempo inteiro, entre o sagrado e o profano, o simbólico e a rés-de-chão. Para cada ocultismo, uma luz; para cada sintetizador e saxofone fora do lugar, um refrão comum, um bridge familiar; para cada estranhamento, músicas não muito longas para não cansar. O álbum consegue caminhar com maestria na corda bamba das tensões dualistas. Isso é um dos princípios das realizações verdadeiramente artísticas: trabalhar bem com pólos opostos e tirar o máximo deles.

Justamente por isso que St. Vincent, o álbum, não cansa: nunca pesa a mão em algo entrópico ou simplório demais. “Birth in Reverse”, como nome de música e como estrutura, é uma ótima prova desta complexa construção.

Se todo o álbum é estranho, o fechamento não poderia ser mais épico. “Severed Crossed Fingers” tem uma pegada ABBA ressoando na canção inteira. (Sim, ABBA, a maior banda de todos os tempos. Na minha humilde opinião, é claro). Mas ao mesmo tempo em que a referência ao quarteto sueco aparece, St. Vincent trabalha no lado oposto ao da energia solar da banda sueca e lança certa sombra em um uivo triste e desesperado gritando “Enough!” em um crescendo antes do fechamento da canção. O que é que basta? O álbum, a influência e o peso de David Byrne, a referência ao Abba? Ou é só um recurso estilístico mesmo e eu que estou viajando demais?

Em resumo, o álbum homônimo de St. Vincent consegue atingir todas as pessoas com muita tranquilidade. É um álbum multitexturizado e multicamadas. Se você está com vontade de receber vários amigos em casa e quer dar uma animada no ambiente, solta lá o álbum que todo mundo vai remexer os esqueletos e se divertir um monte. Se você quiser parar e prestar atenção com detalhe em cada canção, talvez chegue a viagens alucinatórias e estranhas como essas que estou tendo. (Se estiver nessa pegada, preste atenção apenas no coro de “Prince Johnny”, outra música abbística. Doideira pura, a música toda fica parecendo um canto gregoriano do século XXI.)

Criar músicas em diversas camadas de interpretação é algo que David Byrne sempre conseguiu fazer. E é algo que poucos conseguem. Não é fácil, principalmente quando se pretende ser pop, assume-se pop. E nisso St. Vincent é pupila direta dos ensinamentos do líder do Talking Heads.

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06/06/2014

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