Araújo Vianna vira planetário com uma Gal-áxia ressignificando o tempo

03/10/2015

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Jessica Dachs

Por: Jessica Dachs

Fotos: Ariel Fagundes

03/10/2015

A noite nublada e instável desta sexta-feira, 2 de outubro, em Porto Alegre, era solo de grande expectativa detrás do que a exponencial cantora Gal Costa traria ao palco como síntese de uma trajetória simbólica para a história musical do país.

A turnê “Estratosférica”, transe entre o novo disco e os clássicos, já era prenúncio de algo muito diferente do qual seu público estava habituado. Visto como uma continuidade do álbum anterior, Recanto (2011), considerado por muitos de seus fãs como um disco deslocado de uma possível lineariedade MPB, sintetizadores e experimentação causaram algumas arrugas nas testas.

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Sabia pela crítica e entrevistas que essa obra continha uma fusão entre o passado e o presente em questão de representatividade da música nacional. Com produção de Moreno Veloso e Kassin, e a presença de algumas figuras como Guilherme Arantes, Junio Barreto, Criolo, Céu, Mallu Magalhães e Marcelo Camelo, entre os estandares naviloucos que já conhecemos: Tom Zé, Caetano Veloso, Antônio Cícero, João Donato, Arnaldo Antunes e Marisa Monte. Anunciava-se uma bomba surpresa.

Soube que ela viria a província, então anulei meus afãs auditivos para disfrutá-la ao vivo.

Enquanto as cadeiras do Araújo eram preenchidas, repentinamente ouviram-se palmas reverentes à presença cósmica de Milton Nascimento, participante e espectador que acomodava-se humildemente entre o público. Alguns poucos minutos depois os alto-falantes anunciavam a entrada da Leoa.

E assim foi. Aos poucos as luzes desvendavam um par de sapatos vermelho errantes, um vestido franzido flamenco-tropical, o cabelo selvagem, a empatia e a presença-potência da experiência na pele. 70 anos de uma existência fatal.

Os companheiros de palco, todos grandes músicos: Guilherme Monteiro (guitarra e violão), Mauricio Fleury (teclados e guitarra), Fábio Sá (contrabaixo) e Thomas Harres (bateria) fizeram jus à composição artística de Marcus Preto, que criou um ambiente leve, minimalista e etéreo que lembrava as poesias de Haroldo de Campos.

A abertura pé-na-porta foi um ronquerou composto por Antônio Cícero e o cantor Arthur Nogueira “Sem Medo nem Esperança” cuja própria Gal confessa ser a mais próxima representação do que vive e sente no momento.


“Não sou mais tola / Não mais me queixo/ Não tenho medo/ Nem esperança // Nada do que fiz/ Por mais feliz/ Está à altura/ Do que há por fazer // E se me entrego às imagens do espelho sob o céu/ Não pense que me apaixonei por mim/ Bom é ver-se assim/ De fora de si// Eu viveria tantas mortes/ E morreria tantas vidas/ E nunca mais me queixaria/ Nunca mais”

Palavra por palavra, dando todo sentido ao que seguiu, o show demonstrou o corpo físico do ontem, hoje e amanhã. Além dos ineditismos do novo CD, houveram outras canções com arranjos surpreendentes, entre elas: “Cabelo”, “Pérola Negra”, “Como 2 e 2” e “Objeto Não Identificado”, além de “Vingança” (de Lupicínio Rodrigues) e “Os Alquimistas Estão Chegando” (de Jorge Ben).

Muito particularmente, o momento cume, de grande intimismo, foi quando Gal fica sozinha no palco e anuncia que vai tocar violão. Lembrando um passado vivido com Caetano Veloso, a bahiana conta para o público como o então desconhecido compositor lhe ensinou “Sim, foi você”, canção seminal que Gal gravou em compacto editado há 50 anos pela gravadora RCA.

Muitas vezes, como fãs, ficamos doídos que algumas das nossas grandes afeições não entrem no setlist, mas juro, dentro da minha percepção, que era possível, além do som, ver a presença dessas outras músicas, da integridade dos outros discos.

O poder da feminilidade da canção brasileira ficou exposta todo tempo (uma explosão interestelar rolou quando, de repente, na sabedoria da voz, Gal interpreta a bluzzeira da ovelha negra Rita Lee “Cartão Postal”).

Após o fim, houve o presente de dois bônus, onde era possível ver a completude da grande beleza que a cantora ainda carrega acesa por dentro.

Confira o Set do show:

1. Sem medo nem esperança (Arthur Nogueira e Antonio Cícero, 2015)
2. Mal secreto (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971)
3. Jabitacá (Lirinha, Junior Barreto e Bactéria, 2015)
4. Não identificado (Caetano Veloso, 1969)
5. Namorinho de portão (Tom Zé, 1968)
6. Ecstasy (João Donato e Thalma de Freitas, 2015)
7. Casca (Jonas Sá e Alberto Continentino, 2015)
8. Dez anjos (Milton Nascimento e Criolo, 2015)
9. Acauã (Zé Dantas, 1952)
10. Cabelo (Jorge Ben Jor e Arnaldo Antunes, 1990)
11. Quando você olha pra ela (Mallu Magalhães, 2015)
12. Cartão postal (Rita Lee e Paulo Coelho, 1975)
13. Pelo fio (Marcelo Camelo) – música inédita
14. Três da madrugada (Carlos Pinto e Torquato Neto, 1973)
15. Sim, foi você (Caetano Veloso, 1965)
16. Como dois e dois (Caetano Veloso, 1971)
17. Pérola negra (Luiz Melodia, 1971)
18. Por baixo (Tom Zé, 2015)
19. Arara (Lulu Santos, 1987)
20. Estratosférica (Céu, Pupillo e Junior Barreto)
21. Os alquimistas estão chegando os alquimistas (Jorge Ben Jor, 1974)
22. Meu nome é Gal (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969)
23. Vou buscar você pra mim (Guilherme Arantes, 2015)
24. Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951)

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03/10/2015

Jessica Dachs

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