Resenha | O duplo perfeito em Céu

02/03/2015

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

02/03/2015

Fotos: Ariane Lira

O lançamento do DVD Céu – Ao Vivo inspirou esta conversa que a NOIZE teve com a artista e também o show que ela fez em São Paulo no último dia 21. Como falar não basta, fomos ver ela ao vivo e contamos para você como foi abaixo.

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Céu é uma cantora quente. Seu som lembra uma floresta úmida, não sei se equatorial ou tropical, mas uma floresta em que aves exóticas e feras quase fantásticas convivem, como um grande quadro de Rousseau, talvez aquele tigre que nos encara de um jeito meio ingênuo mas sedutor. Somos uma presa diante do calor de Céu, calor esse que passa por cada uma de suas músicas e transmite para a plateia, que devolve com milhões de gritos. “Linda!”, “gostosa!”, “casa comigo!” nós dizemos enquanto sua voz suave nos entorpece, enquanto entendemos que ali há uma sereia a nos encantar, uma sereia da terra, mas também do ar e da água. O nome Caravana Sereia Bloom é tão certeiro quanto sua voz é uma flecha que acerta nossos ouvido no alvo. Confesso que estava muito empolgado para ver sua apresentação no Sesc Pinheiros, no último dia 21.

Foto: Ariane Lira

Foto: Ariane Lira

Fazia tempo que eu não via um palco tão bonito como este do show da Céu. Geralmente cobrindo shows menores e mais intimistas vemos palcos simples, onde a luz pode ser a grande protagonista, ou imagens no telão transmitem uma narrativa complementar a do show. Lá era diferente. Uma plantação toda tropical (ou equatorial, sinto que falta um breve curso sobre biomas e botânica para mim) dava um pequeno ar oitentista meio brega, mas, ao mesmo tempo, lascivo. Mesmo sem ter nenhuma planta no filme Drive (2011) ou no jogo Hotline Miami, senti algo familiar ali, talvez no uso do neon azul e da iluminação meio roxa. A direção de arte era realmente primorosa, principalmente pela Iemanjá colocada estrategicamente no centro do palco ao lado de Céu, sempre permancendo iluminada por uma luz amarela. A figura da Iemanjá no meio dessa floresta ressalta o ar múltiplo da cantora sereia da terra. A roupa da Céu também mostrava essa natureza anfíbia: sempre brilhando com um vestido verde com rabo de sereia e um braço à mostra, os cabelos à Gal revoltos, toda a movimentação dela no palco num constante diálogo entre mar e floresta, com pequenos movimentos sensuais misturados com remelexos da mais pura brasilidade. Como dança a Céu!

A banda que acompanha a cantora também é primorosa: a guitarra de Dustan Gallas altera toda a natureza dupla do show, ora voraz como gritos de macaco na selva, ora mansa como o navegar de baleias no ocenano; o baixo de Lucas Martins acompanha perfeitamente o pulsar do sangue de cada um da plateia, como todo baixo deve ser, presença discreta, mas completamente vital para fazer circular no fluxo certo toda a banda; o baterista Bruno Buarque também sabe o momento certo de acelerar o ritmo, de pausar, dá vontade de querer ser um pouco Fletcher do Whiplash (2015) e dizer “quite not my tempo”, mas está tudo tão redondinho e ritmado que a melhor coisa a se fazer é levantar e ficar dançando; por fim, o grande DJ Marco, responsável por todas as múltiplas camadas (que são realmente múltiplas) em cada música da Céu, além de fazer as locuções que levam o show para um bailinho dançante no centro do Rio. Tudo muito harmônico, redondo, puro charme.

Foto: Ariane Lima

Foto: Ariane Lima

O show seguiu o recém-lançado DVD, afinal era esse o seu motivo: introdução com “Fffree”, depois seguida pelo psicodelismo tupiniquim de “Falta de Ar”, que combina perfeito com todo o cenário, as luzes, a ambientação. É uma música muito ideal para de fato se começar o show. Quando a terceira música, a linda “Amor de Antigos”, começou, a luz roxa se tornou mais forte e velas se acenderam no palco; o tamborim tocado suavemente de lado por Céu tornava toda a letra nostálgica e romântica numa grande experiência sinestésica: era possível cada um ali imaginar o seu próprio amor de antigos, existente ou ainda para nascer; a própria voz da Céu, cheia de variações e alcances, davam o tom atemporal de um amor que passa por tudo, pelos momentos graves e agudos, doces e melódicos. A própria cantora estava feliz, emotiva, relembrando o primeiro show que fez na Galeria Ouro Fino, traçando ela mesma um paralelo musical com a música que acabara de cantar. Após a memória foi a vez de “Contravento”, uma música mais solar, a luz mais dourada e laranja contrastando com a nostalgia sensual roxa e rosa de “Retrovisor”. “Retrovisor”, aliás, música que teve ao vivo um bridge lento, esfumaçado como uma noite de sexo quente e úmido numa choupana a beira de um rio. Céu é corpo e ela sabe demonstrar isso com sua música. São músicas corporais que torna impossível ficar sentado no auditório. A plateia percebeu isso e logo se levantou, dirigiu-se para o canto a fim de não atrapalhar quem queria permanecer sentado: casais começarem a se abraçar, a dançar colados, solteiros começaram a fechar os olhos e a sentir cada música em seus pelos eriçados. Até que veio “Mil e Uma Noites de Amor”, cover de Pepeu Gomes que, para mim, consegue superar a versão do grande guitarrista do Novos Baianos. Quando Céu canta que só quer você e mais nada, você acredita piamente, mas, ao mesmo tempo, reflete todo esse pensamento para alguém que você ama.

Foto: Ariane Lima

Foto: Ariane Lima

Vale dedicar um espaço para “Mil e Uma Noites de Amor”, música muito especial. É a canção do sexo com amor. É muito difícil ouvi-la e não vir flashes de momentos que a música talvez nem estivesse como pano de fundo, mas sua presença se fazendo de outras maneiras: em cada toque que lembra a beleza humana, em cada palavra que soa como poema, da força simbólica da cama (que não precisa ser uma cama propriamente dita). Foi um dos grandes momentos no show, sem dúvida, principalmente com bolhas de sabão caindo no palco. A voluptuosidade da música é tanta que, ao término, uma mulher gritou para Céu “gostosa”! Talvez tenha sido apenas para Céu, mas acredito que tenha sido para todo o contexto.

O show seguiu com toda a presença de palco da cantora, que, imponente, parecia fazer com que cada música fosse a primeira do show, levando a plateia abaixo sempre como se tudo estivesse sempre começando, um eterno estado de paixão. Que pena que o show uma hora acaba, mas, antes, Céu cantou “Malemolência” (num pout-pourri maravilhoso com “Mora Na Filosofia”, de Caetano), “10 contados” e “Chegar em mim”. Ao fim, um pequeno tributo a Bob Marley (que a cantora realiza constantemente com os shows do Catch a Fire), com “Concrete Jungle”, na qual ela dedicou para uma criança que subiu ao palco e ficou no colo da cantora. Além de tudo, uma fofa.

Foto: Ariane Lima

Foto: Ariane Lima

A criança no palco, toda a dança e expressividade corporal da cantora, o palco com suas plantas tropicais (vou definir aqui como tropicais), a banda e a iluminação sempre mostraram uma natureza dupla, de luz e sombra, de sexo e sedução, de nostalgia e olhar para o futuro, de sereia da terra e da água, típicos de uma cantora com plena consciência e maturidade de si mesma, que sabe agradar a gregos e troianos no momento que melhor lhe convir. Com a Céu é isso: nós apenas esperamos dela o que ela quiser e quando ela quiser. E tudo bem. Na verdade, tudo maravilhosamente bem.

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02/03/2015

Revista NOIZE

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