A Aura de David Bowie

11/04/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

11/04/2014

Foto: Gil Vicente/Divulgação

A NOIZE me pediu um texto sobre a exposição de David Bowie no Museu da Imagem e do Som (em cartaz até 20 de abril), mas nunca foi tão difícil escrever uma simples resenha. Primeiro, porque a admiração e o respeito são tão grandes a ponto de causar paralisia. Segundo, porque, depois de três anos lendo apenas teoria (e produzindo teoria), a escrita saiu um tanto densa, distante da leveza apropriada para um site de música. À medida que ia escrevendo, percebi que estava quase redigindo uma monografia. Puxei o freio, e optei por reunir anotações mais soltas, recortes desconexos de minhas impressões.

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O verbo no título da exposição David Bowie Is (perdido na tradução brasileira) expressa com eficiência a sensação que temos ao percorrer os vestígios da trajetória criativa e mundana deste artista: há somente um homem por trás de todas aquelas maravilhosas fantasias e ficções. E ele está presente em cada detalhe. Grafado no tempo presente, o verbo também nos lembra que, apesar do inventário de glórias do passado disposto à nossa frente, o homem está vivo.

Foto: Vicente Gil/Divulgação

Foto: Vicente Gil/Divulgação

David Bowie é um mestre da apropriação. Suas diversas homenagens (e plágios) comprovam o quanto ideias alheias podem ser úteis. Bowie percorre o mesmo caminho de Andy Warhol (um de seus célebres homenageados) ao transitar entre o high and low da cultura. Ele usa estratégias das vanguardas mais radicais do século XX, inserindo-as num contexto pop.

Um dos primeiros segmentos da mostra revela como Bowie adotou o procedimento da colagem praticado por escritores como William Burroughs (que o chamou de cut-up): a técnica de cortar fragmentos de textos e recombiná-los, desvelando sentidos ocultos nos meandros da linguagem. Bowie chegou a usar um software para facilitar o processo. Desenvolvido por Ty Roberts, nos anos 1990, o Verbasizer recombina aleatoriamente grupos de palavras, e cria cenas com as quais o artista pode construir canções e personagens, permitindo o acesso a imagens oníricas “sem ter que passar pelo tédio de dormir”. Os surrealistas ficariam orgulhosos.

Em sessões que resultaram na sublime trilogia berlinense, que contém os momentos mais experimentais de sua carreira, Bowie empregou os métodos do não-músico Brian Eno. Um deles é o jogo de cartas estratégias oblíquas, série de instruções que propõem resolver dilemas criativos com aforismos que muitas vezes valorizam a indeterminação, o imprevisto, o descartado e o banal (Honra teu erro é um exemplo). Os dadaístas e seus discípulos aprovariam o procedimento. As cartas originais, criadas por Eno e pelo pintor Peter Schmidt, estão exibidas na mostra, ao lado da colagem com a letra de “Blackout”, do álbum Heroes.

Foi a partir de 1976, transitando anonimamente pelas ruas e galerias de arte de Berlim, que Bowie começou a se interessar pela pintura. Em um depoimento, ele confessa que a pintura o fez tomar gosto novamente pela música, após um longo ano de abusos nos Estados Unidos. Na seção dedicada à fase berlinense (minha favorita), estão algumas de suas pinturas expressionistas, dentre elas, um colorido retrato do amigo James Osterberg – mais conhecido como Iggy Pop.

"A Portrait of J.O.", por David Bowie, 1976

“A Portrait of J.O.”, por David Bowie, 1976

A moda pode ser considerada o foco principal da exposição. Nela, assim como na criação musical, fica evidente o quanto David Bowie é também um mestre do diálogo (sua vontade do outro é inesgotável). O aspecto colaborativo ocupa um lugar importante em seu processo criativo. Os figurinos, desenhados com o mesmo rigor empregado na construção das canções, são fundamentais para o desenvolvimento das múltiplas personagens do multi-artista em constante reinvenção.

Durante a visita, dei mais atenção aos objetos que aos vídeos, apesar destes cumprirem um papel importante na condução narrativa da mostra. De determinados objetos, parece que sentimos emanar uma reverberação que nos agita o coração e o cérebro. Objetos que participaram de algum momento que julgamos importante, que receberam o toque de alguém que amamos, objetos fetichizados por nossa paixão. Um amigo me disse: é a velha questão da aura (o conceito foi usado pela primeira vez nos anos 1930, pelo filósofo Walter Benjamin. Benji propõe que, com a capacidade de reprodução permitida por mídias como a fotografia, a obra de arte perde a aura, atributo associado ao caráter exclusivo e raro do objeto).

Foto: Gil Vicente/Divulgação

Foto: Gil Vicente/Divulgação

Na exposição, há pelo menos três tipos de objetos. Alguns são artigos de memorabilia, que só têm sentido para o fã, tal qual o molho de chaves do apartamento onde viveu em Berlim ou a pequena colher de pó dos dias selvagens de Diamond Dogs. As anotações escritas com a letra infantil, já conhecida da contracapa de “Hunky Dory”, pertencem aos documentos de trabalho, essenciais para a compreensão da trajetória do artista. Finalmente, há os figurinos que eu arriscaria considerar obras de arte tanto quanto algumas de suas melhores canções (que, no entanto, segundo Benji, não têm aura, já que passíveis de reprodução).

Contracapa de "Hunky Dory"

Contracapa de “Hunky Dory”, 1971

Já os figurinos detêm uma estranha aura, aumentada por detrás do vidro através do qual nos habituamos a ver as peças valiosas dos museus. Difícil escolher os mais impactantes. Fico com os trajes audaciosos do japonês Kansai Yamamoto, para a fase Ziggy Stardust/Alladin Sane; o pierrô prateado de Natasha Kornilof, usado em “Scary Monsters”, e o soberbo trench coat com a Union Jack rasgada de Alexander McQueen, para a capa de “Earthling”.

Lição: David Bowie nos ensina que a música pop é tanto sobre imagem quanto som.

*Leo Felipe é mestre em História, Teoria e Crítica de Arte

David Bowie Is em São Paulo
De 31 de janeiro a 20 de abril
Local: Museu da Imagem e do Som (Avenida Europa, 158 – Jardim Europa)
Horários: terças a sextas, das 12h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h
Ingressos: Na recepção do MIS (R$ 10 inteira e R$ 5 meia entrada) ou pelo site ingressorapido.com.br (R$ 25). Às terças a entrada é gratuita
Mais informações: (11) 2117-4777 ou www.mis-sp.org.br

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11/04/2014

Revista NOIZE

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