Ouça a bofetada poética de Siso em seu primeiro EP

01/07/2016

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Por: Fabiano Post

Fotos: João Viegas

01/07/2016

Siso é o projeto solo, indie-pop-eletro, do performático cantor-compositor-produtor-artista-belo-horizontino, David Dines, também sócio, guitarrista e vocal da mineira Cabezas Flutuantes. Talentosíssimo artista em constante mutação, amante da experimentação, da busca pelo novo, ainda que seja o velho. Foi abduzido pela arte na tenra infância e aos dez anos subiu no palco e lá permaneceu. “Me envolvi na cena independente local, em BH, desde minha adolescência, fiz parte de diversas iniciativas e bandas,” conta o artista.

Hoje aos 28 anos recém-feitos, o sensível e afetuoso geminiano-venusiano – subgênero dada aos nativos mercurianos nascidos no segundo decanato – traz em sua bagagem artística uma porrada de possibilidades acumuladas. “Entre 2010-11 comecei a produzir coisas eletrônicas e meus projetos anteriores envolviam diversos gêneros, rock 50´s, punk rock, freak folk, MPB”, dispara Dines. Depois de andanças e transas, em 2013, David Dines, que ainda não havia se desdobrado em Siso, resolveu começar um projeto solo – homônimo – e manufaturou um EP/mixtape chamado SDDS FUTURO. “Eu produzi e toquei todos os intrumentos”, disse Dines. Através desse trampo David rodou por Minas, Santa Catarina e Sampa. Segundo ele, outra consequência bacanérima desse trabalho “foi o convite para integrar, em 2014, uma missão ao MIDEM” (Marché International du Disque et de l’Edition Musicale) – maior encontro mundial de empresas ligadas a música – em Cannes.

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Siso_ foto1 Joao Viegas

O ano de 2014 ainda guardava algumas boas novas para DD, que no mesmo ano produziu a versão de Nobat “Não Sei Dançar”, da Marina Lima, e se mudou de mala e cuia para São Paulo, onde lançou o single “I’ve Seen Too Much” pelo selo francês Abatjour Records, que já trampou com nomes como Zemaria, Lupe de Lupe e Mahmundi.Já em terras paulistanas, outras linguagens despertaram a curiosidade do artista, “Comecei a estudar performance, teatro (no Satyros) e dança contemporânea com o Lineker”. Foi então, nesse processo de descobertas, muitas delas pessoais, repletas de possibilidades, em um meio criativo, interativo, transformador e maturador, que veio ao mundo Siso. Teve sua estréia artística no final de 2015, ao lado do músico Christopher Mathi, em uma gig no Festival Mix Brasil, no Centro Cultural São Paulo. Desde então as suas performances ao vivo são: Siso (voz) e Cristopher Mathi (baixo e sampler).

Que fique claro, a partir de agora, David é Siso, Siso é David, como o mito de Castor e Pólux, que se alternam em vida e morte. Siso é o desdobramento artístico análogo, como sugerem os seus homônimos xarás dentários, símbolos do juízo e da maturidade – será?! – cuja serventia funcional remota, para nós seres humanos, já é desnecessária. Chegam ao mundo rasgando a carne dolorosamente, desavisadamente, intensamente, para no final, geralmente, serem descartados. É disso que se trata o discurso de Siso, das dores do amadurecimento e questões ligadas a identidade, ao transitório, ao estado de impermanência. Sic transit gloria mundi. Nada mais pop! Mas isso tudo é só explanação viajante artística. Vida longa ao Siso e seu esmerilhante sedutor e viciante eletropop!

Depois de fazer a devida audição do magistral EP Terceiro Molar do Siso, lançado hoje com exclusividade pela Noize, independentemente do que ainda venha a surgir – musicalmente/artísticamente – nos últimos seis meses que restam, até o final do nebuloso decorrente ano, que a partir de agora fica mais bonito, uma coisa é certa, em parte, o ano de MMXVI já é de seu progenitor e de seu rebento. As listas dos melhores que pipocarão na finaleira de 2016 não me farão morder a língua, caso contrário, será culpa sacra e de responsabilidade unicamente de seus criadores. Ouça abaixo:

Sobre o Terceiro Molar, Siso diz que das cinco músicas do EP, “três são dele, e outras duas são releituras de dois artistas brasileiros alheios ao mainstream; José Mauro, ícone da MPB dos anos 70 e Paralaxe, banda seminal da cena eletrônica de Minas Gerais”. A produção ficou a cargo de Siso, que também mixou, e do parça Cristopher Mathi. Já a masterização foi feita pelo próprio Siso e por Emygdio Costa. A arte massa da capa é trampo do ilustrador Gus Morais.

Pedi para o artista dissecar sua criação, começando pela primeira faixa, “Apocalipse”, que é uma desconstrução dúbia da narativa bíblica, uma das duas releituras já supracitadas, composta pelo músico José Mauro e a jornalista Ana Maria Bahiana, radicada nos EUA. José Mauro após lançar dois discos, o místico Obnoxious de 1970 e A Viagem das Horas que dizem ser de 1976, saiu de cena, para nunca mais ser visto e ouvido.

Siso me conta um fato curioso sobre essa faixa, “Ela foi gravada em um só take, no fatídico dia 12 de maio” – dia que o processo de Impeachment, da presidenta Dilma, foi aberto. “Acho que a interpretação acabou incluindo um pouco do meu sentimento com os acontecimentos do dia”, arremata o cantor.

“Deus me livre de ser um homem, se for pra ser um bicho vulgar”, o trecho que abre a faixa dois, “Homem”, é uma bofetada poética de luva de pelica no comportamento masculino belicoso do homem perante a sociedade. Para Siso, “o homem precisa ter consciência do seu papel e oferecer uma solução, dentro dessa sociedade, onde o poder, o uso de força bruta e falta de diálogo, criaram um grande problema para humanidade”.

Foto: Mayara Tutumi

A terceira faixa, “Lá Vou Eu Botar Tudo a Perder”, foi composta, segundo o artista, “originalmente, em inglês, como uma espécie de reggae sobre sentir-se limitado pelo seu contexto diante do que ama e quer realizar”. Porém, após ter atravessado um período pessoal cabuloso, o artista resolveu dar outro significado para a composição e passou a letra para o português. “É muito sobre desenvolver uma estratégia de sobrevivência, porque não é construtivo sair chutando o balde por aí de forma indiscriminada”, enfatiza Siso.

“Clubber do Milharal”, do duo Paralaxa, é a faixa que ocupa a quarta posição. É a outra maravilha revisitada por Siso, que faz uso de percussão de objetos caseiros – copos de vidro, baldes de plástico com pipoca, cadeiras sendo arrastadas – e a inclusão de um trecho de obra instrumental para Minimoog do sintetista Paulo Beto, que já trampou com artistas da magnitude de Damo Suzuki, o japa, vocalista da banda alemã de rock experimental Can e Rogério Duprat , o maestro da Tropicália.

Antes de baixar as cortinas do Terceiro Molar, eis que surge o último ato, o hit “Eclipse”, parceria com frontman do Paralaxe, Fred HC. O single primal do EP eclodiu durante sessão do Converse Rubber Tracks no Family Mob Studios, com André Kbelo e Jean Dolabella nos comandos técnicos. Paulo Beto criou as linhas loucas de sintetizador analógico para a canção.

“Eclipse” apesar de ser o primeiro single criado para o EP, se tronou a faixa finalizadora do trampo, criando uma dinâmica circular para a obra. “A ideia de que nada está acabado, porque a incerteza do novo está aí pra lidarmos o tempo todo – o trabalho começa com o fim e termina com o início”, crava Siso. O single também foi escolhido de forma acertiva para se transformar em seu primeiro clipe, pelas mãos da maestra Suelen Pessoa. O audioretrato perfeito e preciso da obra de Siso, desculpem a cacofonia proposital. O clipe é um trampo colaborativo, de ação entre amigos, parças e agregados. Siso conta que “o ponto de partida foi o conceito de autodescoberta da própria música, as tramas de tecido e os fios são os elementos que amarram essa narrativa onírica”. Uma forte inspiração do video é o mito de Penélope, que tecia um sudário de dia e o desfazia a noite, a espera de seu marido Ulisses. “O video foi todo captado com câmeras de celular. Disso surgiu a ideia de tratar a imagem em movimento como se fosse estática, como uma diagramação de livro e revista de arte. A partir daí fomos construindo cena a cena”, encerra o artista.

O resultado tá bem foda, confere aí:

Terceiro Molar é a maturidade crível de um artísta que está a procura de si mesmo, trata da efemeridade do próprio ser humano em um meio mutável de constantes descobertas e redescobertas. Nos faz lembrar que comungamos das mesmas leis cósmicas intrínsecas, a Roda da Fortuna não para.

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01/07/2016

Gaúcho, de Porto Alegre, vivendo a 15 anos no Rio de Janeiro. Colaborador da Vice Brasil e autor lusófono do portal de mídia cidadã Global Voices.

Fabiano Post