StreetMusicMap e a liberdade da música nas ruas

30/06/2016

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Heinz Boesing

Por: Heinz Boesing

Fotos: Divulgação

30/06/2016

Você lembra do último show que assistiu? Provavelmente você pagou pelo ingresso e entrou em um lugar privado, certo? Sem contar na correria para garantir um lote barato ou encarar a fila na bilheteria. Às vezes a gente esquece que a rua também pode ser um palco cheio de possibilidades, um espaço único de experiência sonora que possibilita encontros e cenários inusitados. É nela que a arte brota de maneira espontânea em nossas vidas, muitas vezes através dos músicos de rua, artistas que acabam tornando a atmosfera das cidades mais leves, e que foram fonte de inspiração para Daniel Bacchieri criar o StreetMusicMap, um canal colaborativo de vídeos para registrar esse tipo de performance.

StreetMusicMap Ep. 1134. Band: @jazzsaopaulooficial. At Rua Doutor Melo Alves, São Paulo, SP, Brasil.

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A video posted by StreetMusicMap (@streetmusicmap) on

Fundador e curador do projeto, Daniel pesquisa diariamente sobre esses artistas, tanto no Brasil, quanto no mundo. Esforço que já lhe rendeu um mapeamento de mais de 1.100 músicos de rua de 83 países diferentes. Sem contar que o StreetMusicMap é colaborativo e já recebeu mais de 700 vídeos de pessoas do mundo inteiro. O projeto ganhou corpo e há mais de 1 ano realiza curadorias offline, expandindo a sua expertise para grandes festivais de arte e criatividade. Trocamos uma ideia com Daniel sobre o SMM e o trabalho que ele vem fazendo com músicos de rua.

O álbum StreetMusicMap Vol.1 – Live at O.bra Festival, foi produzido em um festival elaborado pelo Instagrafite. Vocês aproveitaram o momento para gravar justamente por eles terem o mesmo propósito de vocês – construir uma rede colaborativa de artistas?
Exato. Há conexão total entre a filosofia do Instagrafite e a do StreetMusicMap. Eu conheci o Marcelo e a Marina, fundadores do Instagrafite, em 2014. E desde lá a gente dialoga sobre possíveis parcerias em conteúdo. O convite surgiu do próprio Instagrafite para eu realizar a curadoria de bandas de rua durante o O.bra Festival. Eles estavam montando e produzindo o evento focado na arte urbana nos muros de São Paulo e me convidaram: “Bom, quem sabe a gente aproveita que vai estar nos arredores do Largo do Arouche e cria uma mostra de música de rua durante o O.bra Festival?.” Então sugeri: “Quem sabe a gente também aproveita pra gravar esses artistas?” E nessa conexão, eles curtiram a ideia. Entrei em contato com a Loop Discos, e eles toparam coproduzir conosco o álbum, que se chama StreetMusicMap Vol. 1 – com nove bandas de rua de São Paulo tocando por três dias no Largo do Arouche. Então foi uma parceria entre O.bra Festival, StreetMusicMap e Loop Discos.

Quais foram os seus critérios para fazer a curadoria do álbum? O que os grupos tinham em comum?
Procurei no StreetMusicMap Vol.1 mostrar uma pluralidade das ruas de São Paulo. Então, acredito que dá para perceber uma variação de estilos entre as nove bandas escolhidas. São nove bandas atuantes, da rua, realmente são. A rua é a plataforma principal delas. E o nome de “Volume 1” é intencional, para dizer que mais volumes virão. A questão é, a gente aproveitou a oportunidade pra lançar o primeiro volume com o interesse de seguir com outros em São Paulo, pelo país e pelo mundo.

E o que você planeja para o próximo?
A minha pesquisa é na rua. Essencialmente. Então, a grande base é a própria pesquisa. Já mapeei mais de 1.100 bandas de rua em 83 países. A ponte principal é esse levantamento que faço. Mas é um levantamento diário. Todos os dias estou conhecendo novas bandas. As ideias que surgem para criar coletâneas é algo que é alimentado diariamente. No Instagram, o primeiro passo é o de mapeamento. Geolocalização, é o segundo passo. O clipe especial sobre determinada banda é outro. Um documentário sobre determinada banda ou região é outro. E a gravação em áudio de um álbum com o selo StreetMusicMap é um outro ponto pra apresentar essas bandas de rua onde quer que elas estejam. O StreetMusicMap é um trabalho sem bandeira. Casualmente está no Brasil. Está em todo o lugar.Não tem fronteiras, a colaboração é mundial e a parceria também pode surgir de qualquer lugar.

Além de registrar e fazer curadorias, você passa a ser um promotor desses eventos também. Isso estava nos seus planos ou foi algo que surgiu dessa parceria?
São várias layers, isso faz parte das etapas do projeto. Primeiramente, criei uma série, uma hashtag no Instagram chamada #streetmicrodocs. Estava na Ucrânia, em agosto de 2013, e vi um músico tocando um instrumento que eu não conhecia na rua. Era o bandura, um instrumento de cordas do Leste Europeu. Eu ia tirar uma foto desse músico para colocar na minha conta pessoal, mas o Instagram recém tinha liberado o formato de vídeo. Então resolvi testar em vídeo. Postei na minha conta, e vi que aqueles 15 segundos produziam uma narrativa. Em seguida me mudei para São Paulo e o metrô mais próximo da minha casa é o da Consolação e o da Paulista, onde tem a maior circulação de músicos de rua da cidade. Resolvi seguir filmando esses músicos e comecei a postar como uma série na minha conta Instagram. Um dia mostrei os vídeos para um colega de trabalho, o Max Laux. E ele me falou: “Cara, essa série é ótima. Quem sabe você cria uma conta só para isso, ao invés de deixar na sua conta pessoal?” E nesse dia mesmo criei o canal do projeto no Instagram. Na época era chamado StreetMicroDocs, mas meses depois mudei para StreetMusicMap. Quase que imediatamente tornou-se colaborativo, pois amigos e amigas enviavam vídeos para mim. O Instagrafite foi uma grande inspiração, pois acabamos tendo temáticas e formatos parecidos. O projeto se desenvolveu no Instagram e, hoje, o StreetMusicMap é um canal colaborativo de músicos de rua do mundo inteiro. A base continua no Instagram, mas automaticamente eu geolocalizo todos os artistas, todos os vídeos no mapa, através do Google Maps. E agora estou desenvolvendo a mesma função numa plataforma chama Cartodb, de construção de mapas, que possibilita o desenvolvimento de vários filtros e layers. Outro ponto importante é a identificação dos músicos, essa é uma grande missão. No início, eu só postava os vídeos nos quais eu sabia os nomes dos artistas, mas, no decorrer do processo, percebi que o trabalho também estava ajudando a identificar anônimos. Então, muitos usuários, a partir dos comentários, passaram a nomear os músicos que estão nos vídeos. Isso aumenta a exposição das bandas e o engajamento dos usuários, o que acaba chamando atenção para todo o projeto.

Poder tocar para diversas pessoas, de diferentes idades, culturas, e ainda uni-las através da música, faz da rua um palco único?
Com certeza. E aí tem outro ponto que importante de levantar que serve de alerta pro mercado musical em si. Porque estou reverberando o que os músicos e os artistas falam: muitos bares não respeitam os artistas musicais. Não é uma generalização, é apontar que é uma média muito alta de casas que não valorizam ou pagam mal esses músicos, que preferem a rua, onde muitas vezes, eles ganham mais dinheiro e respeito. É por isso que a gente entra em bares e tem aquele line up viciado e todo final de semana é a mesma coisa. Fora que muitos deixaram a boa música ao vivo de lado e só contratam “sound colocators”, que normalmente não são nem DJs ou produtores. Acho que tem espaço para todo mundo, mas ainda tem pouca oportunidade para a música autoral no Brasil.

Um vídeo publicado por StreetMusicMap (@streetmusicmap) em

Proporcionar que mais músicos tenham a chance de tocar nas ruas seria um papel de agente social que você está exercendo?
Exatamente. Acabo exercendo um papel de curador musical e de produtor cultural. Criei e sigo alimentando o canal no Instagram, além de geolocalizar e identificar esses músicos. A comunicação que a web proporciona amplifica esse intercâmbio dos artistas com os fãs em qualquer lugar que eles estejam. Isso também me conecta com o mercado musical, com os próprios músicos, e com festivais de rua do mundo inteiro, com os quais já começo a dialogar. Em janeiro de 2014 foi criado o projeto e o Instagram foi lançado. A partir de 2015, comecei a ser chamado para realizar curadorias. A primeira foi para a edição de 2015 do Festival Path, em São Paulo. Um festival de economia criativa, o mais importante sobre esse assunto do país, uma espécie de South by Southwest do Brasil. Selecionei oito bandas das ruas de São Paulo para tocarem na Praça dos Omaguás, no bairro Pinheiros.

Stela, O Grande Grupo Viajante – Festival Path

No mesmo ano, em outubro, o O.bra Festival me chamou para fazer uma nova curadoria. Levei nove bandas de rua para tocar no Largo do Arouche. Já em novembro, o SIM São Paulo, que é a Semana Internacional de Música, através da Fabiana Batistela, me convidou para participar da curadoria de músicos de rua do evento. Nós selecionamos três bandas, uma do Rio de Janeiro, uma do Brasília e uma de São Paulo. Agora, acaba de ser produzido o primeiro vídeo clipe do projeto, apresentando uma banda de rua, com a banda Kick Bucket, gravado durante o Festival Path.

Recentemente, a partir das oitos bandas que curei no Path, aproveitei para criar e produzir short docs sobre cada uma delas. Direcionado especialmente para a nossa base, agora que subiu para 1 minuto o tempo dos vídeos de Instagram. Então, criei uma série, o SMM Short Docs, para destacar e apresentar bandas de rua em formato de docs curtos diretamente no aplicativo, também espelhados no Facebook. A primeira banda apresentada é a Mescalines, um duo instrumental.

Aproveitando para falar sobre o primeiro Short Docs, o baterista do Mescalines comentou sobre ter atitude, que era a única coisa que importava. Isso é uma característica comum entre os músicos de rua?
Eu acredito que são elementos extremamente relevantes. A diversão, o desafio e o prazer de tocar na rua também estão ligados a transparência do público. Alguém parar para prestar atenção no que você está fazendo, é por que algo interessante está sendo apresentado. As pessoas não estão ali para te assistir, as pessoas estão ali para ir a determinado lugar. São transeuntes. Se param pra te ouvir é porque o teu trabalho chamou atenção. E para chamar atenção, tem que ter atitude. Não pode ser blasé.

Mariô, baterista do Mescalines

É uma postura diferente. Porque, a postura de um show marcado, em algum lugar, pode colocar o músico numa situação passiva. Ele não pode ser passivo. Nenhum artista, alguém que queira manifestar sua arte, e chamar atenção na rua não pode discreto ou quieto. Tem que chamar a atenção de alguma forma. A atitude não precisa ser necessariamente agressiva. Pode ser uma atitude delicada. Tem que cativar. Acredito que a apresentação na rua e, especialmente a música na rua, é um momento no qual o artista terá o feedback mais cru, honesto e sincero do público.

Um vídeo publicado por StreetMusicMap (@streetmusicmap) em

Em meio à poluição sonora e ritmo frenético das cidades, a música tem um papel quase que terapêutico. Além de mapear os artistas, vocês tem algum tipo de incentivo para que mais músicos toquem nas ruas?
Em nome do StreetMusicMap; não há nenhuma receita para isso. O meu interesse não é colocar nenhuma receita e nenhum formato nisso. Procuro registrar, pela minha formação de jornalista, e recortar o que está acontecendo nas ruas. A liberdade é total de quem está se apresentando. Quanto mais autêntico, mais genuíno, e menos jogada ensaiada for, mais atenção vai chamar. Não acredito no manual do usuário para chamar atenção do público. Acredito na verdade, em ser verdadeiro naquilo que se está apresentando.

Como se fosse algo natural, que pertencesse ao dia a dia das pessoas.
É o natural. As pessoas estão atrás do natural, do frescor. Isso é cada vez mais difícil, com o condicionamento que a gente se coloca para tentar agradar. Acredito que a saída é sair de uma filosofia papo de bar. No momento que se tenta agradar, fica chato… Pra tudo na vida. O importante é deixar rolar. E nem tudo é para todos os públicos, o mais divertido é isso. Cada figura tem um público, cada público tem uma admiração diferente por alguém. Então, a pluralidade disso, desse caldeirão sonoro, é que é interessante.

Um vídeo publicado por StreetMusicMap (@streetmusicmap) em

De maneira geral, no Brasil, precisamos ir atrás da música. Essa seria uma maneira da música chegar até as pessoas de uma forma espontânea? Como se ela pertencesse à vida das pessoas. Como você sente esse movimento de mais artistas ocupando e tocando em espaços públicos no Brasil?
Se a política pública estiver a favor dos músicos de rua, tende a crescer. Se a política pública resolver retroceder de alguma maneira, complica. Sei que Porto Alegre, por exemplo, está um vai e volta sobre a legalização da música na rua. Tem algumas restrições e é uma novela de onde pode, o que não pode, e a que horas pode. Então, falando especificamente de Porto Alegre, necessita de sensibilidade do governo municipal pra que a roda gire. Há grandes bandas que tocam em parques, há grandes bandas que tocam na Praça da Alfândega. E isso tem que ser ampliado. Em São Paulo, atualmente, a comunicação com a prefeitura parece estável, interessante. Ao mesmo tempo, não há tanta liberdade nos metrôs. E, se parar para pensar, nos grandes centros do mundo onde a música de rua é mais forte como Nova Iorque, Londres, Paris e Berlim, a circulação de músicos nos arredores de pontos de transportes públicos é algo, de fato, potente. Então, não tem nenhum mistério em perceber que quando a cidade se comunica com a arte que está sendo feita nas próprias ruas, o crescimento tende a ser exponencial. Tudo depende… se está falando de algo democrático, algo na rua, algo que é nosso. Deve haver comunicação entre os artistas e o poder público.

Maurício Pilcsuk (contrabaixo) e Peter Harris (violino), O Bardo e o Banjo

Quem quiser contribuir com um vídeo de músicos ou bandas de rua deve enviar uma gravação de até 1 minuto para video@streetmusicmap.com ou acrescentar a hashtag #streemusicmap na publicação. É importante identificar o nome do artista ou grupo, colocar seu perfil nas redes sociais, como também colocar sua localização, rua, cidade, estados e país. Além do perfil de quem fez a gravação do material. E para me despedir, deixo aqui um bizu: uma curadoria realizada pelo StreetMusicMap apenas com músicos de rua da cidade que não dorme, Nova Iorque. Tá fod@.

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30/06/2016

Heinz Boesing

Heinz Boesing