35 anos sem Raul Seixas | Discípulos comentam a importância do ídolo

21/08/2024

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: Reprodução

21/08/2024

“O bom discípulo não é aquele que só imita o mestre, mas aquele que tenta superá-lo, mesmo não conseguindo”, Amorim Menezes, cover de Raul.

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Raul Seixas não tinha fãs, mas discípulos. Pessoas que viram nas palavras do profeta uma filosofia de vida e um caminho a seguir. Tanto em suas letras como na mídia, não só fazia críticas à realidade, mas idealizava aquela em que queria viver. Seu sonho utópico encontrou identificação em milhares de brasileiros que até hoje o defendem ferrenhamente.

Quando Raulzito partiu para um plano superior em 1989, deixou para trás pessoas que não deixaram morrer o seu legado. Assim, tornou-se um dos cantores com o maior número de covers. Em cada canto do Brasil, você encontra alguém ou uma banda com Raul Seixas no repertório.

O amigo cósmico

“Em 83, eu montei uma banda. O Tagima, o fabricante de guitarras, era nosso guitarrista. Em todo lugar que eu ia as pessoas me confundiam com o Raul. Eu era baterista. ‘Eu gosto pra caramba do Raul, mas eu não sou o Raul!’ Aí comecei a me olhar no espelho e vi que me parecia muito com o Raul. Então eu pedi pro pessoal começar a me deixar cantar. E assim foi. Até que eu comecei a perceber que as pessoas me viam mesmo como Raul Seixas”.

Amorim Menezes é um dos covers mais conhecidos de Raul. A ideia de ser uma cópia aperfeiçoada do músico se intensificou quando, em 85, após assistir a um Raul bêbado em um palco na cidade de São Caetano, Amorim decidiu que o público precisa ver o Raul que ele também queria ter visto naquela noite. “Aí montei a banda Amorim Menezes e os Seixas, que fazia o show S.O.S Raul, vamos socorrer Raul”, disse o artista.

As pessoas se emocionavam tanto com as performances raulzísticas de Amorim, e acreditavam tanto que ele era realmente Raul Seixas, que na hora de dar autógrafo ele não tinha coragem de dizer que era Amorim Menezes. “Eu escrevia: ‘um abraço de Raul Seixas num corpo chamado Amorim Menezes’. A pessoa só ia cair em casa que eu não era o Raul.”

Raul Seixas, Amorim Menezes e fã desconhecido
Raul Seixas, Amorim Menezes e fã desconhecido no primeiro encontro

Amorim foi um dos poucos covers que chegaram a conhecer e conversar com Raul, assim como Sylvio Passos, o fã número 1, como contamos aqui. A amizade cósmica, como o próprio definiu, durou três anos, de 86 a 89, até Raulzito se aproximar de Marcelo Nova e não ter mais tempo para Amorim. O primeiro encontro foi difícil. Um fã ligou para Amorim avisando que Raul estava em uma loja de um shopping em São Caetano.

Amorim pediu para o fã falar com o ídolo, mas o que ele conseguiu foi um número de telefone. “Foi assim que começou a nossa amizade. No início era difícil, porque eu tentava, e tentava, e ele dava sempre ocupado. Até que um dia a Dalva [Borges da Silva, a empregada de Raul], atendeu e disse ‘Você vai falar com o Raul, sim’. Aí passou o telefone e Raul [Amorim imita a voz de Raul]: ‘Eu já conheço o seu trabalho, gosto muito. É um trabalho disciplinado. Vamô se encontrar, sim.’”

Amorim foi encontrar Raul junto com dois fãs agregados. “Os caras só queriam foto, e ele se invocou. ‘Vocês querem foto? Vocês querem foto? Então vai! Tira a foto!’. Aí eu perguntei: ‘Raul, você ouviu a fita que eu deixei com a Dalva?’; ‘Não, não tive tempo’. Bem invocado. Aí caiu lágrimas dos meus olhos, fiquei triste, né. Aí ele viu e disse: ‘Vamô subir pro meu estúdio’”. O mestre pegou o microfone e começou a cantar para Amorim. Mais lágrimas. “Agora de alegria, né?!”, conta ele.

Segundo Amorim, em 89, dois dias antes de partir, Raul Seixas ouviu a fita do amigo a tarde inteira e contou para Dalva que queria fazer uma parceria de shows com seu cover.

Dalva Borges da Silva, Raul Seixas e a mãe Maria Eugênia Santos Seixas
Dalva Borges da Silva, Raul Seixas e a mãe Maria Eugênia Santos Seixas

Como os poetas, todos temos que sonhar

“Tem uma música, “Gita”, que ele diz que é uma porção de coisas. Eu era criança, tinha uns seis, sete anos, e eu nunca ia conseguir decorar aquela letra. E eu cantava assim ‘Eu sou o banco e a cama/Eu sou o calçado e o tênis’. Eu ia falando umas coisas da minha realidade”.

Raulzito guia até hoje a vida de Felipi Braga, vocalista da banda Mimi Johnson & Os Degenerado$ e discípulo do profeta Raul. “As letras dele balizam muito a minha vida. Eu sempre tenho uma frasezinha pra dizer de alguma música dele pra algum momento da vida. Ele tinha essa capacidade de enxergar, mesmo sempre estando bêbado e usando drogas. Ele tinha essa consciência muito grande. Na verdade, é um jogo de informações e de ensinamentos que eu levo até como parâmetro. Claro que tem coisas que eu não concordo. Mas ele pra mim é como se fosse um pai da música, das palavras. Tenho certeza que muita gente criou sua identidade escutando as músicas do Raul Seixas”, comenta Felipi.

A carreira musical dele também é muito influenciada por Raul. O ídolo foi para Felipi um dos últimos grandes músicos do nosso país, criativo e anarquista. “Tudo o que ele fala nas músicas dele preservam em mim ainda aquela vontade de ser um artista, de tocar rock’n’roll. Ele é fundamental pra mim no que diz respeito à música, ao rock, à atitude. Ele pra mim parece um dos artistas mais completos de todos”, comenta Felipi.

Felipi Braga, vocalista da banda Mimi Johnson & Os Degenerado$. Foto: Ariel Fagundes
Felipi Braga, vocalista da banda Mimi Johnson & Os Degenerado$. Foto: Ariel Fagundes

O profeta

A popularização de Raul Seixas e suas letras fez com que ele fosse visto como um Maluco Beleza bem lúcido. Raulzito ia atrás de respostas para as perguntas do universo e pregava em suas músicas a vida que esperava ter. E a simplicidade com a qual expunha seus pensamentos complexos deixaram suas músicas compreensíveis para pessoas de todas as classes sociais.

Para uma morte tão prematura, Amorim explica: “os pequenos profetas sempre foram ícones. Acontece que os nossos pequenos profetas contemporâneos, como Renato Russo, John Lennon, Bob Marley, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Cazuza,eles perderam o controle do veículo. Eles vêm para consertar alguma coisa da humanidade. O espírito continuou grandioso, mas o veículo não. Então, eles se autodestroem.”

A linguagem que Raulzito escolheu para pregar seus ensinamentos foi o rock. Felipi Braga fala que “o rock’n’roll não é pra bom moço. Ele [Raul] dizia: ‘Eu sou exatamente aquilo que eu sou’. E ele nunca se negava. Eu acho que ele seguiu a linha evolutiva do rock. Os artistas começaram a morrer, a ser internados, sofrer com dependências agudas de drogas e álcool, e eu acho que isso, sim, influenciou na carreira artística dele. Porque quando tu te tornas um revolucionário da música, a indústria te compra, como se tu fosse a salvação, e aos poucos ela vai te abandonando. Tu tem que se reinventar. Acho que teve uma hora que ele cansou de ser o profeta do apocalipse. Ele cansou de ser aquele boneco e chutou o balde geral”.

A para aqueles que estão órfãos de Raul há 25 anos, Felipi Braga diz: “ele vai continuar fazendo parte do cotidiano brasileiro”.

Amorim Menezes e Raul Seixas
Amorim Menezes e Raul Seixas

Matéria publicada originalmente em 2014 e atualizada em 2024.

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21/08/2024

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