A verve LEK de Negro Léo na biografia “Deixa Queimar”, por Bernardo Oliveira

29/11/2021

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Rafael Meliga/Divulgação

29/11/2021

A última quinta-feira, dia 25 de novembro, marcou o lançamento de Deixa Queimar, uma biografia sobre o multiartista Negro Léo, escrita pelo pesquisador, produtor, crítico de música e cinema Bernardo Oliveira. Com prefácio assinado por Juçara Marçal e projeto gráfico por Lucas Pires, o livro é fruto da união entre a Numa Editora e o selo musical e produtora QTV – do qual Oliveira é cofundador e produtor e por onde saíram os álbuns mais recentes de Léo. Para adquirir o seu, acesse aqui.

Não seria condizente com o próprio biografado um livro de abordagem trivial. Em “Deixa Queimar”, Negro Léo é observado em pleno action. Registrar o multiartista maranhense e analisar a sua obra soam como fotografar algo ou alguém em movimento: incita o borrão, fiel ao deslocamento, sabendo que só é possível documentar uma parte, nunca aprisionar um todo em uma captura. Não se quer o estático. A visão literária e jornalística aplicada no recém-lançado livro acerta ao inserir a própria obra na ginga do jogo semiótico, caótico e tensionador que pulsa de Léo e sua arrojada trajetória artística. De 2012 até 2021, ele lançou 12 discos, sempre investigando novas formas de transformar música, som, palavra cantada, performance em experiência e subversão.

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Capa oficial da biografia Deixa Queimar (Imagem: Divulgação)

Deixa Queimar angula entrevistas, fotos e a escrita híbrida de Bernardo, que balança entre o jornalístico e o acadêmico, sob o ponto de vista da programação visual. Em release divulgado à imprensa, ele nos localiza um pouco mais na geografia artística de Léo:

– Quando comecei a escrever a história desse recorte da cena da música brasileira atual, reparei que o Leo era epicentro criativo em torno do qual giravam várias situações diferentes. Inclusive o Leo não foi só o epicentro, mas foi também um facilitador. Ele foi um cara que mediou de uma maneira tanto direta quanto indireta, essa expansão do selo QTV, do Quintavant e de toda essa cena. A gente não tem muita régua e compasso para medir como pensar essa pluriversalidade da obra do Leo, pois ele não é só músico, é cineasta, quadrinista, ele tem uma relação ambígua com a Tropicália, uma relação ambígua com o legado antropofágico, ele tá no samba, e ele tá no funk, ele tá no improviso livre, cada disco é um cosmos que ele levanta, uma pesquisa, é uma forma de trabalhar muito específica, e isso sempre me chamou atenção. Então a ideia era contar um pouco da história dele, falar da criação destas estratégias estéticas, discursivas, sensíveis, que ele vai desenvolvendo ao longo da sua trajetória.

Quisemos ainda mais. Em um papo em plena adrenalina de semana de lançamento, Bernardo Oliveira contou à Noize mais detalhes sobre o processo do livro e o Negro Léo que podemos acessar a partir de suas páginas. Leia abaixo e aproveite:

Não é a primeira vez que Bernardo Oliveira costura música e literatura: em 2014, lançou o livro Tom Zé – Estudando o Samba (Foto: Divulgação)

Como nasceu o desejo de organizar um livro sobre Negro Léo e qual foi o evento/situação/ação disparadora que fez você entender que o projeto estava oficialmente em execução? 
O momento em que eu percebi que poderia virar um livro foi justamente quando me pediram um ensaio sobre o Léo. Eu já tinha escrito já algumas coisas relativas ao período de construção ali da cena do Quintavant e da Audio Rebel. Eu já tinha algumas coisas no âmbito no blog Matéria e pra revista Fact, é que é uma revista inglesa que tem/tinha uma versão portuguesa. Então, eu fui mantendo uma relação com essa cena até até entrar no Quintavant.
A ação disparadora foi tentar reunir um pouco dessa história enquanto ela ainda está acontecendo. Então me pediram esse texto e eu reparei que eu tinha alguma história desse período, que eu tinha alguns textos que eu tinha enviado pra revistas acadêmicas, pra livros e sempre de alguma forma falando do Léo, e quando essa revista me pediu um texto, eu reparei que isso poderia crescer muito e resolvi encarar o exercício de criar uma linha histórica que desse conta da biografia do Léo. Mas o fato é que, no meio dessa biografia entraria também algo do pensamento do Léo. Ele é um artista que opera entre muito registros criativos, estéticos, experimentais… experiências mesmo, né? Ao lado do artista, há um grande pesquisador, um grande psicólogo. Uma espécie de médico do momento que a gente vive no sentido de que ele observa sintomas e traduz de forma poética, de maneira muito interessante.
Logo, não seria uma biografia que pudesse excluir esse registro do pensamento e que também não barateasse e que pudesse trazer algo de análise musical e análise estética dos discos, de construção dos álbuns ao mesmo tempo que eu busquei sintonizar a obra do Léo com o Brasil contemporâneo. Há, em alguns momentos, reflexões sobre questões que candentes nos dias atuais como, por exemplo, uma ideia super problemática que é essa de um ato de descolonizar. O que é isso e como isso é candente na obra do Léo e, ao mesmo tempo, não exatamente da maneira a partir dos critérios das hashtags, de expressões correntes, de palavras de ordem. Léo não usa nada disso. Então me interessou misturar nessa biografia a obra e a vida.

Como se deu o fluxo de produção e organização dos conteúdos?
Eu tomo como ponto de partida um texto base que eu comecei a desenvolver, que continha mais os dados biográficos, como a vinda do Léo de Pindaré-Mirim pro Rio de Janeiro, no âmbito de uma família que vivia nos arredores da terra de um reformado general de esquerda que comandava as terras de Pindaré-Mirim, que é uma espécie de padrinho da família do Léo. Esse general tinha um filho que veio morar no Rio, que também era militar. A cidade natal dele é uma cidade muito singular onde você tem uma cultura pela relação entre os Guajajara e a população da cidade. O Léo tem uma formação cultural que nasce em Pindaré-Mirim e que é profundamente marcada por uma vivência experiência carioca. Ele carrega o boi, ele carrega a influência Guajajara, mas ao mesmo tempo ele sai desse lugar e vem parar no Rio de Janeiro da Mangueira, do buraco quente, do baile funk, do futebol. Eu já tinha escrito alguns textos sobre a obra, sobre a maneira de fazer canção, né? Essa coisa do incorporar a voz, a instrumentação, de trabalhar a partir de estratégias de gravação, a partir de uma visão bastante singular do trabalho em estúdio. A partir daí, começou a me surgir uma série de questões ligadas à forma como a gente tem vivido o presente. Pela tentativa de fazer uma biografia, mas ao mesmo tempo uma análise da obra, foi me surgindo uma série de questões que extrapolavam a própria obra do Léo, mas que, de alguma forma, estavam relacionadas a ela.

Por que uma biografia de Negro Léo em livro? Como foi captá-lo a partir dessa mídia? 
Eu sinto que pra gente captar a obra do Léo, ela precisa ser pensada de uma maneira diferente daquela que marca os circuitos culturais hegemônicos que a gente acaba tendo. Acho que o Léo é um artista muito importante desse ponto de vista, talvez o mais importante do XXI, junto da Juçara Marçal, por exemplo. Mas entendo também que tem aí um componente de divergência que a gente pode até vislumbrar numa figura como o Itamar Assumpção, então senti a necessidade de restituir um pouco esse subtexto biográfico pra gente pensar a obra. Sempre pensei nisso desde que eu conheci o Léo, foi muito natural pensar que isso se tornaria um livro. Na verdade, é quase uma colaboração entre eu, o Lucas Pires, que foi o autor da programação visual, a Juçara Marçal, a galera que emprestou essas entrevistas. Sinto que tem aí um livro que, em vez de externar uma voz única exclusiva de seu autor, é muito mais um encontro de experiências.

Bernardo, que acessos à figura e à obra de Negro Léo a leitura de “Deixa Queimar” pode nos oferecer?
Eu posso adiantar um pouco a conclusão do livro. Uma coisa que você vai perceber é que o Léo não faz nada de acordo com uma vontade externa. Embora ele seja um artista extremamente aberto à colaboração, à interação, à criação conjunta nunca baratear as experiências. É engraçado porque o Léo às vezes faz um show de dez minutos e muitas pessoas acham que esse tipo de movimento tem a ver, de certa maneira, com um desdém, mas isso aí, na verdade, expressa um profundo respeito que Léo tem pelo seu expectador. Porque ele nunca vai parar, ele nunca vai fazer aquilo que você está esperando, ele está sempre trabalhando por uma coisa totalmente nova.

Você fala sobre o hibridismo de sua escrita, sobre o livro enquanto “action” e também sobre sua análise pautada não só na relação profissional e de pesquisa sobre Negro Léo e sua obra, mas também pela amizade entre vocês. Como o viés “action” do livro modifica a estrutura dessa biografia e como o subjetivo é posto à serviço de sua escrita e pesquisa neste projeto? 
O que eu acho é que o texto ancorado na programação visual adquire algo, vamos dizer assim, algum traço de um action. Porque o action tem a ver com produzir uma atmosfera de suspensão, de indeterminação e, no entanto, com a curiosidade e o prazer, né? Então, se deu de variadíssimas formas. Por exemplo, quando o texto se encontra com a programação visual, você tem aí algo do action. Um texto que é uma folha corrida, né? Uma cachoeira de texto. As folhas são pretas, tem toda uma construção ali que todo mundo diria que é um action né, seria um action livro. Eu sinto que o texto tem algumas lacunas deficientes que são programáticas mesmo, assim, no sentido de não fazer também um coisa muito explicadinha, sabe? Num, como diz a música [Que Bloco É Esse] do Paulinho Camafeu, “Quem dá luz a cego é Bengala Banca e Santa Luzia”, e cego é aquele que não quer ver, e o Léo pede para a pessoa que tá ali ouvindo ele que ela reinvente na cabeça dela tudo aquilo que ela tá experimentando. Eu acho engraçado a obra dele porque tem essa radicalidade, né? Um pouco é característica do dandismo, mas ao mesmo tempo é muito popular. Eu sinto que a gente tentou trazer essas indeterminações, esses lugares ambíguos que ele habita pelo encontro do texto com a programação visual.

Agora, numa jogadinha mais dinâmica de “complete a frase”: A música brasileira com Negro Léo é mais ________?
A música brasileira com Negro Léo é mais LEK.

Negro Léo é LEK, mas não só (Foto: Rafael Meliga/Divulgação)

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29/11/2021

Brenda Vidal

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