Assista! Juçara Marçal em ação em “Exausta”, de Morris

09/07/2020

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: José de Holanda/Luan Cardoso/Rodrigo Tamassia

09/07/2020

A NOIZE apresenta hoje a quinta pedra do disco Homem Mulher Cavalo Cobra do músico paulista Morris. Cantor, compositor e autor de trilhas sonoras, o artista volta ao cenário musical com um disco solo após dez anos desde o lançamento de seu primeiro álbum. Com a pandemia e os cancelamentos de shows e espetáculos, Morris reorganizou o lançamento de sua obra que vem ganhando o mundo semana a semana com a disponibilização de cada pedra (música). 

Na estreia de hoje, a faixa em parceria com Alice Coutinho, mesma compositora de “Mulher do Fim do Mundo”, de Elza Soares, apresenta uma canção que “nasce do desejo de falar sobre a condição da mulher, que cumpre o papel de motor da sociedade, sendo ao mesmo tempo provedora material e administradora do lar. E ainda assim, em plena segunda década do século XXI, sofre as consequências da reação do patriarcado aos avanços conquistados a partir dos anos 1960”, explica Morris. A música “Exausta” conta com participação luxuosa de Juçara Marçal para te deixar sem ar e ganhou clipe dirigido por Luan Cardoso, que divide a fotografia com Rodrigo Tamassia.

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Assista:

“Sempre tenho em mente o que o projeto representa, o que fez ele ficar de pé, quais ideias e aí tento, no próprio processo de preparação, encontrar a beleza ou mesmo o tom de abordagem visual daquilo. Claro, estou sempre aberto o tempo todo, pois acho que, principalmente num disco, tudo precisa estar alinhado ou costurado, para que o conjunto das peças, imbuídas do sentido da obra ou do artista, possa comunicar aquilo que se precisa. Acho que entro pra trabalhar ou criar algo sempre com essa mente de comunicar com minhas imagens aquilo que estou vivendo, então é quase documental e é totalmente o caso do clipe”, explica o jovem diretor e pupilo do Clube da Encruza Luan Cardoso. 

O disco de Morris, que conta com direção artística de Romulo Fróes, pode ser dividido em quatro blocos temáticos: Morte, Identidade, Mitologia e Pessoas – onde se encontra Exausta. As composições apresentam Morris em parcerias com César Lacerda, Rodrigo Campos, Clima, Maurício Pereira e Juliana Perdigão, além de Romulo Fróes e Alice Coutinho.

Além de um reencontro de trabalho com Fróes, com quem Morris compôs para o projeto 33 canções – a obra de Murilo Rubião, e com Rodrigo Campos (guitarra e cavaquinho), com quem foi parceiro na Urbanda, Morris celebra a fase de construção ao lado de outros expoentes da música de vanguarda feita no Brasil. A banda de arranjadores ainda é composta por Allen Alencar (guitarra), Marcelo Cabral (baixo elétrico e synth bass), Igor Caracas (bateria) e Felipe Roseno (percussão). Contando ainda com auxílio dos músicos e intérpretes convidados: Anderson Karybáya (voz), Benjamim Taubkin (piano), César Lacerda (voz), João Antunes (violão nylon), Juçara Marçal (voz), Juliana Perdigão (voz), Mauricio Pereira (voz) e Yvo Ursini (guitarra). E arranjos adicionais nas colaborações de João Antunes em “Alguma Algum Ninguém”, Marcelo Cabral em “Meu Lugar Nenhum Lugar” e Marcos Paiva em “Homem Mulher Cavalo Cobra”.

Foto: Rodrigo Tamassia/Divulgação

No hiato de dez anos afastado dos holofotes de uma carreira de músico tradicional, Morris esteve dedicado à atuação com composição para teatro, sobretudo a partir da direção musical da companhia Barracão Cultural, fundada ao lado da esposa, a atriz, produtora e dramaturga Eloisa Elena, em 2001. O cantor respondeu algumas perguntas para o núcleo de produção de conteúdo LabXP e você confere abaixo:

Salve Morris, para quem está pegando a sua quinta pedra de Homem Mulher Cavalo Cobra, gostaria que você falasse um pouco sobre a sua trajetória até aqui. 

Homem Mulher Cavalo Cobra é meu segundo disco solo. Antes dele, em 2010, lancei o álbum: Dr Morris E Os Vivos: “5”. O apelido Dr vem de uma forma carinhosa como era chamado por músicos pernambucanos em meados dos anos 90. Até o final do ano passado assinava assim. E agora, nessa nova fase, somente Morris. 

Em 2003, junto com o Rodrigo Campos, Luísa Maita, Marcos Paiva e Douglas Alonso, gravamos o CD Urbanda. Comecei na música aos 25 anos. O desejo era cantar e tocar violão como Gilberto Gil, João Bosco e João Gilberto. No meio do caminho, conheci vários artistas de teatro que me levaram a produzir, selecionar músicas e, finalmente, compor e arranjar para espetáculos. Numa das peças da nossa companhia, a Barracão Cultural, tivemos a Juçara Marçal como preparadora vocal.

Morris e Juçara Marçal (Foto: Rodrigo Tamassia/Divulgação)

Sobre o processo, os sentidos, sentimentos e atravessamentos de “Exausta”. De modo geral, comente a composição, arranjo, a ideia de trazer a Juçara Marçal para cantar e o registro gerado pelo Luan.

No processo do disco, Romulo foi me apresentando compositores e me estimulando a procurar outros. Para a Alice Coutinho, enviei uma melodia muito densa, quase desesperada. Era um desafio para colocar letra, bem como cantar, e quando recebi o texto fiquei muito impactado. Recentemente, apresentamos o espetáculo “Entre”, escrito e atuado pela minha companheira Eloisa Elena pela Barracão Cultural. A peça trata do tema das violências que estão perto de nós, mais especificamente contra a mulher, e de como somos afetados. Daí que esse assunto estava muito vivo em mim e tem tudo a ver estar no disco. Importante dizer que esse tema se liga à canção “Homem Mulher Cavalo Cobra”. Ali, lemos “um peito dois corações”, que é uma metáfora das mulheres que devoram os homens na busca de direitos iguais e que assumem ambas funções e lugares na sociedade. “Exausta” é também sobre isso. Um cansaço de ser administradora do lar e provedora material e ainda assim, em plena segunda década do século XXI, continuar sofrendo o massacre do Patriarcado. O arranjo da canção é denso, eletrônico, é quase um capítulo à parte, uma outra sonoridade dentro do álbum, com a curiosidade que eu não participo dessa faixa. Uma das maiores cantoras brasileiras, a “encruzer” Juçara Marçal, que é mulher e negra, o que confere a ela uma autoridade maior para tratar do tema, ter aceitado meu convite, já justifica ter feito o disco. E é claro que isso seria registrado em vídeo.

Romulo Fróes e Morris (Foto: Luan Cardoso/Divulgação)

A partir de sua individualidade ao estabelecimento da via criativa junto ao Romulo, como se deu o processo de concepção desse trabalho?

Sempre fui muito curioso na minha escuta e, desde muito novo, me interessei por vários sons: Reggae, Jazz, Rock, Bossa Nova, MPB, world, clássica. Sempre correndo atrás de conhecer algo novo ou velho que ainda não havia escutado. A mesma coisa com a canção brasileira. Em 2009, quando lançava o “5”, notei que se reunia uma geração paulista de músicos incríveis, entre eles, Romulo, Rodrigo Campos (que era meu parceiro), Kiko, Cabral, Juçara e vários outros. Quando ouvi aquele som, compreendi que poderia ir além no meu projeto de compositor. Eles estavam explorando algo diferente, para além do virtuosismo ou da tradição, mas apoiado em ambos. Percebi neles mais a arte do que a música. Nesse contexto, o Rodrigo me apresenta o Romulo e a gente compõe uma bonita canção baseada num conto do Murilo Rubião. Em 2019, já afastado do trabalho solo, mas sempre convivendo com esse desejo primal de compor e cantar com o violão, fiz uma melodia. Toda vez que eu voltava nela ouvia a voz do Romulo. Mandei para ele e no dia seguinte ele devolvia uma letra maravilhosa: “Doía”. Algum tempo depois, chamei ele para ouvir as canções que estava compondo inspirado pela retrospectiva do artista chinês Ai Wei Wei. Nessa tarde já estávamos trabalhando no disco.

Como nasceu a formação da banda de arranjadores?

Assim que o Romulo escutou meu trabalho e a forma como interpreto as canções, ele intuiu que eu deveria fazer tudo com o violão de nylon, que soava muito integrado à minha voz. Foi uma certa reconciliação com o instrumento, inclusive. Aí ele propôs formar um trio de cordas (01 nylon e 02 guitarras) com o compositor e multi-instrumentista Rodrigo Campos, proporcionando um reencontro depois de 15 anos, e o músico sergipano Allen Alencar. Levantamos os esqueletos das canções que, segundo o nosso baixista Marcelo Cabral, já dava para fazer um disco. Aí convidamos o Igor Caracas para a bateria e o percussionista Felipe Roseno. Foi muito fácil levantar o som. Todos são artistas compositores e tem uma visão da música que, como disse antes, vai além do virtuosismo e tradição, porém apoiado em ambos.

Rodrigo Campos e Morris (Foto: Luan Cardoso/Divulgação)

Comente as participações especiais, por favor.

Vou começar com o Mauricio Pereira, que compõe e canta. Talvez tenha sido ele quem acendeu a faísca quando, em 2018, abre com uma parceria nossa o belo Outono No Sudeste . A mineira Juliana Perdigão, que canta em duo com o Maurício e compôs a melodia de “Longe da Árvore”, era um desejo antigo de fazer algo junto. Tem a voz cheia de energia e leveza ancestral da Juçara Marçal cantando “Exausta”, uma parceria minha com a Alice Coutinho. Na voz e composição o também mineiro César Lacerda. Dos meus parceiros e amigos mais antigos, numa canção sem a banda, o Benjamim Taubkin (piano), Yvo Ursini (guitarra). Ainda temos o Romulo, como cantor e parceiro, além do Rodrigo Campos e o Clima escrevendo letras lindas. Por fim, convidei os arranjadores (também mineiros) João Antunes (que toca violão de nylon) e Marcos Paiva. 

E como foi dropar tudo isso em meio à pandemia, acredito que com necessidade de  reorganização do lançamento do disco?

O disco foi gravado entre novembro de 2019 e fevereiro deste ano. Já tínhamos datas na Casa De Francisca, e lançamento oficial para o SESC, em junho. Com o adiamento dos shows, decidimos seguir de maneira diferente. Ao invés de apresentar dois singles e logo o álbum completo, vamos soltar a cada semana uma canção. Tem um lado positivo que é alongar a interação das músicas nas redes, ajudando a re-pavimentar minha volta à canção autoral dez anos depois do 5, meu primeiro disco. Quem está acompanhando meus movimentos, deve ter visto que chamamos os lançamentos de PEDRA. Trata-se de uma imagem para cada canção que foi desenhada em escombros urbanos (tijolo, parede, restos de calçada, paralelepípedos) pelo jovem artista Alê Picciotto, meu filho. E essa PEDRA traz consigo a história da canção, com sua inspiração, clipe, imagens e o que mais for aparecendo ao longo dessa “jornada”, construindo o “caminho de pedras” do projeto. Em meados de setembro completamos o álbum e lançamos. Quem sabe já haja alguma possibilidade de nos apresentarmos ao vivo.

É Importante dizer que o percurso desse álbum, desde a sua concepção, que originalmente seria todo inspirado na exposição do Ai Wei Wei e que o Romulo encaminhou para algo que fosse sendo construído no “fazer”, continua seguindo dessa forma. As escolhas vão sendo definidas pelas circunstâncias, inclusive na questão do lançamento nos tempos da pandemia.

Exausta (por Alê Picciotto/Divulgação)

Queria que você falasse um pouco do Urbanda, que é um trabalho importantíssimo.

A Urbanda foi uma estreia geral. Salvo engano, foi a primeira gravação autoral de todos. A banda, que era formada pela Luísa Maita, Rodrigo Campos, Marcos Paiva, Douglas Alonso e eu, funcionou como um balão de ensaio, já que todos saíram dali e erigiram suas carreiras, todas elas relevantes dentro de suas propostas. Por sermos iniciantes, existe um certo frescor desajeitado, às vezes até com escolhas equivocadas. Hoje, pensando, me parece que faltou uma direção externa que nos conduzisse para um lugar mais assertivo, que nos fizesse assumir mais risco. É um trabalho que mais aponta do que afirma caminhos, e aí que mora, junto com a escola que foi para nós, a importância do disco. Lembro de ter descoberto naqueles dias uma intimidade com o estúdio, uma calma que eu não tinha no palco. Num arco temporal, o mais importante da Urbanda, nesse momento, é o reencontro com o Rodrigo Campos. Ah, o baixista Marcos Paiva fez o arranjo espetacular para a canção que dá nome ao disco, “Homem Mulher Cavalo Cobra”.

Romulo Fróes e Morris (Foto: Luan Cardoso/Divulgação)

Qual o seu sentimento em relação à construção e disponibilização deste trabalho? E, para onde você olha, se já estiver, considerando o depois desse lançamento.

Estou vivendo uma experiência muito bonita com esse trabalho. É como um organismo vivo com todas sua complexidade, as certezas, dúvidas, surpresas e, principalmente, PEDRAS no caminho. Mas eu vivi e sigo vivendo todas as etapas, composição, estudo da voz e violão, ensaios e arranjos, gravação, mix, e agora esse lançamento diferente em 13 PEDRAS. Então, nesse lugar em que estamos, com tantas dificuldades, isolamento, mortes, entendo que é para ser assim e acho que tá tudo certo. Até porque sempre tem PEDRA no caminho, sempre! No dia 30/07, eu e Romulo vamos fazer uma live no Instagram e YouTube para contar um pouco de tudo isso e apresentar “Homem Mulher Cavalo Cobra”, a canção que dá título ao disco. Desde já, todos convidados.

Para seguir buscando as Pedras de Morris, siga o artista no Instagram e YouTube.

09/07/2020

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