O Morrostock 2019 foi um momento inesquecível não só para a plateia, mas também para quem fica em cima do palco. A NOIZE esteve nos quatro dias do festival e já contou tudo o que aconteceu em uma resenha divida em parte um e parte dois. Mas, não perdemos a chance de bater um papo com algumas das atrações do palco principal do Morro e, abaixo, compartilhamos a primeira parte do “Camarim Morrostock 2019”. Desça a página e leia as entrevistas no pique pingue-pongue com Céu, MC Tha e Jaloo.
Céu, seu último disco, APKÁ! traz muito das suas reflexões sobre os relacionamentos humanos na era da tecnologia, sobre como lidamos com o outro na era digital. O que momentos como esse, a interação com o público em um festival, simboliza para você?
Para mim, isso é o mundo real; é o que faz tudo acontecer de verdade, é o carne e osso, é o combustível. Então, é de extrema importância ter festivais assim, sem sinal [de telefone ou internet], possibilidades nas quais a gente, de fato, pode ficar off, e estando junto, trocando mesmo. É uma experiência extremamente importante.
Qual é a sua relação com festivais, tanto como espectadora quanto como artista?
Eu sempre fui a festivais, sempre curti sons, sempre que dava eu ia, saía de São Paulo para ir em alguns. A música dentro de festivais é muito diferente, muito interessante, muito divertida. Você vivencia um monte de sons no mesmo lugar e conhece muitas pessoas! E no palco é um desafio a mais porque são pessoas que não vieram para te ver necessariamente, né? Vieram para viver uma experiência, então, conquistar essas pessoas, trazê-las para o meu universo, é um desafio legal que eu fui aprendendo com o tempo. Eu já toquei em muitos festivais e amo, amo! Espero que o Brasil tenha cada vez mais festivais e incentivos a eles.
Tha, tá sendo super comum te ver em vários line ups de festivais do circuito mais independente do Brasil. Como você se sente nesse lugar, de conquistar espaço nos line ups, principalmente enquanto uma mulher preta, periférica e que produz funk, um funk que é aceito nesses espaços?
É isso, eu me sinto muito privilegiada porque eu sei que eu sou uma pequena minoria que consegue ter esse acesso e, talvez, eu o consiga justamente por ter parado um tempo na minha vida para reinventar o funk dentro de mim, e, automaticamente, isso se reinventou para fora também e se tornou uma coisa mais aceita. Ainda mais porque eu não falo palavrão. Mas eu uso outros jeitos de falar as mesmas coisas que o pessoal do funk fala, sabe? Tipo, enquanto alguém no funk tá cantando “vou dar o cu e vou dar a xota”, eu tô falando em “Clima Quente” “a noite inteira, frente e verso, sem pressa de acabar”, sabe? Porque é o jeito que me cabe; não tô falando que o jeito que eles fazem está errado, mas é o jeito que eu consigo manter essa liberdade sexual e colocá-la para fora. Eu acho que ainda há muito trabalho para fazer justamente por isso, por eu ser a minoria que consegue entrar, sendo que tem uma galera na periferia produzindo funk diretamente, tomando esculacho de polícia e que não está nos line ups aí. E tem uma galera branca, higienizada, que tá lucrando com o funk, tornou o funk comercial, e tá aí fazendo e acontecendo.
Propondo a higienização desse funk, né?
Isso, propõe a higienização desse funk, e quem tá lá produzindo, que vem do movimento lá debaixo mesmo, não tá. Eu acho que é muito plausível o lugar que o funk tomou até agora, mas acho que tem muita coisa para a gente corrigir.
Inclusive eu até queria dizer que tem muita gente ansiosa demais para ver o seu show. Gente falando “quero me guardar, quero dormir para rebolar até o chão com a MC Tha”. Você já está caminhando com o Rito de Passá (2019) há uns meses, como está sendo ver esse trabalho no palco cada vez mais consolidado, e receber todo esse carinho e expectativa do público? As pessoas estão te aguardando muito!
[risos] Para mim isso é o legal porque está sendo troca e autoconhecimento. Cada show que eu faço é diferente, cada show que eu faço eu percebo que eu tenho que melhorar em alguma coisa ou voltar atrás em outra, não avançar demais, ter calma, tipo “sem pressa, você quer ter uma banda grande, mas agora não dá, vai devagar”. Eu entendendo os meus limites. Essa troca com as pessoas é muito bonita, muito bonita mesmo!
Jaloo, você tá tocando hoje aqui em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, um local bem distante do sua cidade de origem, Castanhal, no Pará. Qual a importância em conseguir atravessar o país por meio dos festivais? Como essas experiências te completam?
Olha, isso é o que me traz mais alegria, ser uma espécie de nômade da música, porque a gente não para de circular, de viajar e de conhecer pessoas. Isso é o que me traz alegria, além dos shows, e vocês vão perceber como eu adoro fazer shows; não vejo a hora de entrar no palco, nem fico nervoso! Isso é muito doido, é algo que realmente me faz bem, me conecto quando estou no palco. E eu também gosto muito de estar aqui, “no sul do sul do sul”, sendo uma pessoa “do norte do norte do norte”, atravessando o país e conhecendo outros sotaques, outros olhares, outras formas de curtir a música, e ter a interação e ter o reconhecimento… são pessoas que realmente ouvem, que se emocionam, que gostam, que colecionam, e que estão bem distantes da minha realidade.
Além de perceber a extensão do alcance do seu trabalho, não é mesmo?
É. Ano passado a gente fez uma turnê em Portugal maluca, passei por uma cidades do interior mesmo, e o pessoal curtindo! Tinha gente até que vinha de Barcelona e viajou horas para chegar lá.
Rompendo até as barreiras linguísticas mesmo, né?
Exatamente! E tanto que eu fico muito de olho nessas questões de comunicação e tento retribuir de alguma forma. Nesse disco novo [ft. (pt.1)], tem um refrão em espanhol, porque tem uma galera que consome! A gente viu os números no Spotify e o México consome muito a minha música, sabe. A gente tem que falar a língua de quem consome.
E você acabou de subir ao palco Pachamama para fazer um feat com a MC Tha, né?
Isso é uma coisa doida! Toda a vez que a gente está no mesmo lugar, isso vai acontecer! Nem ache que não vai, que eu vou ficar aqui [no camarim] bebendo e a música que eu canto tocando, não!
E vocês são muito amigos. Como é realizar esse sonho, que é conjunto, ao mesmo tempo?
A gente morou juntos por cinco anos; tivemos quase uma relação de casamento, foi um divórcio quando a gente começou a morar sozinho, hoje em dia eu moro sozinho e ela também, e em 2015, quando eu lancei o meu primeiro disco [#1], ela me deu uma música de presente, que é “A Cidade”, e agora, “Céu Azul” é uma continuação d”A Cidade”, é uma pós-reflexão dessa canção. Eu estava ainda meio na dúvida do que fazer sobre o meu segundo disco, e aí rolou essa ideia de fazer um disco totalmente sobre parcerias, e ela foi a primeira [pessoa] em quem eu cheguei e falei: “mana, bora cantar agora?”, porque, da outra vez, ela só me deu a música. Desta vez, ela canta comigo. E ela foi a pérola daquele videoclipe. Quando ela aparece, é um acontecimento! E eu fico muito feliz hoje em dia de perceber que esse monumento que eu enxergava há alguns anos, vocês estão enxergando agora. A Thais não é um ser humano, eu digo que ela é um acontecimento, ela é um evento! Sei lá, ela move as estruturas! É tão bonito perceber que ela tá se comunicando agora, criando o público dela, os medos, os anseios, as questões amorosas, ela tá criando essa comunicação direta. Acho que a gente tá muito nessa de se nutrir de nós mesmos, de um visitar o catálogo do outro, acho que isso é muito legal. É fundamental para a cena crescer, porque tem tanta coisa legal quando feita pelos artistas independentes!
Até em uma fase em que a arte está com um discurso muito forte de união.
É! E eu lembrei de uma coisa: foi a Assucena e a Raquel, d’As Bahias e a Cozinha Mineira, que comentaram sobre essa questão da gente visitar o próprio catálogo do outro. E eu lembro muito dessa reflexão e assim que rolou de colocar um trecho de “Despedida”, da Tha, no final do meu disco.