Clarice Falcão expõe seu lado mais vulnerável em novo disco, “Tem Conserto”

13/06/2019

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Camila Oliveira

Por: Camila Oliveira

Fotos: Pedro Pinho/Divulgação

13/06/2019

Olhando para suas próprias cicatrizes e transformando-as em música, Clarice Falcão volta de hiato com novo disco, Tem Conserto (ouça abaixo). Ao lado do produtor Lucas de Paiva, a artista recifense explora a sonoridade e estética da produção eletrônica enquanto canta histórias íntimas.

O disco lançado hoje é, ao mesmo tempo, visceral e universal. Assim como Clarice reescreve sua relação com a depressão, a ansiedade, a morte e suas questões familiares, as composições geram identificação imediata com quem também sente que há algo quebrado (ou precisando de conserto) dentro de si. A turnê de lançamento do álbum já tem datas confirmadas em Juiz de Fora (28/6), Rio de Janeiro (20/7), Belo Horizonte (26/7) e Porto Alegre (2/8).

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Assim como já é característico em seus trabalhos anteriores, Problema Meu (2016) e Monomania (2013), a obra não abre mão do bom humor – dessa vez com um toque a mais de euforia inspiradas pela house music. O disco divide-se, em dois momentos. Segundo a artista, há faixas para “rebolar a raba”, como “Mal pra Saúde”, “Horizontalmente”, “Dia D”, “CDJ” e “Só +6”, mas também para “chorar no banheiro do estágio”, como “Minha Cabeça”, “Morrer Tanto”, “Esvaziou” e a própria faixa-título “Tem Conserto”.

O mergulho que a cantora fez em sua própria história para transformá-la em disco ocorreu no melhor lugar possível: no tapete da sala de casa, cercada de teclados e de lembranças de sua própria trajetória. Abaixo, você confere o papo que tivemos com a artista sobre os desafios, significados e processos criativos percorridos na elaboração do disco.

Foto: Pedro Pinho/Divulgação.

O nome do disco é “Tem Conserto” e a turnê será intitulada “Em Conserto”. Se você fosse definir: o que precisa de conserto? E de que forma o disco entra nesse processo?

O disco é sobre a minha cabeça, mas acho que, de uma forma mais ampla, é sobre a cabeça de todo mundo. Eu vejo muita gente vivendo com a sensação de que “tem alguma coisa quebrada em mim”. Eu pelo menos tenho essa sensação o tempo todo. Mas acredito (ou quero acreditar) que isso tudo tem conserto. Pode não ser um conserto definitivo, mas tenho conseguido cada vez mais conviver em paz com as minhas aflições. Produzir esse disco me ajudou bastante a chegar nesse lugar.

Qual o significado de lançar esse disco para você? O que você aprendeu com ele e gostaria que as pessoas percebessem ao escutá-lo?

É dolorido, porque a sensação é de escancarar um monte de coisa que eu estava acostumada a esconder. Mas também é maravilhoso, porque música sempre me ajudou a passar pelos momentos difíceis. Tanto fazer música quanto ouvir música. Que bom que tem gente que escancara as coisas. Acho que o que eu quero desse disco e o que eu quero que as pessoas tirem desse disco é o mesmo: a sensação de que a gente não está sozinho nisso.

Como foi o processo de gravar um disco em casa? De que forma isso se refletiu no resultado final do disco?

Nunca tinha gravado um disco em casa e foi a melhor coisa que já fiz. Éramos sempre eu e Lucas sentados no tapete da minha sala cheios de teclados em volta. A gente se divertiu muito. Ele me disse no nosso primeiro encontro: “Eu quero que você termine esse disco sabendo produzir um disco sozinha”, e eu me mijei de medo. Achei que não ia saber tocar nada nem mexer em nada. Terminou que toquei um monte de coisa e mexi em tudo. Hoje, eu não acho que saberia produzir um disco sozinha (pelo menos não um bom disco), mas estou muito feliz de ter metido a mão na massa e produzido esse disco junto com ele.

Como se deu a construção de arranjos e estética sonora do álbum? Como foi trabalhar com o Lucas de Paiva e experimentar novas sonoridades para o seu trabalho?

A gente foi construindo tudo com muita calma, sem nenhum tipo de prazo. Tinha dias que a gente só escutava música e enchia a cara. Ao todo, foi um ano arranjando o disco. É fascinante ver música eletrônica sendo produzida ali, na hora, parece a sensação de ver como funciona um relógio por dentro. O Lucas parece um bruxo mexendo naqueles botões e mudando o timbre das coisas. Ele é um gênio. Mas além de um gênio, ele é muito generoso, porque faz questão de tentar ensinar a genialidade dele pra gente.

De que forma o Tem Conserto se cruza com os discos anteriores? E de que forma se diferencia?

Quando fiz o Monomania, aquela sonoridade tinha muito a ver com o que eu escutava na época. Eu era apaixonada por folk, e aquele disco era minha forma de declarar essa paixão. Em seis anos, a gente vai aprendendo a gostar de outras coisas. Já faz dois anos que tenho me apaixonado pela cena eletrônica, então fico muito feliz de poder traduzir isso no disco.

Por outro lado, acho que a essência das minhas composições ainda está ali. Meu senso de humor ainda está ali, ainda que mais velado.  

Em que momento você percebeu que era necessário fazer um disco como esse e tratar de assuntos como ansiedade extrema e depressão profunda?

Tenho crises de ansiedade/depressão desde os 16 anos e recentemente fui diagnosticada dentro do espectro bipolar. Apesar de os dois discos anteriores (especialmente o Monomania) tangenciarem esse universo, eu não acho que eu teria conseguido falar dessa experiência explicitamente quando era mais nova porque ainda não tinha clareza e organização mental pra isso. Mas já faz um tempo que, quando eu sentava pra compor, era esse assunto que aparecia. Resolvi que era a hora.

E qual o maior desafio em falar abertamente sobre essas questões que lhe acompanharam por diferentes etapas da vida? Houve algum processo de ressignificação em relação às suas vivências?

Se mostrar vulnerável é sempre difícil, mas acho que é essencial. Eu me encanto muito mais com a vulnerabilidade das pessoas do que com a perfeição. É o disco mais pessoal que já fiz por tratar de questões com as quais eu convivo desde a adolescência e que inclusive estão na minha família há gerações. A minha mãe, há alguns anos, escreveu um livro contando a história dos meus avôs e vi como foi catártico pra ela. Resolvi contar essa nossa história do meu ponto de vista e entendi porque foi tão bom pra ela. Foi muito bom pra mim também.

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13/06/2019

Camila Oliveira

Camila Oliveira