A poesia da angústia urbana em novo clipe de “Pombais”, da Alpargatos

07/10/2020

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Ariel Fagundes

Por: Ariel Fagundes

Fotos: Reprodução

07/10/2020

O ano de 2020 chegou desafiando as saúdes física, mental e emocional de todos nós. Neste contexto tenso, entre o isolamento doméstico e o caos que habita o mundo exterior, o novo clipe da banda gaúcha Alpargatos chega ganhando sentidos ainda mais profundos. O recém lançado vídeo de “Pombais”, apresenta um olhar sensível sobre a relação entre o ser humano e a cidade e a busca pela paz interior, assista:

Protagonizado pela atriz Paula Souza, o clipe foi gravado em Porto Alegre, em dezembro de 2019, em uma coprodução entre o coletivo de audiovisual Carne Viva e o OCorre Lab. A direção, o roteiro e a fotografia são de Kim Costa Nunes e, conforme ela conta na entrevista abaixo, o vídeo foi desenvolvido como um ensaio imagético, costurando reflexões e angústias pessoais aos sentimentos sugeridos pela composição de “Pombais”.

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Essa faixa foi lançada através do selo Escápula Records no EP O Chão É Lava (2018), que, por sua vez, encerra uma trilogia de EPs junto aos anteriores Rodovia do Parque (2015) e Essa cidade cheia de heróis (2017). Afonso Antunes, vocalista e guitarrista da banda, comenta abaixo o novo clipe e como a pandemia levou a Alpargatos a buscar outros caminhos em 2020.

Foto: Reprodução/Clipe “Pombais”

Kim Costa Nunes
Diretora, roteirista e diretora de fotografia do clipe de “Pombais”

De que forma a composição da música inspirou o vídeo de “Pombais”
A letra e a melodia da música sempre me chamaram muita atenção por trazerem esses elementos meditativos e caóticos no desenho de som, que é algo que não é muito usual em uma música, seja qual for o estilo. A primeira vez que escutei ela foi quando nos reunimos pra conversar sobre as fotos que iam acompanhar a divulgação do EP O Chão É Lava, e já naquela primeira reunião conversamos sobre todos os sentimentos que o EP passava: A solidão e a ansiedade na cidade grande, e também dentro de si mesmos; A busca por uma conexão com a natureza, e o uso de eventos naturais como metáforas pra existência. Todos esses elementos serviram pra gente criar as fotos do EP, mas seguiram na minha cabeça por muito tempo. Tentei transmutar ideias que tivemos naquelas primeiras reuniões em uma ideia de vídeo ao vivo que teria como cenário uma pedreira, mas por questões de produção decidimos transformar isso em um videoclipe. A partir daí, usei a letra como a base de uma ideia de caos interior da personagem, que seria agravado pelos estímulos da cidade, e a busca dela por autoconhecimento e paz através da meditação.

Comente, por favor, os temas e questionamentos buscados no clipe.
O clipe é um ensaio imagético que trouxe à luz muitas questões a ver com a vida na cidade, e outras mais pessoais minhas e de familiares. Através da história da personagem, pude expor o quanto nós estamos vivendo no limite, sem tempo de analisar nada que acontece direito, com estímulos (ruins e bons) que chegam de todos os lados, num bombardeio que parece incessante. Há alguns anos venho experienciando crises de ansiedade devido ao trabalho excessivo como fotógrafa e diretora autônoma, à falta de inteligência emocional, cobranças e metas irreais, entre outras mil coisas (como um tratamento medicamentoso abusivo para a doença crônica Esclerose Múltipla). Venho de uma família onde as mulheres movem montanhas, mas muitas vezes esquecem de cuidar de si mesmas. Além das crises que eu tive, outra familiar muito próxima teve diversos ataques de pânico muito severos, e eu usei todas essas experiências na criação do roteiro do clipe, e na construção da personagem interpretada pela Paula. O elemento chave que ajudou a dar um respiro e uma possível solução pra todo esse caos foi a ideia da meditação, que veio a partir de elementos da música. E a grande sacada do clipe, pra mim, é o momento em que descobrimos que esse local de paz e meditação é na verdade só mais um lugar caótico assim como todos os outros, o que fortalece ainda mais a ideia de que temos que buscar o equilíbrio dentro de nós mesmos.

Foto: Kim Costa Nunes/Divulgação

Afonso Antunes
Vocalista e guitarrista da Alpargatos

Como vocês enxergam o cruzamento entre o vídeo de “Pombais” e a composição da música? 
O clipe consegue transmitir um sentimento muito particular e esquisito, que é o de caminhar pelo Centro Histórico de POA: a solidão do caos, o desespero da pressa, o sentido oposto do lar. E a canção também trata disso, dessa vontade de um retorno impossível para um lugar inexistente, desse sufocamento causado pela rotina, da distância dos afetos, do amassamento da subjetividade em meio à turba. Os cortes da edição do clipe, as imagens fortes, as cores frias, a areia que desaba sobre a personagem, a narrativa visual, tudo isso nos transporta para o estado de desamparo da canção. 

Como o contexto atual da pandemia ressignificou a música e o vídeo de “Pombais”?
As nossas canções, mesmo antes da pandemia, falavam muito de isolamento, de introspecção, de solidão, do ser inevitavelmente voltado para si. O último EP, O Chão é Lava (2018), trata essencialmente dessa questão de um eu que se expande, como uma erupção, porque, no fundo, se sente aprisionado. O isolamento metafórico acabou ficando muito palpável com a pandemia, em que fomos forçados a reduzir os contatos sociais, a nos fecharmos em nossas casas, a lidar com a solidão e com o medo do mundo externo como nunca antes. O clipe, por sua vez, parece o fim da linha, o fim de uma época. Quando ainda convivíamos com o “normal”, mas já sufocados, já aprisionados, já sentindo que o mundo à volta poderia desabar a qualquer momento. A protagonista do clipe tem a revelação de que nunca vai conseguir retornar ao mundo que ela deseja. Enxerga algo que lhe desconecta da realidade. E, de fato, a partir dali, a vida, talvez, não seja mais a mesma.

Como a pandemia afetou a programação da banda e quais são os próximos planos?
A OMS declarou pandemia mundial exatamente no mesmo dia em que estávamos sentados juntos para fechar o repertório do novo álbum, um trabalho que vem sendo construído [e também adiado] há vários anos, por acreditarmos que ele ainda precisava de um certo amadurecimento. Depois de lançar uma trilogia de EPs, trocar com artistas de vários gêneros e circular nos mais diversos espaços da cena local, finalmente achamos que seria o momento certo pra finalmente encerrar esse ciclo e botá-lo na rua. Programávamos uma viagem à praia para começar a pré-produção e afinar os arranjos pra depois seguir com os processos de gravação e lançamento desse trabalho ainda esse ano. Porém, no dia seguinte, estávamos todos fechados em casa e, desde então, não nos vimos mais. Seguimos, então, conectados pelo digital, reajustando os planos e planejando os próximos passos. Estamos revisitando gravações antigas, materiais audiovisuais já prontos e, aos poucos, vamos soltando no mundo. A possibilidade de retorno aos palcos de forma segura ainda é muito remota, então vamos reaprendendo a lidar com as novas dinâmicas de produção, soltando vídeos ao vivo, clipes e, futuramente, um novo EP com alguns registros ao vivo de canções que nos acompanham há anos na estrada. 

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07/10/2020

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Ariel Fagundes

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