Coletâneas Em Vinil | A chegada da MPB às novelas

23/06/2022

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Erick Bonder

Por: Erick Bonder

Fotos: Reprodução

23/06/2022

Além da canção, o brasileiro tem verdadeira paixão por outro produto cultural: as telenovelas. Hoje, é sobre a união destes dois amores que vamos falar por aqui. Vamos contar a história de como as trilhas sonoras das novelas se tornaram um dos principais meios de divulgação da música brasileira durante a segunda metade do século XX, papel que, de certa forma, mantém até hoje. E, de quebra, ainda vamos adicionar outra grande paixão nossa na conversa, contando como essas trilhas sonoras passaram a ganhar grandes prensagens de LPs que figuraram nas listas de mais vendidos daqueles anos.  

Até os anos de 1960, as novelas eram sonorizadas, em grande parte, com música instrumental. A trilha sonora possuía papel restrito, sendo utilizada apenas como ambientação, indicando o “clima” das cenas. Isso começou a mudar com o folhetim Beto Rockfeller, dirigido por Lima Duarte e transmitido em 1968 pela TV Tupi, que incorporou duas mudanças importantes na utilização das músicas.

Além de usar canções de sucesso da época na trilha sonora, o sonoplasta Salathiel Coelho passou a associar cada música a personagens específicos da trama. A música “Sentado a Beira do Caminho”, de Erasmo Carlos, tema do protagonista da novela, chegou a ser tocada na íntegra no horário nobre, em espaço incomum para a canção na teledramaturgia do momento.

A verdadeira mudança, porém, viria um ano depois, em 1969. André Midani, então diretor da Philips no Brasil, propôs à TV Globo (no ar desde 1965) que suas novelas possuíssem trilhas sonoras originais, inéditas, compostas e interpretadas pelo elenco da gravadora. A Philips se responsabilizaria pela produção completa das trilhas sonoras, bem como pela produção e distribuição dos LPs com todas as músicas das novelas, e a Globo disponibilizaria seu espaço para a promoção dos discos. Assim foi. Nelson Motta ficou encarregado pela produção das novas músicas, que seriam associadas a personagens específicos nas tramas.

A primeira novela brasileira a entrar no ar com trilha sonora original foi Véu de Noiva (1969), escrita por Janete Clair e dirigida por Daniel Filho. A trilha contava com composições inéditas de nomes como Chico Buarque, com a hoje clássica “Gente Humilde”, Caetano Veloso, com “Irene” (em interpretação de ninguém menos que Elis Regina) e Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle. Tudo inédito, disponibilizado pela primeira vez ao público na novela da Globo e com prensagem exclusiva pela Philips, na lista de LPs mais vendidos daquele ano.

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De acordo com Nelson, em reportagem da Folha de São Paulo em 2001, “havia muito preconceito contra a novela na época”, mas “depois do sucesso que foi, eu tive que desligar o telefone de tanto artista pedindo pra entrar”. A parceria entre Philips e Globo durou mais um ano e seis novelas, entre elas Irmãos Coragem (1970), que apresentou pela primeira vez ao público a música “Padre Cícero”, de Tim Maia, com o título “João Coragem” e algumas diferenças na letra. Já a canção “Sucesso, Aqui Vou Eu”, de Rita Lee, foi revelada na novela A Próxima Atração (1970).

Diversos outros nomes como Roberto Menescal, Paulinho Tapajós, Ivan Lins, Wilson das Neves e Regininha participaram das trilhas sonoras das novelas durante esse período. E todos esses registros podem ser encontrados ainda hoje em discos de vinil.

Percebendo o sucesso comercial dos LPs com as trilhas sonoras, a Globo decidiu criar um braço próprio de produção e distribuição musical. Nasceu a Som Livre, que, no início, com produção de Guto Graça Mello, encomendou suas trilhas inéditas a duplas de grandes compositores. Nesta safra, Vinicius de Moraes e Toquinho compuseram a trilha de O Bem-amado (1973), Roberto Carlos e Erasmo Carlos assinaram as músicas de O Bofe (1972), Antonio Carlos e Jocafi criaram as canções de Supermanoela (1974) e os irmão Marcos e Paulo Sérgio Valle voltaram às cenas das novelas com a trilha de Selva de Pedra (1972). 

A última trilha sonora feita com músicas inéditas foi na novela O Rebu (1975), com composições de Raul Seixas e Paulo Coelho (entre elas, a clássica “Como Vovó Já Dizia”). Depois disso, a Som Livre passou a firmar parcerias com outras gravadoras, que disponibilizavam seu cast de acordo com interesses comerciais. Nessa altura, as novelas já haviam se tornado um dos principais meios para difusão de música no Brasil e, portanto, se tornou vantajoso para as gravadoras cederem seus artistas para a televisão, dependendo de suas estratégias de divulgação.

Um marco deste novo momento, em que iniciou-se o uso de compilados de sucessos, foi a trilha da icônica Gabriela (1975), protagonizada por Sônia Braga, que possuía um elenco musical de peso com Maria Bethânia, Gal Costa, Moraes Moreira, Fafá de Belém, Geraldo Azevedo, João Bosco e Alceu Valença. Parte dos intérpretes ou compositores era da Som Livre, parte de outras gravadoras. Um artista do cast da Som Livre e que começou interpretando canções nas novelas foi Djavan que, embalado pelo sucesso na TV, logo gravou seu primeiro disco.

Até bem pouco tempo atrás, as trilhas sonoras das novelas ainda eram lançadas em CD. E hoje, se você for procurar, vai ver que as emissoras fazem playlists nas plataformas de streaming com as músicas que sonorizam os folhetins. No Brasil, por muito tempo, começando na época que descrevemos aqui em cima (e de certa forma até hoje), as novelas foram um meio privilegiado de divulgação para o mercado fonográfico. Foi através delas que alguns dos artistas mais importantes da nossa música, cantando algumas das nossas canções mais emblemáticas, puderam divulgar os seus trabalhos.

Tudo isso está registrado em discos de vinil que podem ser encontrados por aí. Você consegue comprar a maioria desses títulos em bom estado e com bons preços online no Discogs ou no Mercado Livre. Devido à popularidade das novelas, as prensagens destes LPs muitas vezes foram bem grandes, e se você procurar pelos sebos da sua cidade, tem grandes chances de encontrar uma trilha sonora com canções históricas para a sua coleção. 

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23/06/2022

Erick Bonder

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