Criolo é meu pastor

22/05/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

22/05/2014

Fotos: Ariel Fagundes

Com os bracinhos levantados ao céu, eles cantam, batem palmas, se emocionam, fecham os olhos, riem, choram, aplaudem, fazem pedidos (não em silêncio, mas aos berros, e na maior esperança de que sejam atendidos). Não fosse o volume ensurdecedor e a dança mais escura do que iluminada das luzes, o cenário de um show poderia muito bem ser confundido com uma missa pentecostal. E é, de fato: as casas de shows sempre foram as igrejas dos malucos das mais diferentes crenças ou descrenças. Mas se tem alguém que leva essa máxima a sério, e para além da música, esse alguém é Criolo.

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Criolo tem casa em Porto Alegre: em suas três passagens por aqui, foi no mesmo palco que se apresentou. Assim, quem esteve em todos os shows assistiu no mesmo cenário a transformação do artista, de um lado, e a heterogeneidade crescente do público de outro. O que transcorre é sempre diferente, mas semelhante nos momentos de catarse que tanto lembram um culto evangélico. Depois da performance de ontem, no tradicional Bar Opinião, uma certeza quase óbvia é que esses ritos com ares de missa estão sendo aprimorados e se tornam mais apaixonados, o que dá espaço para uma troca de amor cada vez mais verdadeira e para um repertório que retoma as canções de quando Criolo ainda era Doido – nos lembrando que, sim, mesmo salientado o discurso e a fisionomia de profeta, não é de hoje que o cara prega o amor.

Na primeira passagem por essas bandas, em 2012, quando acabara de ser projetado para além do universo do rap e alçado ao status de grande novidade revolucionária da música brasileira, Criolo ainda reconhecia o terreno, mas se sentia seguro na identificação com o público, em sintonia com seu gênero de origem. Em 2013, em um show viabilizado por financiamento coletivo, lamentou que o preço dos ingressos tivesse feito com que muitos dos presentes no show anterior estivessem ausentes e, talvez por paranóia desta que vos escreve, talvez por paranóia do próprio Criolo, não parecia tão seguro no papel do personagem que estava se tornando. Se nos shows, na retórica e na poesia é direto e impiedoso na mensagem, sem medo de chacoalhar o interlocutor pela orelha, nas entrevistas e fora dos palcos Criolo foi assumindo uma serenidade quase sombria, tornando-se hermético e enigmático o suficiente para desconcertar repórteres experientes e  se tornar um meme na internet.  Mas nos shows a gente entende direitinho e sem esforços absolutamente tudo o que ele quer dizer. Em especial quando ele está tão seguro e inspirado, como ontem.

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Criolo entrou no palco confiante e faceiro vestindo uma túnica que potencializou seu ar de messias e um chapeuzinho vermelho a la Gerson King Combo (quando, mais tarde, convocaria os presentes a chamarem pelo rei Bob Marley antes de entoar “Lion Man”, ele ficaria ainda mais semelhante ao ícone da soul music tupiniquim). Foi com um breve sample de “Mariô”, que ficaria de fora do setlist, seguido por “Duas de Cinco” que a festa começou. Depois de “Subirusdoistiozin”, foi  a vez de “É o Teste”, primeira a rolar do disco de estreia Ainda há tempo (2006), para a surpresa dos fãs mais antigos. Depois foi a vez do bolero “Freguês da Meia Noite”, cantada por um Criolo malemolente e divertido, diferente das performances anteriores, mais dramáticas e com comentários meio sinistros sobre o tema da música, o famigerado pó, o que deixou uma sensação de que alguns demônios já foram de fato exorcizados.

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A nova versão de “Freguês” também ganhou inesperadas distorções aqui e ali da guitarra de Guilherme Held, cuja influência foi sentida em várias outras canções. “Demorô”, uma delas, também de Ainda há tempo, rendeu até uma roda punk singela de hippies-punks-rajneeshs. A superbanda contava também com o veterano responsável pela direção musical Daniel Ganjaman (teclados e programação eletrônica), Marcelo Cabral (baixo acústico e elétrico), Maurício Badé (percussão), Sérgio Machado (bateria) e do queridão DJ Dan Dan (voz e picapes). A banda inteira ajudou a conduzir o show e manter a conexão que Criolo tanto busca – e que, em certos momentos, atinge ápices transcendentais transformando a pista em sambão, em “Linha de Frente”, ou um baile afrobeat, em “Bogotá”. No hino “Não existe amor em SP” a sintonia entre artista e plateia foi tão grande que ninguém ousou erguer seu celular.

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Clamando “levem a sério o bagulho”, a tentativa constante de se conectar com o público parece, também, uma busca por conectar-se consigo mesmo, por estar de fato dizendo cada uma das palavras que canta. Nos momentos em que pregava o amor e a fé, falava também de questões que assolam o Brasil, mas sempre com o cuidado de não baixar a vibe. Se faltava uma nuance política mais forte no discurso, ela se deu quando um pedaço de papelão com os dizeres “Ocupa Saraí” foi parar no palco. A ocupação do prédio destinado à moradia de pessoas de baixa renda, mas inacabado e desocupado há anos, se dá desde agosto de 2013, resistência que contrasta e aumenta o coro revoltado com as desocupações da Copa.

Entre outros momentos memoráveis, vale lembrar da banda inteira com chapéus cônicos estilo vietnamita antes de entoar “Lion Man”, da entrada da “canga sagrada” de Bob Marley no palco, anunciada como se fosse um Santo Graal, e do bis com “Ainda há tempo”, do álbum homônimo, uma síntese de toda a mensagem que Criolo queria passar.

“Que a minha música possa te levar amor”.

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Criolo toca hoje novamente em Porto Alegre, no Bar Opinião, e ainda restam ingressos. Vá. Nós aconselhamos.

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22/05/2014

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