“Me considero um repetidor de sinal”, afirma Cronixta. Em seu segundo disco, Wi-Fi da Floresta, lançado em setembro, o rapper paraense reflete sobre as conexões entre a música do norte do país e os ritmos caribenhos. Por exemplo, “Rádio do Caribe”, fala das rádios da América Central que são sintonizadas em Belém.
Não à toa, a faixa foi escolhida como single para abrir os trabalhos do álbum. Com participação de Felipe Cordeiro, a música ajuda a sintetizar o conceito elaborado no registro: “Através das rádios, tivemos acesso às frequências mais importantes das periferias caribenhas, sonoridades que transformaram a música da minha região, especificamente no Pará. Convidei o Felipe Cordeiro porque ele é um dos principais expoentes da música feita na Amazônia e que torna o sinal ainda mais potente com o resto do país.”
O disco também conta com participações de Bixarte, Chico Correa, Thiago Elniño e DJ Cleiton Rasta. A produção musical é de Matheus Padoca, em parceria com o artista, Guri Assis Brasil e Chico Correa. No faixa a faixa a seguir, Cronixta divide as histórias de Wi-Fi da Floresta:
“Rádio do Caribe”: Por muito tempo, especificamente lá na década de 1930, 1940, a minha região (o norte) não conseguia se conectar ao sinal das rádios ou a transmissão vinha muito fraquinho. Nessa mesma época, as rádios da América Central, às margens do Caribe, transmitiam um sinal com mais força, então as ondas sonoras de lá se conectaram com a Amazônia e ajudaram a moldar a cultura da minha região. Quando começamos a produzir, naturalmente, esse sinal surgiu para abrir o álbum. O som tem essa brisa de “depois que ele se propaga, a onda sonora é emitida para sempre”, e eu me considero um repetidor do sinal dessa sonoridade.
“Que Tal?!”: Vai além do questionamento, ela é um movimento através do verbo, esse movimento de descer pra subir, esse êxodo musical, por conta do país ser continental e a indústria não entender a música feita na minha região. É necessário pararmos para entender o quanto a música do norte é colocada em uma caixinha isolada quando se trata de mercado. Sempre nos rotulam ou lembram como a terra da “banda x ou y”. E se repete a máxima dos Racionais: “a gente tem que ser algumas vezes melhor pra nossa música ser percebida da forma que ela merece”. O norte está cada vez mais forte e “Que Tal?!” vem para ser essa pergunta, ao mesmo tempo, que afirma “se é pra jogar, estamos no jogo!”.
“Dejavú”: Eu morei um tempo na casa de um parceiro na zona sul e um dia ele chegou pra mim e disse que a casa estava na justiça, que a família do pai, já falecido, queria o imóvel de volta. Eu tinha conhecido a galera há uma semana antes desse recado. No dia seguinte que trocamos esse papo sobre a casa, mais ou menos umas seis da manhã, eu acordei com um oficial e alguns policiais dentro do meu quarto me acordando pra retirar tudo de dentro, porque se tratava de uma reintegração de posse. Essa história precisava estar de alguma forma no disco, que fala sobre conexão e sobre amor, porque isso me fez viver durante anos com uma das pessoas mais especiais que conheci na vida.
“Jambú”: Essa nossa erva carrega a mística do amortecimento, a mesma sensação que está presente no nosso dia a dia, do brasileiro que vive no nosso Brasil profundo. Cresci rodeado de pessoas que precisavam criar sua ginga diária para desenrolar a vida da melhor forma e quis trazer o suingue necessário pra gente ir levando a vida, driblar as adversidades com toda nossa diversidade vinda lá de cima do mapa. Colocar pra tremer!
“Wi-Fi da Floresta”: Essa é especial porque eu quis trazer a Bixarte, uma poetisa muito potente que se conecta com suas naturezas mais profundas e que traz esse presente que é falar sobre movimento para encontrar conexão. Eu considero essa faixa um presente!
“Sabiá”: Sempre vejo a figura do sabiá em vários lugares, ela me acompanha e se torna uma espécie de proteção. Por onde quer que eu esteja, sempre me deparo com um. De alguma forma, eu quis, nessa faixa, surgir pra ele e fazer esse movimento contrário, alçar esse voo, trazer um pouco de mim pra perto dele, afinal, São Paulo é essa selva que faz a gente imaginar muita liberdade, mas que te prende de muitas formas. Essa música é para entender que mesmo voando é necessário manter os pés firmes no chão.
“De cima do mapa”: O refrão surgiu quando eu voltava de um banho de rio. Aconteceu uma espécie de observação e, quando eu olhei para o horizonte, o sol beijava o rio, minha mão beijava o rio e o rio havia ali me dado um recado: “Tudo está conectado”. Independente das proporções, eu acredito nessa lei hermética da correspondência que diz: “O que está em cima é como o que está embaixo e o que está embaixo é como o que está em cima”.
“Traficante do amor”: A música e o verbo tem esses pontos em comum: de sair “da boca”. Eu venho há algum tempo endolando esse produto verdinho da Amazônia e montando a venda do meu produto lá de cima do mapa. Essa música é esse apanhado de sensações, de sentimentos que por muita sorte eu recebi sendo do norte, de Belém, da terra de gente acolhedora, do sentimento próspero e, especialmente, do sangue quente, que carrega a magia e a senha do amor. Meu coração é brega e marca no passo exatamente dessa banquinha, dessa modalidade de amor e de tráfico: pra gringo é mais caro! (risos).
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