Entre o que foi e o que virá, Supervão lança clipe de “Depois do Fim do Mundo”

24/07/2020

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Divulgação

24/07/2020

Há séculos antes e depois de Cristo, povos e mais povos, em algum momento, já meditaram sobre o fim do mundo. Nas eras digitais, o calendário Maia foi revisitado causando furor na década passada, “Terceiras Guerras Mundiais” são construídas em hashtags, e não faltam memes em todas as redes convocando asteróides para acabarem com o mundo de uma vez. No lançamento exclusivo que solta agora em parceria com a NOIZE, a banda Supervão se permite ir além e pensar no que vem “Depois do Fim do Mundo”, em um clipe que, de forma intuitiva, acabou documentando um mundo que experimenta um fim indefinido: as aglomerações de festas da cena eletrônica. Assista:

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A canção, lançada agora em tempos de não-normalidade exaustivamente batizado de “novo normal”, não nasceu exatamente de uma reflexão sobre o isolamento social, mas é totalmente atravessada por essa experiência e ganha novos sentidos. Os registros das festas do cenário underground eletrônico de Porto Alegre foram captadas pela artista Natasha Valenzuela – que também produz o clipe ao lado da Image Fiction – ainda ao final de 2019, sem nenhuma previsão de pandemia global afastando corpos dançantes das pistas. Mário Arruda, integrante da Supervão ao lado de Leonardo Serafini e Ricardo Giacomoni, é o autor da composição e explica que começou a escrevê-la depois da edição do Morrostock de 2019, enquanto a produção sonora iniciou-se depois da SIM São Paulo do mesmo ano, inspirado por outros fins que se experienciavam em nosso país.

Batemos um papo sucinto porém instigante com Natasha e Mário sobre os sentidos que o lançamento inspira em tempos Coronavírus, ruídos estéticos, estados corporais alterados, novos caminhos sonoros e outras brisas que você não deve deixar de ler. Desce e confere!

Natasha, qual era o objetivo dos registros enquanto você os fazia e que tom eles ganham agora, em plena pandemia, onde se torna inviável uma experiência como uma festa?
Natasha:
Na época, os registros falavam muito sobre a contemporaneidade da cena. Como a captação de vídeo requer alguns esforços a mais devido às condições dos roles, condições de iluminação e equipamento, não é algo que a maioria das festas têm com frequência. Quando eu comecei a fotografar, já sentia vontade de captar e registrar em vídeo, o que era inviável sem uma boa câmera digital. Acho que isso casou, na época, com o retorno das handycams. E nisso eu percebi a vhs como um caminho acessível de conseguir produzir vídeo. Nesse contexto, eu enxergo a filmagem vhs muito próxima a fotografia analógica, onde ambas esteticamente complementam e traduzem nos retratos a energia da cena eletrônica. Isso porque essas tecnologias analógicas trazem nos ruídos uma espécie de precariedade que descreve um pouco de como é tentar produzir arte no Brasil e nesses tempos. A cena eletrônica é formada e fomentada por muitos artistas independentes e emergentes, nós muitas vezes trabalhamos com pouco ou zero recursos, e muitas festas são levantadas também nessa energia. É natural que esses ambientes também remetam às ruínas urbanas, o que não é um incômodo mas um resultado, e, consequentemente uma estética. Acho que os ruídos analógicos retratam de forma verdadeira as ruínas dos espaços e a consequência de se fazer muito com pouco, que é o caso da maioria de artistas que compõe esse microorganismo. E quando eu digo que na minha visão os retratos daquela época trazem um pouco de contemporaneidade, é porque a facilidade desse recurso analógico somado a uma estética que traduz visualmente os pilares de construção dos espaços, possibilitou que várias festas fossem gravadas, e até dá pra dizer documentadas, numa espécie de nostalgia do agora. Desde o início da quarentena eu comecei no processo de revisitação desse material, o que foi intensificado com a proposta do clipe. Encontrei muitas cenas e momentos que estavam ali, perdidos no tempo, no PC, e abrindo esses registros durante a pandemia, era nítido que eles tinham um significado totalmente diferente ao de antes, principalmente sobre o sentimento de nostalgia. Esse sentimento não era mais sobre um período contemporâneo, por mais que fosse só alguns meses atrás, esse período era passado, e o normal era o isolamento agora. E essa foi a nostalgia que tentei incorporar no clipe, a lembrança daquele passado tão próximo, de contatos físicos, e tão distante pra gente agora, que a esperança que fica é que depois do fim do mundo a gente consiga reproduzir aquelas cenas de novo. 

Mário, e como, liricamente, essa música dialoga com essa experiência? 
Mário: O plano pré-covid era gravar um disco ao vivo, todo mundo tocando junto ao mesmo tempo, sentindo a vibe da aglô. Foi a pandemia que isolou cada um no seu canto, fez refletir em seu teto, enfrentando a si mesmo. Mas fiz a letra de “Depois do Fim do Mundo” no final de 2019. Parece que já sentia algo no ar do Brasil, que já era sufocante mesmo sem vírus, devido à praga alastrada tanto dos microfascismos quanto do fascismo “democraticamente” eleito. O clima de fake news que dobrou o país, o fim da década, o orgulho pela violência e o desprezo ao diferente que hoje caracterizam o Brasil foi produzindo também em mim uma espécie de niilismo. A pandemia foi só a cereja do ovo da serpente pela qual os suicidários do poder esperavam… Da minha party, posso dizer que tudo isso me provocou uma grande mudança. Mudou o que eu acreditava e o modo como passei a lidar com a treta toda. Antes, tentava evitar ser tomado pela minha própria indignação diante do que vinha acontecendo no país. Pra isso, me isolava em auto-alienação, evitando noticiários ou afins… uma notícia de jornal já me fazia desmoronar. Mas aí resolvi me entregar pro desmoronamento em uma perspectiva trágica. Afirmar o problema jogando ele de volta pro mundo. Deixar o problema sangrar ao invés de me isolar ou me auto-alienar. Hoje, acredito mais numa estética musical de sangria social do Brasil… Fazer os problemas virem à tona, afirmá-los, mostrar o acontecimento que vem terminando com o mundo através de um acontecimento estético… Isso porque o fim do mundo já está anunciado, muitos pensadores, cientistas, artistas, pessoas de todo tipo já conseguem ver. Se a pergunta é ‘Há Mundo por Vir?”, como colocam intelectuais como Viveiros de Castro e Débora Danowski, pra mim, a resposta é não e sim ao mesmo tempo. O mundo está acabando, o Brasil está se suicidando – quando sai às ruas sem máscaras ou quando propaga as notícias falsas que elegem os representantes que o destrói. Então, talvez, sim um mundo tenha que acabar, o mundo que vem se construindo através do ódio e do ressentimento. Mas, talvez depois do fim desse mundo, exista algum mundo por vir. O fato é que o mundo já acabou pra muitos e muitas – mais do que isso, talvez alguns mundos nunca tenham se fortificado o suficiente pra que uma grande parcela da população tenha como sobreviver minimamente com dignidade e alegria. 

A Supervão sempre flertou com uma estética eletrônica, tanto graficamente quanto sonoramente, mas “Depois do Fim do Mundo” é um single que entra de cabeça nesse gênero. Como essa vontade de incorporar mais timbres eletrônicos no som da banda rolou? É mais dessa pesquisa que vamos poder ouvir no disco?
Mário: Uma vez nosso interesse era produzir uma música psicodélica para dançar. Pesquisando sobre psicodelia, chega uma hora que se percebe que na música isso se relaciona com um som que provoca estados alterados de consciência. Então, a ideia seria alterar consciência e produzir movimento corporal… Mas ainda seguíamos uma certa sonoridade psicodélica que mais imita/representa sons psicodélicos de outras épocas do que busca os sons que alteram a consciência hoje. Usar phaser, reverb e delay podia explodir consciências em 1970, mas talvez não funcione para produção de sons que alteram estados de consciência hoje… por essa via de teto que passamos a buscar outro território de timbres. Acho que a cena eletrônica brasileira se ligou nisso já há algum tempo. Mas não é nem só sobre música… hoje a disputa política se dá muito em torno das liberdades e dos valores corporais. As questões de gênero e etnia são hoje muito relevantes no país. Desse contexto, acredito que tenha vindo essa vontade da cena brasileira de produzir músicas sobre e para os corpos. É incrível a potência da Elza Soares ou do Baco Exu do Blues de descreverem e empoderar os corpos através das letras e de seus próprios corpos. Em outro eixo, a cena eletrônica brasileira parece estar se expandindo por ter se ligado em fazer uma música para os corpos, pra produzir outras sensações e sensibilidades corporais – acho que isso seria algo como uma dermodelia, exodelia ou corpodelia: música para provocar estados alterados corporais. Diante disso tudo, a cena eletrônica tem me pilhado demais. o. O som é intenso, alto, sensorial, repetitivo… é tudo pra acontecer o transe. E o transe é um estado alterado de consciência e corporal ao mesmo tempo. No fim é isso… uma busca por uma sonoridade em que corpo e mente possam mergulhar e se dissociarem juntos e separados ao mesmo tempo.

Ouça “Depois do Fim do Mundo” também nas plataformas digitais. A banda organiza hoje, dia 24/07, o evento virtual e gratuito BOT#2 – DEPOIS DO FIM DO MUNDO, que rola a partir das 20h. Para acessar o link do evento e mais informações detalhadas, confira aqui.

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24/07/2020

Brenda Vidal

Brenda Vidal