Entrevista | Ana Tijoux, dos guetos para a América Latina

12/09/2014

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Paula Moizes

Por: Paula Moizes

Fotos: Reprodução

12/09/2014

Armadas com um microfone na mão e uma mensagem para comunicar, elas conquistaram seu lugar em um mercado majoritariamente masculino em que as rappers que mais aparecem na grande mídia são aquelas que reforçam a objetificação do feminino. Contra a corrente, estão mulheres como a franco-chilena Ana Tijoux. Domingo, dia 14/09, às 18h, ela estará no Brasil para uma apresentação gratuita no Centro Cultural da Juventude, em São Paulo, durante a programação do Mês da Cultura Independente.

“Hoje existe um mercado mais mainstream, no sentido em que há mercado mais para um tipo de cantora. Nos Estados Unidos, por exemplo, o que aparece na TV e na imprensa é um tipo de rap onde quase todas as músicas são similares, tem muita mulher e ela aparece como um objeto. Até a mulher que canta acaba aparecendo como um objeto. Então, há um mercado mundial, mas para esse tipo de rap feminino”, conta Tijoux.

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Filha de exilados da ditadura de Augusto Pinochet, Tijoux teve uma educação muito crítica em relação às coisas que estavam à sua volta. Nos gloriosos anos 90 do hip hop, ela começou sua trajetória como rapper no grupo Makiza. As letras de forte conteúdo político geraram diversas controvérsias no Chile. Uma dessas foi com os versos de “En Paro” que atacam pessoas que colaboraram com o rígido governo de Pinochet.

Tijoux foi conhecer a cena underground da França, seu país de nascença, durante o hiato do Makiza entre os anos de 2000 e 2004. Na volta, lançou mais dois discos com o grupo antes de terminarem definitivamente. “Ya No Fue” foi o primeiro single da carreira solo de Tijoux.

Rap político e América Latina

Foi na segunda metade dos anos 80, início dos ano 90, que o rap político atingiu seu auge nos Estados Unidos com grupos como o Public Enemy e Niggers with Attitude. O último dos moicanos, provavelmente, foi Tupac, que saiu dos guetos e atingiu o mainstream, onde o protesto político aparece menos. O que você vê hoje na televisão é o gansta rap, que exalta o material e o luxo. Pegando carona na globalização, foi na América Latina que o rap político encontrou lugar para se expandir novamente. Desde muitos anos à sombra norte-americana, uma das fortes características do hip hop latino é justamente o fortalecimento da cultura local pelas periferias.

Ana Tijoux é uma das grandes representantes atuais do rap latino-americano, conhecido por sua força, ginga e críticas aos governos. Em matéria de sonoridade, seu último e quarto disco, Vengo (2014), está recheado de cores latinas. “A beleza da música latino-americano está na mistura de condimentos, são muitos sabores musicais. Nossa música é muito rica. Há muitos sabores distintos para o paladar. Tem alguns mais picantes, outros mais amargos, alguns mais ardentes ainda”, comenta a rapper.

Feminismo

Por mais que os homens que continuem ser a grande maioria no rap, o número de mulheres que nos metralham com palavras cresce. “Não só no Chile, como na América Latina em geral. Há uma nova geração com menos medos”, fala Tijoux que, através de suas letras e sua postura no palco, consolida a mulher independente e forte.

“Quem tem uma postura machista frente ao mundo também tem uma postura capitalista. Não há nada mais capitalista que o machismo e a ideia da mulher submissa, da mulher calada, da mulher objeto. E eu conheço mulheres machistas e homens feministas, então acredito que a emancipação da mulher é uma luta da nossa sociedade por nossas filhas, nossas mães, nossas irmãs, nossas amigas”.

Gueto e arte

Assim como o rock e o blues, o rap e Ana Tijoux também vieram das periferias e guetos famintos por oportunidades. Para a cantora, “quase todas as correntes contra-culturais da música foram inventadas no gueto. O mercado usurpa a cultura dos guetos”. É da falta de atenção do governo com os problemas das comunidades marginais que nasce a força e vontade para cantar e criticar. Daí, surgem expressões artísticas que batem de frente com o que você vê na TV. “Eu não consigo fazer uma arte que não seja transgressora. Também porque todos os músicos que tocaram a minha alma são artistas transgressores também”, completa Ana Tijoux.

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12/09/2014

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