Entrevista | “As máscaras são itens mágicos”, enuncia o multiartista Alma Negrot

16/10/2020

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Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Adriano Damas/Divulgação

16/10/2020

A face enquanto plataforma, a maquiagem enquanto portal. O maquiador, performer e diretor criativo Alma Negrot constrói uma trajetória orientada pela inovação que resulta em concepções criativas de tirar o fôlego. Inspirado naquilo que só as máscaras são capazes de revelar, sua visão tensiona os limites entre rosto e tela, fazendo de peles seus painéis. O artista brasileiro coleciona trabalhos no mundo da moda, da arte e da música. Ele é um os responsáveis pelo roteiro do clipe “Flerte Revival” de Letrux e também da direção de arte da capa de Ambulante (2018) de Karol Conká, eleita a melhor capa de discos daquele ano pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).

Mediante ao cancelamento da visitação presencial à exposição itinerante Björk Digital, que aconteceria nos Centros de Cultura do Banco do Brasil, uma programação online foi desenvolvida para conectar o público aos artistas nacionais e internacionais que dialogam ou colaboram com a artista islandesa. Contamos detalhes da programação de lives #CCBBEMCASA: Imersão, Arte e Musica aqui. Mas, não custa reforçar que ela acontece nos dias 17 e 18 outubro, das 18h às 22h, no canal oficial da Cinnamon Comunicação na Twitch. No primeiro dia, Alma participa de uma conversa ao lado de James Merry, diretor criativo de Björk.

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Ontem, publicamos uma entrevista com outra atração, o artista Andrew Thomas Huang (leia aqui). Abaixo, confira o papo exclusivo que batemos com Alma Negrot sobre sua relação com a obra de Björk, filtros de Instagram e brisas sobre máscaras dentro e fora do contexto pandêmico. Desça e leia!

Karol Conká com beleza de Alma Negrot (Foto: Carlos Salles/Reprodução)

Qual sua relação com a obra sonora e estética de Björk e o que significa para você realizar um bate-papo com James Merry, diretor criativo da artista?
Descobri Björk na minha pré-adolescência com o disco Medulla (2004). Se os visuais soavam incomuns, a sonoridade mais ainda. Até então, meu referencial de artista era Madonna, corajosa e provocativa, uma dominatrix quase intocável. Quando Bjork chegou pra mim, um mundo novo se abriu: ela permeia o pop sendo uma anti-diva e toda sua irreverência e audácia também se apoiam no uso de devires e transmutações, só que pós-humanas e ainda mais híbridas. Me encantei com sua capacidade de dar sentimento e humanidade de maneira tão crua e visceral… admiro essa capacidade de se doar tanto porque em suas ficções nada é mentira.
Ouvi um disco de cada vez, de modo que eles abriram campos de percepção para criação do meu trabalho gradualmente; a delicadeza sombria e sensual de Vespertine (2001), o devir animalesco e cyborg de Homogenic (1997) , a pluralidade multicultural e folclórica de Volta (2007) , a genialidade racional e poética sobre os elementos da natureza em Biophilia (2011)… tudo se tornou combustível e até uma base pra muito daquilo que acredito.
Ouvir Björk me traz um conforto de voltar pra casa que é estar sempre viajando. Passei pela ilustração, pela escultura, costura, maquiagem, dança… Hoje meu trabalho também se apoia quase que totalmente na ideia de devires fantásticos que se desdobram a partir da performance, na manufatura do corpo, na construção de imagem. Estar em contato com James é incrível, primeiro porque amo seu trabalho e admiro muito sua sensibilidade junto aos projetos da Björk. Essa parceria fez parte da minha vida de forma tão profunda que é impossível dissociá-la de mim. E, claro, também porque acho que conexões entre artistas com tanto em comum em lugares tão diferentes poderiam gerar ideias bem promissoras!

Seu processo criativo foi impactado por esse “modo pandemia Covid-19” que tomou conta do mundo? Se sim, como?
O maior baque em relação a nós artistas independentes foi a falta de estrutura que nossa sociedade tem para cidadãos como nós: não temos suporte algum. Me vi encurralado pela obrigação de criar para sobreviver e não ter os meios. Precisei respirar e entender o presente pra aliviar essa projeção sobre o futuro. O futuro não existe, eu só posso aproveitar o agora. Precisei reorganizar minhas urgências de produção para deixar o que há de mais genuíno fluir… e fluiu muito bem! Produzi alguns dos meus trabalhos que mais me orgulho durante esse período de reclusão. A obrigação de que você precisa estar produzindo e sendo útil  para o sistema todos os dias é o biopoder, forças que agem sob nossos corpos e mentes nos mecanizando e tirando nossa vida. O tempo atual é de reflexão se vale continuar alimentando o desejo por esse modo de vida, inclusive através da arte.

O performer, maquiador e diretor criativo Alma Negrot (Foto: Carlos Salles/Reprodução)

Na live que você fará ao lado de Merry, o amor de vocês por máscaras será um dos eixos. Óbvio que as máscaras que vemos nas ruas – por conta das práticas de proteção e redução de danos de contaminação pelo novo Coronavírus – têm finalidades, anatomias e estéticas radicalmente diferentes daquelas que inspiram seus trabalhos. Entretanto, você acredita que os mundos das artes e da moda passarão “ilesos” pela adesão às máscaras no dia a dia? Como você acha que esse uso rotineiro em escala global pode influenciar nesses campos?
As máscaras são itens mágicos. Elas não escondem, mas revelam. É aquela história das ficções, das performances que contêm verdade… nada é de mentira quando te eleva pra aquilo que te potencializa. Já, o uso das máscaras de proteção vem com o peso da obrigatoriedade, aquela lembrança constante do perigo, não tem magia no seu uso e isso é o que as tornam desconfortáveis. Seu uso também sugere um controle de conduta que é de distanciamento pra quem está próximo e acho que isso implica também diretamente nas relações. A arte sendo reflexo da vida, foi um dos campos que mais se afetou já desde o início desses acontecimentos.

Maria Beraldo com estética por Alma Negrot (Foto: Jonathan Wolpert/ Reprodução)

Essa experiência de relações humanas mediadas pela virtualidade e o digital está mexendo com suas investigações estéticas, materiais e elementos experimentados, e até mesmo a relação criativa com o rosto humano, sua plataforma de trabalho?
Se por um lado estamos vivenciando o ápice do controle e mapeamento compulsório através dessas inteligências, por outro estamos construindo possibilidades outras de vida através da realidade virtual. Não é físico, mas se instiga emoção, pra mim existe. Precisamos acabar com o binarismo  cidade funcional x natureza ornamental, tecnologia insensível x  humanidade, e buscar uma compreensão mais sensível sobre o espaço que ocupamos e os dispositivos que produzimos.

Você curte filtros de Instagram? Qual sua relação com eles e por que você acha que piramos tanto com essa ferramenta?
Os filtros são uma nova forma de realidade virtual, eles te elevam pra alguma sensação de devir que, muitas vezes, vai depender da sua vivência para experienciá-lo. Se pudesse, traria vários filtros pro mundo físico e ficaria trocando de face também.

Mariana Degani em trabalho com direção criativa por Alma Negrot (Foto: Carlos Salles/Reprodução)


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16/10/2020

Brenda Vidal

Brenda Vidal