Catavento e Jagunço são dois nomes instigantes surgidos e ainda baseados em um lugar muito particular: a serra gaúcha. Psicodelia, experimentos inorgânicos, lo-fi beats, trip hop, e produção independente caseira não são as primeiras coisas que vêm na cabeça ao pensar nessa região do estado.
A Catavento existe desde 2011 e é uma banda com origem na cidade de Caxias do Sul que, apesar de não ser na região metropolitana, possui destaque no estado e um certo protagonismo na serra. É de lá que os integrantes Léo Sandi, Lucas Bustince, Léo Lucena, João Gôsto, Chico Algo e Jonas Bustince iniciaram a pesquisa sonora da banda – marcada pela fusão de neo soul, timbragens sintéticas, rock/pop psicodélico e notas de jazz – e chamaram a atenção de portais voltados à música independente. Com o elogiado Ansiedade Na Cidade (2018), eles firmaram seu lugar na cena nacional e ocuparam palcos de festivais importantes, como o Lollapalooza.
Já Jagunço faz do seu quarto seu espaço de criação numa cidade pequena da serra: São Marcos, município fundado há apenas 57 anos e que, de acordo com o censo IBGE de 2010, possui 20.105 habitantes. Rafael Grison é quem dá vida ao projeto, e desenvolve um som com influências nada bucólicas.
Ambos os artistas fazem parte do selo Honey Bomb, que fica em Caxias do Sul. Na semana passada, você pôde conferir com exclusividade a estreia do single “Saber Demais” lançado por Jagunço. Foi no final de setembro também que a Catavento lançou seu single inédito “Quebra Alma”. Pensando nessas produções contemporâneas vindas da mesma região, a NOIZE convidou Jagunço e a Catavento, aqui representada por Léo Lucena, para uma conversa sobre se descobrir artista nessa região, suas pesquisas sonoras e líricas e sobre a quarentena. Ah, eles também se trocaram perguntas! Jagunço fez duas perguntas para Catavento, que respondeu e devolveu mais duas perguntas para Jagunço fechar. Rola para baixo e confira o papo.
Partindo do território: como é se descobrir artista/músico em uma cidade da serra gaúcha? Como essa região e essa cultura impactam nesse processos?
Jagunço: No meu ponto de vista, se torna um processo muito mais íntimo e pessoal pois moro numa cidade pequena. Existem barreiras culturais que acabam dificultando todo o processo, mas existe esse lado mais reservado da serra que pode nos trazer uma influência no som, uma espécie de atmosfera. Acredito que sou otimista nessa questão geográfica, apesar das diversas dificuldades.
Catavento: Geograficamente, não é o pior lugar para se estar com seu projeto, visto que está bem perto da capital do estado, é fácil de chegar. Tem como criar uma micro cena, um micro público e funciona bem como uma rota de turnê pra quem vem de fora (ou pelo menos funcionava quando isso ainda era possível). Mas em termos culturais e financeiros é bem complicado pois, num geral, o povo da região não entende muito bem o que a gente faz e são bem conservadores.
Tanto Catavento quanto Jagunço lançaram singles agora no mês de setembro, em tempos pandêmicos onde muita gente segue em quarentena em casa. Vocês ainda seguem em quarentena? Como isso tá afetando vocês no quesito de processo criativo, produção e distribuição do som de vocês?
Jagunço: A pandemia influenciou diretamente no processo criativo. Apesar de estar trabalhando fora de casa desde o começo da pandemia, muito desse próximo EP foi gravado durante o começo desse período onde tudo estava muito mais rígido e controlado. Como o projeto é apenas eu, é muito tentador criar nessa situação toda, são tempos bons para colocar as coisas para fora. Acredito que na parte da distribuição foi focado muito mais online, a distribuição digital favorece muito o alcance do artista ainda mais nessa pandemia onde todos nós estamos cada vez mais dentro de nossas máquinas.
Catavento: Sim. Nós da Catavento seguimos cada um em sua casa sempre que possível, produzindo e fazendo chamadas na plataforma Discord. Em alguns momentos, como a gravação do clipe de “Quebra Alma” por exemplo, encontros se fazem necessários. Estando em quarentena, temos mais tempo também para trabalhar nos outros estágios dos lançamentos, pois fazemos quase tudo nós mesmos. Tem sido bom para aprender novas técnicas de produção/gravação caseiras que facilitam e fazem fluir melhor os processos das músicas mesmo não nos encontrando presencialmente.
Com o que vocês andam experimentando sonoramente? O que já apareceu nos novos singles e que pode continuar guiando os próximos trabalhos de vocês? E, liricamente, nós estamos em um momento em que as pautas identitárias como raça, gênero, sexualidade, territorialidade, estão sendo cada vez mas amplificadas e discutidas. Enquanto músicos homens cis brancos, que historicamente possuem destaque na indústria musical, o que vocês tem a dizer em suas canções, que temáticas tão inspirando vocês?
Jagunço: Ultimamente eu tenho ouvido muito Mahmundi e Jovem Dionísio, os dois acabaram me influenciando e me inspirando bastante. Daniel Caesar também me tocou muito de um ano pra cá e acabou moldando alguns caminhos onde eu queria chegar. Acredito que as canções e letras que falam de sentimentos universais me tocam bastante, é geralmente onde me sinto confortável em falar e dar o meu ponto de vista. O lindo da música é isso, é dar espaço para todos espalharem o que tem para dizer e conseguirem se entender e se inspirar, cada um do seu jeito.
Catavento: Sonoramente falando, seguimos num caminho semelhante ao que fomos no Ansiedade na Cidade (2018), só que agora tentando dar uma limpada extra. Nas letras, também acredito que seguimos numa ideia similar ao nosso último disco. Em “Quebra Alma” queremos falar pra cada pessoa tentar se ver como uma coisa única e, por isso, incrível e poderosa. Que sua essência mais pura é inquebrável e ali é onde vivem suas maiores forças.
De: Jagunço
Para: Catavento
Como uma banda com tantas pessoas consegue absorver a identidade de cada integrante e transparecer no som? Como funciona esse processo com um grupo grande de pessoas?
Cada integrante toca um elemento diferente que a gente acredita serem fundamentais pro tipo de som que a gente quer fazer e tocar como grupo, só isso já dá um tempero de cada um. Mas nem sempre esse processo é fácil assim. Muitas vezes um imagina uma coisa pra música enquanto o outro imagina outra um pouco ou bem diferente. Daí, pra resolver, é na troca de ideia com atenção e respeito enquanto grupo. Com paciência pra escolher o que é melhor pra cada momento. Falando por mim, gosto bastante de trabalhar com feedbacks e opiniões diversas. Acredito que é um movimento que enriquece os projetos.
Quais artistas nacionais e internacionais tocam no teu fone ultimamente?
MC Dricka, MC Igu, Pluma, agito apático, Liv.e, Adé Hakim, Matt Martians e knxwledge.
De: Catavento
Para: Jagunço
Qual o ponto mais longe que o Jagunço quer chegar? Qual seria o seu ápice?
Eu não sonho muito alto, me sinto confortável com as minhas conquistas e sou meio “realista”. Já me surpreendi bastante e não sei aonde eu iria chegar, mas o reconhecimento da galera que se interessa na cena ja é muito gratificante.
Cite 3 artistas/projetos que inspiraram o último single?
Mahmundi, Dua Lipa e Joji.