Entrevista | De Reis para o Rei: Nando lança disco com repertório de Roberto Carlos

19/04/2019

Powered by WP Bannerize

Brenda Vidal

Por: Brenda Vidal

Fotos: Jorge Bispo/Divulgação

19/04/2019

De tão presente nos momentos íntimos e entre os laços de afeto da família Reis, Roberto Carlos já é quase um membro. Antes de embalar um final de semana em Jaú, em São Paulo, ao lado da esposa, a obra de Roberto Carlos foi trilha sonora da união de Nando e Vânia, o Rei já era ídolo de sua mãe e companheiro fiel da sua vó- que até transcreveu várias das canções de Roberto em um caderninho que Nando guarda até hoje.

De tanto amor e encantamento, Nando Reis decidiu transformar a admiração por Roberto Carlos em gravação e, hoje, no aniversário de 78 anos do Rei, ele lança o disco Não Sou Nenhum Roberto, Mas Às Vezes Chego Perto, todo feito a partir do repertório de RC. Nando pode até não ser nenhum Roberto, mas entre Rei e Reis, eles se entendem bem.

*

No papo a seguir, Nando conversou com a NOIZE sobre a escolha do repertório, a produção do disco e a obra de Roberto Carlos. Leia agora:

Como se desenrolou o processo da escolha do repertório? Por que partir do trabalho de Roberto da década de 70?

Os critérios fundamentais são a beleza das músicas e a possibilidade de identificação na qual eu pudesse interpretá-las. Porque, pensando só na beleza das músicas, poderíamos juntar 50, 100 músicas. E, evidentemente, algumas delas já eram, antes mesmo de eu começar o processo, músicas muito importantes na minha vida, que eram da minha predileção e que, inclusive, eu já tocava, como era o caso de “Vivendo por Viver” e “Nosso Amor”. Eu, de alguma maneira, me concentrei a partir de 1970 porque eu não tenho muita identificação com a [fase da] Jovem Guarda. Acho que a grande fase como compositores de Roberto e Erasmo [Carlos] juntos e também de interpretação de Roberto é a partir dos anos 70 mesmo, que foi da onde eu tirei a maioria das músicas. Fui ouvir outras também porque eu não queria que o disco soasse como que desmerecendo a trajetória inteira dele e especialmente que fosse além dos anos 70, mas que é óbvio que esse foi um período de ouro de sua produção. Procurei e cheguei até uma fase onde eu acho que a produção dos seus discos, especialmente num viés timbristíco, que é uma coisa que você só consegue perceber ao longo da passagem dos anos, nos anos 90. Foi um processo longa seleção, demorado, passamos por 30, 40 faixas, até chegar nessas 12.  

Ainda sobre a escolha das canções, “Detalhes” e “De Tanto Amor” foram barradas por Roberto Carlos. Qual foi a justificativa do Rei pra essa decisão e por que ele voltou atrás e acabou liberando “De Tanto Amor”?

[Risos] A justificativa para “Detalhes”? Eu acho que não precisa… eu acho que essa música é um tesouro do seu repertório do qual ele deve ter uma atitude protecionista. Eu, inclusive, passei a achar admirável e a partir desse momento falei “ninguém nunca mais vai regravar “O Segundo Sol” e “Relicário”. Pode escrever isso porque assim ninguém corre o risco de gravar e pedir autorização [Risos]. “De Tanto Amor” eu pedi para o Roberto reconsiderar porque, dentro daquilo que eu imaginava para o equilíbrio do repertório, ele era uma música muito importante. E ele, gentilmente, reconsiderou, mas com espanto.  Eu o encontrei depois pessoalmente, fui a um show, e ele perguntou “Mas por quê? Essa música é muito triste”. Eu falei: “Ela é muito bela e uma música muito importante pra história do meu casamento.” E ele, “Mas como assim é a música do seu casamento?”. E eu respondi: “Não, não é a música que eu entrei na cerimônia de casamento, é a música da minha história com a minha mulher, pela beleza dela”. E enfim, ele reconsiderou porque essa música, de fato, faria muita falta.

E será que “O Segundo Sol” também cabe reconsideração sua?

Depende… aí precisa me convencer [risos].

Na produção, você contou com Pupillo e, na direção artística, Marcus Preto. Como se deu esse processo de construção de arranjos e estética sonora do álbum?

Foi um trabalho delicioso, muito harmônico, fácil, agradável, prazeroso. O Marcus eu já conhecia melhor, conhecia antes como jornalista e sabia que ele vinha produzindo discos fazendo a direção artística, mas, quando trabalhamos juntos no projeto, percebi o quanto conhecedor e sensível ele é. Ele serviu como um grande interlocutor e como uma presença importante, embora ele não seja um músico como o Pupillo. Pupillo é um produto, e, posso falar? Fiquei fã dele. Eu já era fã dele como baterista, tinha pouco contato mas já tinha uma grande simpatia por ele, mas no estúdio ele conduziu com maestria. Além de ser um exímio baterista. Eu tinha muitas ideias, na fase de pré-produção na casa do Pupillo, começamos a construir a base, a sustentação, vamos dizer assim, dos arranjos que começou com as minhas ideias e direções pra cada música. Quase todas elas se confirmaram acertadas, e, a partir disso, fizemos a levada, depois o baixo, e assim consequentemente, em camadas. Não foi assim a produção, mas sim a pré-produção. As músicas que eu ainda não tinha clareza ou que aquilo que eu sugeri não funcionou, o Pupillo foi muito importante com suas ideias e sugestões, houve um entendimento espetacular entre a gente. A minha noção é de que a força do disco estaria no conjunto, entendeu?

Em algumas faixas, como “Amada Amante”, o arranjo original permaneceu; já em outras, como “Me Conte a Sua História”, recebeu uma nova roupagem. Qual foi o termômetro pra vocês decidir quando a canção pedia uma nova arranjo e quando não?

Essa é uma coisa difícil de dizer exatamente, é um pouco da junção da percepção, da sensação e da realização. Eu nunca quis ter um disco que fosse uma pura desconstrução ou um puro conceito de já partir do princípio de que eu precisava ir contra o seu arranjo original. Acho que a “Amada Amante”, embora seja próxima, não é exatamente o mesmo arranjo, ela é mais lenta, mas de alguma maneira ela é uma balada rock, sei lá qual o nome que se dá a isso, que ficou mais próxima do seu arranjo original do que “Guerra dos Meninos”, do que é “Nossa Senhora”, que  são músicas que foram muito transformadas porque eu sempre quis a ênfase especialmente na melodia.

Ao longo da sua carreira, você ficou muito conhecido como compositor. Agora, como é ser  intérprete? Em que medida a interpretação também é criação?

Foi um super desafio interpretar músicas que foram gravadas originalmente por Roberto Carlos, é quase que uma pretensão. Tanto que isso tá insinuado no [nome do] disco. Para dar certo, era preciso que eu cantasse como eu canto as minhas próprias canções, ou seja, era preciso muito controle do sentido e do significado delas, e foi o que aconteceu. Acho que há, se você traçar uma relação entre meu trabalho e o do Roberto, você vai sentir semelhanças e convergências que são afinidades que, obviamente, não só facilitaram, como foram fundamentais, são as razões de eu querer fazer esse disco. Para que se possa interpretar uma música, é fundamental não só intimidade, conhecimento, ou identificação com o sentido de sua letra, mas que haja um arranjo com uma legitimidade. Afinal de contas, nunca eu fui nem só um compositor, nem só um cantor. Todos os trabalhos que eu fiz até hoje, de alguma maneira, eu estava diretamente envolvido  com o seu arranjo, com a sonoridade. É disso que eu gosto de fazer e é onde eu crio as condições para que tanto a minha composição quanto a minha voz se projetem de uma maneira aonde elas expressem o sentido. E nesse caso a escolha não só das músicas como de fazer o próprio disco. Então, de alguma maneira, dá pra dizer que eu canto essas músicas como se fossem minhas. Que é o que eu imagino que todo mundo tente fazer.

Além da audácia que parece ser gravar um disco com as músicas do Roberto, qual o maior desafio de revisitar um clássico tão importante?

Audácia é uma boa palavra. Foi um desafio, um disco audacioso, com o qual eu tô muito satisfeito com o resultado. Eu sou compositor, e várias das minhas músicas foram gravadas por outros artistas no qual fizeram versões muito distintas daquela que eu poderia imaginar que alguém iria  fazer. E todas elas, em sua grande maioria, apresentaram ângulos diferentes da canção, jogaram luz sobre elas em aspectos distintos, e ampliaram o próprio valor da composição. E de uma maneira inversa foi o que eu decidi fazer e acredito que consegui: expor diferentes possibilidades e significados que existem em uma obra de arte. Ela não é fechada para uma única interpretação, não só vocal como aquilo que você percebe a partir do seu sentido, daquilo do qual ela trata. Eu fiz isso e creio ter feito de uma maneira aonde, embora o disco não tenha nenhuma música minha, é legitimamente meu. Me sinto tão identificado como qualquer outro disco que fiz, até mais que alguns. Além do que é muito mais fácil você cantar uma música boa com uma melodia bem resolvida. Então, essas canções que eu escolhi, eu acho que elas tem esse grau de resolução.

Há uma certa distância da juventude de agora com a obra de Roberto Carlos. Você percebe essa distância? O que pensa sobre isso?

Eu entendo o que você está dizendo e reconheço. E fico feliz de que, de alguma maneira, eu possa ser uma ponte para que a nova geração que talvez não conheça a obra do Roberto, que estão perdendo o conhecimento de uma obra magnífica, mas não é exatamente esse o meu propósito. Mas acredito que isso também possa ter acontecido e se o fizer eu vou ficar muito feliz. Sorte de quem, através do meu disco, vai estar podendo ver as coisas estupendas dele. E vamos lembrar: são discos fundamentais de quem aprecia música independente do gênero e independente da idade, e, principalmente, pra quem quer entender o que se passa na história da música brasileira.

Ter revistado a obra de Roberto Carlos renovou a sua escuta? Como é ouvir Roberto depois de ter gravado o disco?

Sem dúvida! Essa imersão no Roberto Carlos me deu uma outra perspectiva e que só aumentou a minha admiração em todos os aspectos, como compositor, como intérprete, como artista, daquilo que ele escolhe, como ele conduz, como monta seus discos, os arranjos… é uma  coisa extraordinária. E, curiosamente, eu tirei todas as harmonias e fiquei muito intrigado porque vi semelhanças, especialmente, numa música minha que eu suspeitava que fosse parecida com a do Roberto Carlos, ou influenciada pelo Roberto Carlos, porque tinha um caminho harmônico muito semelhante. Agora, eu olho para o trabalho do Roberto e para ele de outra maneira, com uma iluminação maior.

Tags:, , ,

19/04/2019

Brenda Vidal

Brenda Vidal