Geoff Emerick, engenheiro de som dos Beatles, dá (literalmente) uma aula de música pop

14/06/2018

Powered by WP Bannerize

Rodrigo Laux

Por: Rodrigo Laux

Fotos: Lucas Tergolina

14/06/2018

Geoff Emerick é um dos engenheiros de som mais revolucionários da história da música. Especialmente pelo seu trabalho ao lado de George Martin nas gravações de três dos discos mais importantes dos Beatles (e de todos os tempos) – Revolver (1966), Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) e Abbey Road (1969) – ele se tornou mundialmente conhecido em uma profissão que não costuma tornar pessoas mundialmente conhecidas.

Agora, o inglês está em Porto Alegre para uma palestra nesta quinta (14), além de três dias de aula/imersão no estúdio Audio Porto entre os dias 15 e 17 de junho, nos quais será possível acompanhar o mestre produzindo um single de um artista convidado desde a microfonação, gravação, edição, até a mixagem. Os ingressos tanto para a palestra quanto para as aulas ainda estão disponíveis, e você encontra mais informações aqui.

*

Geoff Emerick (Foto: Lucas Tergolina)

Geoff começou a sua carreira aos 15 anos de idade quando ingressou na EMI Records, em Londres. Em entrevista exclusiva à NOIZE, o engenheiro de som que virou a grande referência para qualquer pessoa que tenha entrado nessa profissão depois dele afirma que a sua inspiração para começar tudo foi apenas “o amor à música e a necessidade de participar da sua criação”.

Emerick credita a sua contratação pela EMI à “sorte”, e não é por menos. Ele explicou que, quando estava prestes a terminar a vida escolar, teve uma conversa com um orientador vocacional da sua escola, a quem manifestou sua vontade de trabalhar em um estúdio. E foi aí que a sorte entrou em cena, e em três atos: 1) por acaso, menos de duas semanas depois disso, a EMI precisou de alguém e sua equipe entrou em contato com outro orientador vocacional, de uma escola ao noroeste de Londres; 2) absolutamente nenhum aluno nessa escola manifestou interesse na vaga; 3) o orientador dessa escola ligou justamente para o orientador da escola de Geoff pedindo por alguém, foi então que Geoff recebeu o que ele chama de “ligação mágica”.

Logo que assumiu o papel de assistente de engenharia de som, Geoff começou a ter contato com os Beatles no estúdio de Abbey Road. E foi especialmente a partir do álbum Revolver – quando Geoff assumiu o papel de engenheiro principal – que ele começou as suas principais inovações nos métodos de gravação. Algumas eram tão fora da caixa que George Martin optava por manter em segredo para não aborrecer os executivos da EMI, que teriam considerado muitos desses métodos “errados” e contra os manuais de “bom uso” dos seus equipamentos.

Sua ousadia e criatividade o levou a protagonizar histórias clássicas dos Beatles, como o efeito na voz de John Lennon em “Tomorrow Never Knows” com o uso de uma caixa Leslie, e o interlúdio de “Being For the Benefit of Mr. Kite”, em que Geoff picotou uma fita com sons de arquivo da EMI e colou tudo aleatoriamente de volta para criar o som psicodélico desse trecho.

Mas dentre seus grandes momentos na carreira, Geoff faz questão de relembrar aquela que é amplamente considerada a obra-prima do Sgt. Peppers: “A Day in the Life”. Ele lembra com detalhes que George Martin havia pedido à EMI uma verba para contratar uma orquestra de 90 músicos, o que foi negado ao produtor. Nesse momento ele destaca a sagacidade do baterista da banda: “Foi aí que Ringo disse: ‘Então vamos transformar 45 músicos em 90’. O que nós decidimos fazer pela primeira vez na história foi tentar rodar duas mesas de 4 canais sincronizadas”.

Outro momento especial pra ele foi a gravação de “Time of the Season” – clássico de 1968 dos Zombies – e que, segundo Geoff, “foi gravada muito rápido, em três ou quatro horas.” A faixa fez parte do álbum Odessey and Oracle, um disco que não ganhou muita atenção na época do seu lançamento, mas com o tempo se tornou fortemente cultuado no meio musical.

Perguntamos a Emerick se ele lembrava de ter trabalhado em algum outro álbum que não teve o seu devido reconhecimento quando lançado. “Você conhece uma banda chamada Split Enz?”, ele pergunta. “Eles eram da Nova Zelândia. Eu estava trabalhando na Chrysalis Records e eles contrataram essa banda. E eles eram realmente estranhos. Os cabelos deles iam até aqui [colocando as mãos uns 20cm acima da própria cabeça]. Realmente estranhos. Mas eram à frente do seu tempo. O disco se chamava Dyzrythmia (1977)” Geoff é creditado inclusive como produtor desse disco ao lado da banda, mas lamenta que a gravadora não quis investir muito dinheiro na divulgação por conta da “esquisitice” do som.

Geoff também contou que a banda com quem ele mais se divertiu trabalhando foi a America e lembra que o primeiro álbum que ele e George Martin produziram pra eles ficou pronto em apenas 12 dias, “incluindo a mixagem”, destaca. Ele ainda ressaltou que os membros da America eram “as pessoas mais legais de se trabalhar” e curiosamente acrescentou: “já os caras da Badfinger eram difíceis”.

Quando abordado sobre o cenário atual do pop, o engenheiro de som mostra que não abandonou o seu ímpeto altamente crítico. Aliás, Geoff já se queixou muitas vezes sobre como as tecnologias digitais vêm afetando negativamente a música pop e, inclusive, disse recentemente à Folha de S.Paulo que “tudo soa igual; a expressão artística morreu.”

Geoff Emerick (Foto: Lucas Tergolina)

Tendo em vista essas declarações, perguntamos se ele não acha possível explorar a criatividade em meio às tecnologias digitais dos estúdios sem necessariamente “matar” o artista. Nesse momento Geoff se mostrou mais aberto e explanou um pouco mais detalhadamente suas restrições: “Muitas vezes é [possível], sim. Eu não quero parecer anti-Pro Tools, mas há certas coisas com ele e com o sistema digital que… oferecem um som muito limpo. Com as gravações analógicas, se você analisar visualmente como música, existe um campo de profundidade. E quando o digital chegou, estava tudo em foco. Eu ficava pensando: ‘por que isso está tão nítido e claro?’ Não havia profundidade, não havia mistério no background.”

Em contrapartida às críticas, ele diz ver, sim, a possibilidade de um resultado positivo com os sistemas digitais e cita como exemplo o compositor alemão Karlheinz Stockhausen: “Eu sei que às vezes as pessoas falam comigo sobre isso porque se ofendem com o que eu digo, mas se você pegar uma música avant-garde – o que não faz muito meu tipo, pois sou mais das melodias da música pop – como Stockhausen, que é realmente… ‘uaau’ sabe, obviamente [o digital] é ótimo pra isso porque aí você pode fazer qualquer coisa”.

Geoff Emerick (Foto: Lucas Tergolina)

Ao detalhar os pontos que o incomodam na forma como os sistemas digitais de gravação estão sendo utilizados na música pop, Geoff Emerick revela que não está apegado a um sistema analógico por um viés meramente conservador. Abordar em palavras questões tão subjetivas como a arte e nossas expectativas em relação a ela nunca foi algo simples, mas o discurso paciente do engenheiro de som dos Beatles consegue revelar o quanto sua visão não está presa no passado apenas por uma questão de conforto criativo.

Afinal, ainda é possível recuperar essa “imperfeição” e profundidade que exaltam toda a realidade e unidade do artista sem se render em excesso às regalias do campo digital? Seja como for, Geoff ainda está por aí e o que quer que possamos extrair de conhecimento e experiência desse gênio da engenharia do pop moderno pode (e deve) ser extraído.

Tags:, , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

14/06/2018

Rodrigo Laux

Rodrigo Laux